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Currículo do Dr. Bumbum cita curso não concluído e pós-graduação não reconhecida

BBC News Brasil - 20 de julho de 2018 - 16:00

"Médico, pós-graduado em dermatologia pela ISBRAE, modulação hormonal pela BARM, medicina estética pela ASIME, nutrologia e ortomolecular, estágio em medicina e fisiologia do esporte", diz o site do "Dr. Bumbum".

A BBC News Brasil checou se Furtado realmente fez esses cursos de pós-graduação e se as instituições mencionadas têm licença para atuar. O resultado: uma das instituições citadas afirma que Dr. Bumbum não concluiu o curso, e as outras duas não possuem credenciamento junto ao Ministério da Educação (MEC) para oferecer pós-graduação.

Denis Furtado foi preso na quinta-feira junto com a mãe, Maria de Fátima Barros. Os dois estavam foragidos desde o início da semana e eram procurados pela polícia. Furtado é investigado pela morte de uma de suas pacientes, a bancária Lilian Calixto, de 46 anos, após um procedimento estético de preenchimento dos glúteos.

A suspeita é de que ela tenha sofrido uma embolia pulmonar por conta do uso excessivo de PMMA (polimetilmetacrilato). A substância, composta por microesferas de um material parecido com plástico, é aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas é indicada somente para uso em pequenas quantidades.

Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o PMMA não deve ser usado para preenchimento de glúteo.

"Era uma substância pensada para usar em pequenas quantidades, normalmente na face. Mas começaram a aplicar no bumbum. Para ter efeito, injetam no músculo, e o músculo tem vasos sanguíneos. Se injetar dentro do vaso, a substância pode ir para a corrente sanguínea e você pode ter AVC ou embolia pulmonar", explicou à BBC News Brasil o médico Sergio Bocardo, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e chefe de cirurgia plástica do Hospital Ipanema, no Rio de Janeiro.

A BBC News Brasil tentou contato com a advogada de Denis Furtado, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.

'9 mil bioplastias' e nenhuma residência médica
Em vídeo postado no seu perfil de Instagram, que tem mais de 650 mil seguidores, Furtado diz ter feito mais de 9 mil bioplastias - intervenções à base de injeções para remodelar o corpo.

Mas as evidências mostram que toda essa experiência prática não veio acompanhada de cursos de especialização reconhecidos pelo MEC ou pelas sociedades de cirugia plástica ou dermatologia, por mais que ele se apresente no site pessoal como tendo cursado três pós-graduações.

O Ministério da Educação diz que apenas instituições de ensino superior credenciadas podem oferecer cursos de pós-graduação. Mesmo assim, esses cursos em si não servem como atestado de especialização em áreas da medicina.

Para se dizer especialista em cirurgia plástica, por exemplo, é preciso fazer três anos de residência em cirurgia geral e outros dois em cirurgia plástica. Depois, o médico passa por uma prova oral e escrita, para então receber o título de cirurgião plástico, segundo informações da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

Para ser dermatologista, também é preciso fazer residência ou especialização nessa área e passar por uma prova da Sociedade Brasileira de Dermatologia.

Das três instituições citadas por Furtado no currículo, apenas a ISBRAE (Instituição Brasileira de Ensino) pode oferecer curso de pós-graduação por ter parceria com uma faculdade, a INCISA.

Mas o ISBRAE informou à BBC News Brasil que Furtado começou a pós-graduação em dermatologia e não terminou.

O MEC informou que as outras duas instituições mencionadas - BARM e ASIME - não são reconhecidas como instituições de ensino superior.

A ASIME não tem site. Ao procurar os contatos, a BBC News Brasil descobriu que essa associação foi fundada pelo mesmo sócio de uma outra, a ABME (Associação Brasileira de Medicina Estética). Ao ligar para essa instituição e perguntar sobre a ASIME, recebeu a seguinte resposta: "A ASIME não existe há muitos anos".

Na sua página na internet, a BARM se apresenta como "uma academia internacional de colaboração científica entre Brasil e EUA, com o objetivo de contribuir e se de dedicar ao avanço da tecnologia na prevenção e tratamento de doenças relacionadas com o envelhecimento celular".

O único curso oferecido no site é um módulo online, mas não há detalhes sobre preços e datas. A BBC News Brasil tentou ligar no telefone disponibilizado na internet, mas o número não funciona.

A reportagem também enviou e-mail e deixou mensagem no site, perguntando se Furtado fez algum curso pela BARM e se a instituição tem alguma parceria com universidades para poder oferecer cursos de pós-graduação, mas não recebeu resposta.

Segundo o Conselho Federal de Medicina, um médico pode fazer qualquer procedimento mesmo que não tenha especialização. Mas não pode se anunciar como especialista nem mentir aos pacientes sobre a formação acadêmica. Além disso, não pode dar garantias de resultados.

A pena para quem infringe as chamadas "regras de publicidade médica" vão de advertência até cassação do registro profissional, que significa o fim da carreira, já que o profissional fica para sempre impedido de exercer a medicina.

O Conselho Federal de Medicina também informou que médicos podem exercer a profissão nas cidades onde possuem CRM ativo (licença para atuar). Furtado tinha registro para atuar como médico em Brasília e Goiás, mas não no Rio de Janeiro, onde o procedimento de Lilian Calixto foi feito.

A bioplastia foi realizada no apartamento dele, na Barra da Tijuca. Calixto teria passado mal algumas horas depois e foi levada ao hospital Barra D'Or pelo próprio Furtado, no sábado à noite. No domingo, ela morreu.

'Injustiça', diz Dr. Bumbum em vídeo
Num vídeo postado nas redes sociais antes de ser preso, Furtado se diz alvo de "injustiça". "É um mistério a causa da morte, mas é uma injustiça o que estão falando de mim. É uma injustiça falarem que eu não sou médico, eu tenho CRM ativo. É uma injustiça dizerem que é um procedimento que não é habilitado", afirmou.

Furtado afirmou também que Lilian Calixto estava "muito bem" depois da bioplastia.

"Aconteceu uma fatalidade, mas uma fatalidade que acontece com qualquer médico. Uma paciente após procedimento de glúteo, que eu já realizei 9 mil, ela saiu do consultório muito bem. Umas seis horas após eu a levei para o hospital e ela chegou ao óbito."

Segundo o médico, a paciente estava lúcida ao chegar ao Hospital Barra D'Or. "Ela terminou o procedimento por volta de 19h20. Ela desceu escada, conversou, riu, conversou com todo mundo e se sentindo muito bem. Passou oito, nove horas, dez horas, onze horas. Às 23h30 ela sentiu-se mal, sentiu uma queda de pressão", detalhou.

"Eu falei 'vamos ao hospital'. Chegando lá, ela estava andando e lúcida. E depois ela veio a falecer horas após, dentro do hospital. Eu quero saber o que é isso."

O médico ainda afirma que fugiu da polícia porque se assustou ao ser abordado por "homens armados". "A minha demora nesse pronunciamento, quatro dias depois, é porque sofri um atentado com perseguição de carros, fuzil e tiros. Não sabia se era bandido ou represália da família da vítima. Mas estou sendo culpado de um crime que eu não cometi."

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