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Concedida liminar suspendendo artigos da Lei de Imprensa

STF - 21 de fevereiro de 2008 - 20:20

O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que juízes e tribunais suspendam o andamento de processos e os efeitos de decisões judiciais ou de qualquer outra medida que versem sobre alguns dispositivos da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67). A decisão suspende, por exemplo, as penas de prisão para jornalistas por calúnia, injúria ou difamação. A decisão liminar, deferida parcialmente, deverá ser referendada pelo Plenário do Supremo.

Leia a íntegra da decisão.


MED. CAUT. EM ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL 130-7 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. CARLOS BRITTO
ARGÜENTE(S) : PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA -
PDT
ADVOGADO(A/S) : MIRO TEIXEIRA E OUTRO(A/S)
ARGÜIDO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
ARGÜIDO(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
DECISÃO: Vistos, etc.
CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.
LEI Nº 5.250, DE 09 DE FEVEREIRO DE 1967
(LEI DE IMPRENSA). ATENDIMENTOS DOS
PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES DA MEDIDA
LIMINAR. CAUTELAR DEFERIDA, AD
REFERENDUM DO PLENÁRIO DO STF.
Cuida-se de argüição de descumprimento de
preceito fundamental, manejada pelo Partido Democrático
Trabalhista – PDT, aparelhada com pedido de medida liminar,
tendo por objeto a Lei federal nº 5.250/67.
2. Pois bem, o argüente sustenta que o objetivo
da presente ADPF é a “declaração, com eficácia geral e
efeito vinculante, de que determinados dispositivos da Lei
de Imprensa (a) não foram recepcionados pela Constituição
Federal de 1988 e (b) outros carecem de interpretação
conforme com ela compatível (...)” (fl. 03)”. Isso para se
evitar que “defasadas” prescrições normativas sirvam de
motivação para a prática de atos lesivos aos seguintes
preceitos fundamentais da Constituição Federal de 1988:
incisos IV, V, IX, X, XIII e XIV do art. 5º e arts. 220 a
223. Diz, por fim, não existir outro meio processual capaz
de sanar a lesividade de que dá conta, motivo pelo qual
entende satisfeito o requisito da subsidiariedade (§ 1º do
art. 4º da Lei nº 9.882/99 - Lei da ADPF).
3. Sigo neste abreviado relato da causa para
averbar que, após declinar os densos fundamentos fáticojurídicos
da pretensão de ver julgada procedente esta
argüição, o acionante requereu a declaração de revogação de
toda a Lei nº 5.250/67, porquanto “incompatível com os
tempos democráticos”. Alternativamente, o proponente pugnou
pela declaração de não-recepção: a) da parte inicial do §
2º do art. 1º (a expressão “... a espetáculos e diversões
públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei,
nem ...”); b) do § 2º do art. 2º; c) da íntegra dos arts.
3º, 4º, 5º, 6º, 20, 21, 22, 23, 51 e 52; d) da parte final
do art. 56 (o fraseado “...e sob pena de decadência deverá
ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou
transmissão que lhe der causa...”); e) dos §§ 3º e 6º do
art. 57; f) dos §§ 1º e 2º do art. 60; g) da íntegra dos
arts. 61, 62, 63, 64 e 65. Mais: pediu a fixação de
interpretação conforme à CF/88: a) ao § 1º do art. 1º; b) à
parte final do caput do art. 2º; c) ao art. 14; d) ao
inciso I do art. 16; e) ao art. 17; em ordem a assentar que
as expressões “subversão da ordem política e social” e
“perturbação da ordem pública ao alarma social” não sejam
interpretadas como censura de natureza política ideológica
e artística ou constitua embaraço à liberdade de expressão
e informação jornalística. Quanto ao art. 37, requereu a
atribuição de interpretação conforme à Constituição para
afirmar que o jornalista não é penalmente responsável por
entrevista autorizada. À derradeira, pugnou pela adoção da
técnica de interpretação conforme à Constituição à toda Lei
de Imprensa, em ordem a afastar qualquer entendimento
significante de censura ou embaraço à liberdade de
expressão e de informação jornalística.
4. Em sede de cautelar, o autor pede seja
determinada a todos os juízes e tribunais do País a
suspensão do andamento de processos e dos efeitos de
decisões judiciais ou qualquer outra medida que se
relacione com o objeto da presente argüição de
descumprimento de preceito fundamental.
5. Esta é a síntese do caso.
6. Passo a decidir. Fazendo-o, anoto que a Lei
nº 9.882/99 (§ 1º do art. 5º) autoriza o relator da
argüição a conceder liminar ad referendum do Plenário, nas
hipóteses configuradoras da “extrema urgência ou perigo de
lesão grave”. E o fato é que, a meu sentir, esses
requisitos foram devidamente comprovados pelo argüente a
partir dos documentos acostados à inicial.
7. Feito este breve e necessário registro,
passo a enfrentar o mérito da pretensão cautelar. Ao fazêlo,
remarco o que tantas vezes tenho dito em votos
jurisdicionais, livros e artigos jurídicos: a Democracia é
o princípio dos princípios da Constituição de 1988. Valor
dos valores, ou valor-continente por excelência. Aquele que
mais se faz presente na ontologia dos outros valores,
repassando para eles a sua própria materialidade. Logo, o
cântico dos cânticos ou a menina dos olhos da nossa Lei
Fundamental, consubstanciando aquela espécie de fórmula
política a que Pablo Lucas Verdu se refere com estas
palavras: “fórmula política de uma Constituição é a
expressão ideológica que organiza a convivência política em
uma estrutura social” (apud Teoria da Constituição, Carlos
Ayres Britto, Rio de Janeiro: Forense, 2006, pág. 169).
8. Exatamente por se colocar no corpo normativo
da Constituição como o princípio de maior densidade
axiológica e mais elevada estatura sistêmica é que a
Democracia avulta como síntese dos fundamentos da nossa
República Federativa (“soberania”, “cidadania”, “dignidade
da pessoa humana”, “valores sociais do trabalho” e da
“livre iniciativa e pluralismo político”) e dos objetivos
fundamentais desse mesmo Estado Republicano Federativo
(“construir uma sociedade livre, justa e solidária”,
“garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza
e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais”, “promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas
de discriminação”).
9. Diga-se mais, por necessário: a Democracia
de que trata a Constituição de 1988 é tanto indireta ou
representativa (parágrafo único do art. 1º) quanto direta
ou participativa (parte final do mesmo dispositivo), além
de se traduzir num modelo de organização estatal que se
apóia em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação
em plenitude e de máxima qualidade; b) o da transparência
ou visibilidade do poder. Por isso que emerge da nossa
Constituição a inviolabilidade da liberdade de expressão e
de informação (incisos IV, V, IX e XXXIII do art. 5º) e
todo um capítulo que é a mais nítida exaltação da liberdade
de imprensa. Refiro-me ao Capítulo V, do Título VIII, que
principia com os altissonantes enunciados de que: a) “a
manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não
sofrerão nenhuma restrição, observado o disposto nesta
Constituição” (art. 220); b) “nenhuma lei conterá
dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade
de informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V,
X, XIII e XV” (§ 1º do art. 220). Tudo a patentear que
imprensa e Democracia, na vigente ordem constitucional
brasileira, são irmãs siamesas. Uma a dizer para a outra,
solene e agradecidamente, “eu sou quem sou para serdes vós
quem sois” (verso colhido em Vicente Carvalho, no bojo do
poema “Soneto da Mudança”). Por isso que, em nosso País, a
liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade,
porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer
que seja.
10. Ora bem, a atual Lei de Imprensa
—— Lei nº 5.250/67 ——, diploma normativo que se põe na alça
de mira desta ADPF, não parece mesmo serviente do padrão de
democracia e de imprensa que ressaiu das pranchetas da
nossa Assembléia Constituinte de 1987/1988. Bem ao
contrário, cuida-se de modelo prescritivo que o próprio
Supremo Tribunal Federal tem visto como tracejado por uma
ordem constitucional (a de 1967/1969) que praticamente nada
tem a ver com a atual, conforme se depreende dos seguintes
julgados: PET 3.486, da relatoria do ministro Celso de
Mello; RE 402.287-AgR, da relatoria do ministro Carlos
Velloso; RE 348.827, da relatoria do ministro Carlos
Velloso; RE 423.141-AgR, da relatoria do ministro Gilmar
Mendes; RE 447.584, da relatoria do ministro Cezar Peluso;
RE 289.533-AgR, de minha relatoria; entre outros.
11. É o quanto me basta para entender
configurada a plausibilidade do pedido (fumus boni juris)
em sede ainda cautelar. E quanto ao requisito do perigo na
demora da prestação jurisdicional (periculum in mora),
tenho que não se pode perder uma só oportunidade de impedir
que eventual aplicação da lei em causa (de nítido viés
autoritário) abalroe esses tão superlativos quanto
geminados valores constitucionais da Democracia e da
liberdade de imprensa. Valho-me, pois, do § 3º do art. 5º
da Lei nº 9.882/99 (Lei da ADPF) para, sem tardança,
deferir parcialmente a liminar requestada para o efeito de
determinar que juízes e tribunais suspendam o andamento de
processos e os efeitos de decisões judiciais, ou de
qualquer outra medida que versem sobre os seguintes
dispositivos da Lei nº 5.250/67: a) a parte inicial do § 2º
do art. 1º (a expressão “... a espetáculos e diversões
públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei,
nem ...”); b) o § 2º do art. 2º; c) a íntegra dos arts. 3º,
4º, 5º, 6º, 20, 21, 22, 23, 51 e 52; d) a parte final do
art. 56 (o fraseado “...e sob pena de decadência deverá ser
proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou
transmissão que lhe der causa...”); e) os §§ 3º e 6º do
art. 57; f) os §§ 1º e 2º do art. 60; g) a íntegra dos
arts. 61, 62, 63, 64 e 65. Decisão que tomo ad referendum
do Plenário deste STF, a teor do § 1º do art. 5º da Lei nº
9.882/99.
12. Por fim, e nos termos da decisão proferida
pelo Min. Sepúlveda Pertence na ADPF 77-MC, determino a
publicação deste ato decisório, com urgência, no Diário da
Justiça e no Diário Oficial da União, possibilitando-se às
partes interessadas obter de imediato mandado de suspensão
dos feitos aqui alcançados.
Brasília, 21 de fevereiro de 2008.

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