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Ciência comportamental pode auxiliar no desenvolvimento das políticas públicas

Agência Brasil - 27 de agosto de 2017 - 15:00

Na busca pela melhor compreensão do comportamento humano, a ciência comportamental oferece uma nova perspectiva sobre como funciona a tomada de decisão dos indivíduos. Este campo científico surgiu na década de 1970, mas agora um dos setores que têm absorvido seus princípios e técnicas é o de políticas públicas. Já são vários os exemplos de sucesso, principalmente no exterior e, mais recentemente, no Brasil.

“As ciências comportamentais derivam da própria psicologia. É entender como a cabeça das pessoas funciona para pensar, por exemplo, em políticas públicas, essa é uma das aplicações e a principal, é a que interessa mesmo”, explica a psicóloga Vera Rita de Mello Ferreira, professora e doutora em Psicologia Econômica. Ela esclarece que, embora o Marketing já utilize os princípios há muito tempo, a novidade é atuação em prol da população. “A grande novidade é quando as ciências comportamentais se posicionam a favor do cidadão, trazendo contribuições em diferentes ramos para ajudar as pessoas a tomarem melhores decisões para elas mesmas”.

Uma experiência brasileira é a aplicação da ciência comportamental no desenho e na implementação do programa de educação financeira do Bolsa Família. “Ajudamos a repensar o programa para auxiliar as beneficiárias a criarem o comportamento de poupança, de redução de dívida e de criarem o hábito da organização e do planejamento financeiro”, relata a consultora Marina Cançado, da associação Travessia, organização sem fins lucrativos que tem como propósito discutir ações que contribuam para melhorar as políticas públicas no Brasil.

“A partir dessa abordagem, de entender o comportamento e a tomada de decisão financeira das famílias, nós passamos a desenhar soluções que pudessem alterar aqueles comportamentos”, diz a diretora do Departamento de Benefícios do Programa Bolsa Família do Ministério do Desenvolvimento, Caroline Paranayba. As chamadas tecnologias sociais foram criadas em conjunto com as beneficiárias. “Chegamos num conjunto de soluções que não foram desenvolvidas para elas, mas com elas, que é a premissa dessa abordagem: construir a solução com quem está envolvido no problema”.

Para o desenvolvimento das tecnologias sociais foram realizadas oficinas e imersão dos profissionais envolvidos, que chegaram a conviver diariamente na casa das beneficiárias para entender a rotina. “Precisamos nos envolver para entender o conceito de escassez na prática”, defende Caroline. O resultado foi a construção de três tecnologias sociais: a primeira foi uma agenda de controle financeiro. “Vimos que muitas tinham dificuldade de letramento e utilizamos figuras em adesivos para identificar o gasto do mês, assim elas tomaram consciência de valores”, explicou Caroline.

A segunda tecnologia é uma carteira. “Tem dois controles: de onde vem e para onde vai a renda, assim elas começaram se organizar mais”, pontou a diretora. A terceira solução é um conjunto de três cofrinhos. “Eles têm uma abordagem diferente, onde podem separar o dinheiro para as emergências, outro para o dia a dia, e o terceiro que o cofre dos sonhos, para um objetivo maior”, detalhou Caroline.

Segundo a superintendente da Associação de Educação Financeira do Brasil, Cláudia Forte, os resultados da avaliação de impacto já mostram uma mudança de comportamento. “O objetivo foi provocar autonomia financeira a essas mulheres e suas famílias e assim desenvolver o planejamento de longo prazo”. De acordo com os números apresentados pela superintendente, 34% da amostra começou a resolver suas pendências com recursos próprios e 39% no número de famílias que conseguiram na reserva de poupança.

Baixo custo

Para Marina Cançado, a aplicação das técnicas não depende de altos investimentos em tecnologia ou estrutura. “As intervenções da ciência comportamental tem custo baixíssimo, muitas vezes é mudar um formulário, ou como no Bolsa Família, foi distribuir para as beneficiárias formas deorganizarem o dinheiro. Muito das ciências comportamentais está nos detalhes que são negligenciados”, acredita.

Nos Estados Unidos e no Reino Unido diversas ações são aplicadas por instituições e governos na construção de políticas e programas sociais mais eficientes. Marina cita o exemplo do governo inglês. “Fizeram mais de 400 projetos nas políticas públicas com a utilização dos ensaios comportamentais, desde aumentar a presença de pais nas reuniões de escolas públicas até aumentar a arrecadação de impostos de pessoas que não estavam pagando”.

Assim como a psicóloga Vera Rita, Marina não acredita que as técnicas restrinjam a liberdade de escolha do cidadão. “Poderia ser encarada como manipulação, ou com o governo querendo que as pessoas se comportem de determinada forma, mas eu não concordo, porque um dos princípios da ciência comportamental é sempre preservar a liberdade de escolha do indivíduo, então em nenhum momento você está obrigando ninguém a fazer nada, você só está criando um contexto para facilitar”, defende.

Debate

Especialistas e interessados na área se reuniram nesta quinta-feira (24) para debater o tema em São Paulo, com o objetivo de trazer a discussão para o contexto brasileiro principalmente quando se trata de políticas públicas e programas sociais. Dan Ariely, um dos principais especialistas em estudos da economia comportamental no mundo, professor de psicologia da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, foi um dos palestrantes do evento. Para ele, é

Para Ariely, a discussão ética das aplicações das ciências comportamentais precisam levar em conta o alto custo das más escolhas dos indivíduos que refletem na sociedade. “Quanto mais tempo eu estudo mais acho que temos que ser paternalistas pois o mundo que está aí é complexo. Quanto mais avançamos em todas as áreas da vida, mais as decisões se tornam difíceis e as pessoas não sabem qual o ponto certo a escolher. Precisamos analisar os custo-benefício das más escolhas”.

O especialista ainda aconselha a quem quer mudar comportamentos pessoais e no trabalho a se atentarem aos detalhes. “É se debruçar sobre os detalhes, sobre o comportamento que se espera.Ver quais são os obstáculos e como eliminá-los”.

Outro exemplo brasileiro

Outro exemplo brasileiro da aplicação das ciências comportamentais é citado pela psicóloga Vera Rita. Em 2015, Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp) decidiu mudar o formato do formulário da previdência complementar que é entregue ao funcionário público no primeiro dia de trabalho para identificar se ele quer ou não participar do plano.

No documento, a opção “Sim, eu quero aderir ao plano” passou a ser marcada automaticamente, com o objetivo de aumentar a adesão. Desde então, caso não queira aderir ao plano, o funcionário tem 90 dias para desistir. A iniciativa, baseada em uma prática aplicada nos Estados Unidos, fez subir de 40% para 82% a fatia de participantes que adere ao plano.

“Em nenhum momento a liberdade [de escolha] é suprimida, porque a pessoa pode deixar de fazer, não tem nada compulsório”, esclarece Vera Rita. A especialista diz ainda que não existe nenhum perigo na adoção da ciência comportamental na coletividade, pois está a favor da população. “É sempre uma indução leve e caso você queira revelar tudo que está sendo feito para o tomador de decisão, isso não diminui a eficácia. O que eu defendo também é colocar o público-alvo para pensar junto, antes de formular [iniciativas]”.

Incentivo do Banco Mundial

De acordo com o ‘Relatório do Desenvolvimento Mundial 2015: Mente, Sociedade e Comportamento’, realizado pelo Banco Mundial, diversos fatores comportamentais e sociais podem afetar o êxito de uma política. “A prática de desenvolvimento exige um processo iterativo de descoberta e aprendizagem, que implica a distribuição do tempo, dinheiro e conhecimento técnico ao longo de vários ciclos de projeto, implementação e avaliação”.

Segundo o relatório, uma visão mais profunda do comportamento humano pode contribuir para o alcance dos objetivos de desenvolvimento em muitas áreas, como desenvolvimento na primeira infância, finanças domésticas, produtividade, saúde e mudança climática.

“Você já parou para pensar?”

A exposição permanente “Você já parou para pensar?”, exposta no Museu de Valores do Banco Central do Brasil, em Brasília, incentiva a reflexão sobre as decisões quando o assunto é dinheiro.

Diversas perguntas expostas em painéis espalhados pelo museu mostram como os indivíduos estão sujeitos a tomar decisões irracionais. Você andaria 15 minutos para conseguir um desconto de 20% em uma bola? E para conseguir um desconto de 1,42% em um celular?

A maioria das pessoas certamente escolheria a primeira opção, mas a realidade é que o desconto é o mesmo nos dois casos: R$10. Isso acontece porque nosso cérebro está programado para pensar de forma relativa, ou seja, achamos que 1,42% nos proporcionaria um desconto menor.

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