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Cassilândia - Leia a decisão da Justiça sobre o lixão

06 de outubro de 2006 - 18:18

Autos: 007.06.001524-8 - Ação Civil Pública
P.A.: Ministério Público Estadual
P.P.: Município de Cassilândia - MS


Decisão
Trata-se de Ação Civil Pública com pedido de liminar, promovia pelo Ministério Público contra o Município de Cassilândia, com pedido de liminar consistente em ordem para: a) cessar, imediatamente, as atividades do depósito de lixo, e o recebimento de quaisquer tipos de resíduos, até que esteja em perfeito funcionamento a Usina de Reciclagem e Compostagem (inclusive o incinerador hospitalar), pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais); b) proibir enterrar no local qualquer resíduo sólido, vez que lá não possui Licença de Operação para o funcionamento de Aterro Sanitário, também sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais); c) proibir a queima de qualquer resíduo sólido no local, também sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais);
Juntaram-se documentos.
Foi facultado ao Município a manifestação sobre o pedido liminar, e então, apresentou a contestação na f. 99, suscitando introdutoriamente a impossibilidade de o Juiz substituir a Administração Pública, determinando obras, cuja conveniência e oportunidade compete ao Administrador analisar; o atendimento ao pedido tornaria satisfativa a medida, que tem caráter cautelar, o que contraria o Ar. 1.º, § 3.º da Lei 8437/92; a concessão da liminar causará dano irreparável e prejuízo à saúde pública; não há provas que apontam os danos ambientais; há licenças expedidas pela SEMA e IMAP para o funcionamento do sistema de lixo, sem apontar danos, e a expedição demora 12 meses, o que inviabiliza a atividade; o Ministério Público não indica outro local para o lixo, apenas pede a interdição, e não há autorização para o funcionamento em outro local; inexistência de previsão orçamentária para impor construção e aquisição de equipamento, conforme Art. 167, II, da Constituição Federal.
Pede então seja reconhecida a impossibilidade de o Poder Judiciário impor ao Poder Executivo a construção ou implantação de obra pública; a inadequação da via eleita, eis que o correto seria obrigação de fazer e não ação civil pública; e, por fim, caso não seja esse o entendimento, que seja indeferida a liminar por falta de plausibilidade do direito invocado e de urgência. Pugna-se pela juntada de contestação de mérito posteriormente.
Juntaram-se documentos (fs. 107-118).
Apresentou-se contestação suscitando preliminar de inépcia da inicial porque a ação estaria fundada apenas em receio de dano, pois a usina de reciclagem, compostagem, aterro sanitário e incinerador de lixo hospitalar, estaria instalada e funcionando há mais de oito anos, e possui autorização e licença de instalação e operação expedida pela SEMA e IMAP, o que autorizaria o indeferimento de plano da inicial, pois as provas que acompanham a inicial não demonstram elementos para autorizar o que se pede, e só exame bacteriológico das águas próximas à usina e do lençol freático fariam concluir por dano ambiental.
No mérito, pugna pela improcedência da pretensão porque não há prova do que se alega e porque a não colheita diária do lixo urbano é que causaria maiores danos à população e, por fim, porque as máquinas de processamento do lixo hospitalar estão em manutenção,
A pretensão foi ratificada em impugnação à contestação.

Decide-se.
Não obstante não tenha sido dada a denominação de preliminar à questão relativa à aventada impossibilidade de o Poder Judiciário impor ao Poder Executivo a construção ou implantação de obra pública e a inadequação da via eleita, eis que o correto seria obrigação de fazer e não ação civil pública como utilizado, não se pode negar que tais questões têm natureza jurídica de defesa indireta, de preliminar.
Com efeito, do fato narrado como causa de pedir não se tem dúvida em momento algum: a pretensão que se expõe ao final, em decorrência lógica dele, traduz-se em imposição ao Poder Executivo de fazer e deixar de fazer algo.
No entanto, não tem razão o Município.
Tem-se conhecimento realmente de que ao Juiz não compete substituir o membro do Poder Executivo, no entanto, é sabido que ao Judiciário compete fazer cumprir as leis, e se há lei que estabelece algo como obrigação à Administração Pública, o mínimo que se espera da Justiça é que se imponha ao Administrador a desincumbência de seu dever.
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos da Constituição Federal. É essa a mensagem primeira que se extrai da Constituição de 1988.
Destarte, são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, e pouco importa se o Poder é exercido por um, por alguns ou por muitos, quem o detém tende a dele abusar, ou no mínimo descumprir as “regras do jogo”.
Por isso há duplo grau de jurisdição, sistema de freios e contrapesos, enfim, cada um deles com sua atividade fim e atividade meio, pode e deve ser realmente controlado, se não diretamente pelo cidadão, pelos diversos meios de acesso, por interferência dos próprios interessados ou por fiscalização e atividade fim de um Poder em relação ao outro, sem que com isso viole-se a independência e harmonia.
É esse o ensinamento de Montesquieu para sustentar que a liberdade política só é encontrada nos governos moderados, embora não exista sempre nos Estados moderados, ou seja, quando não se abusa do poder.
Montesquieu, o grande clássico francês, sustenta a famosa doutrina da divisão dos poderes, esclarecendo que estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de príncipes ou nobres, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou demandas dos particulares.
Então não há dúvida, a partir da divisão, da autonomia e da harmonia, tudo elevado à esfera constitucional, que também garante acesso irrestrito à jurisdição, seja de forma repressiva ou preventiva, para garantia da imposição legal, de direitos e deveres decorrentes de lei, todos os Poderes e seus representantes, a ela se submetem.
É a regra mínima de democracia, o Governo das leis e não dos homens, a cujo respeito, Norberto Bobbio se manifesta com uma clareza solar:
"Se então, na conclusão da análise, pedem-me para abandonar o hábito do estudioso e assumir o do homem engajado na vida política do seu tempo, não tenho nenhuma hesitação em dizer que a minha preferência vai para o governo das leis, não para o governo dos homens. O governo das leis celebra hoje o próprio tempo da democracia. E o que é a democracia senão um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) para a solução dos conflitos sem derramamento de sangue? e em que consiste o bom governo democrático se não, acima de tudo, no rigoroso respeito a estas regras? Pessoalmente, não tenho dúvida sobre a resposta a estas questões. E exatamente porque não tenho dúvidas, posso concluir tranqüilamente que a democracia é o governo das leis por excelência. No momento mesmo em que um regime democrático perde de vista este seu princípio inspirador, degenera rapidamente em seu contrário, numa das tantas formas de governo autocrático de que estão repletas as narrações dos historiadores e as reflexões dos escritores políticos" (O Futuro da Democracia. 5. ed., Paz e Terra, p. 170-171, tradução de Marco Aurélio Nogueira).
Ato administrativo é instrumento por meio do qual se administrar, e Lucia Valle Figueiredo, in Curso de direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 59/160, utilizando-se da definição de Agustín Gordillo, estabelece como ato administrativo:
Ato administrativo é a norma concreta, emanada pelo Estado, ou por quem esteja no exercício da função administrativa, que tem por finalidade criar, modificar, extinguir ou declarar relações jurídicas entre este (o Estado) e o administrado, suscetível de ser controlada pelo Poder Judiciário.
Os atos administrativos se dividem em ato administrativo vinculado e ato administrativo discricionário e a diferença entre ele é o grau de liberdade de decisão concedida pelo legislador ao administrador, que é apenas quantitativa e não qualitativa.
O administrador vincula-se às normas e aos princípios da boa administração, o que importa dizer que não existe mais ato imune ao controle judicial, pouco importando se ele é discricionário ou vinculado. O discricionário (motivação do objeto) também é vinculado à lei, sendo totalmente desnecessária a distinção utilizada anteriormente pela doutrina, que fazia um divisor para definir o ato controlado e o ato que ficava fora do alcance do Poder Judiciário.
Portanto, a competência, a forma e a finalidade do ato administrativo discricionário são vinculadas à lei, dando-se uma maior dose de liberdade à decisão do administrador, quanto à motivação e ao objeto.
Não se duvida, todavia, que discricionariedade quanto ao mérito (oportunidade e conveniência) ainda encontra resistência por segmentos da jurisprudência e doutrina.
Não cabe, de fato, ao Judiciário apreciar e substituir a administração quanto ao critério de conveniência e oportunidade do ato administrativo, salvo em hipóteses excepcionalíssimas, em que estas (conveniência e oportunidade) já estejam devidamente caracterizadas em favor daquele que impugna o ato, ou, no exercício delas, pratique-se ilegalidade ou imoralidade.
O ato discricionário não é privilégio da administração pública, pois ele terá que servir à coletividade, sempre tendo em vista que o Estado existe em função do povo, e não o contrário, consoante magistério de Francisco Campos:
“Ora, os juízos do tipo denominado discricionário, ao invés de constituírem privilégio da Administração, fazem parte do patrimônio comum da cultura humana, e o seu domínio, ao contrário de respeito à esfera do Poder Público, compreende todo o imenso campo da estima moral, artística, política e da vida prática em geral. O critério que preside à formação de tais juízos é a de natureza puramente regulativa ou se limita tão-somente a designar a direção geral a ser seguida, sem, contudo, fixar, de maneira concreta ou inequívoca, um ponto preciso de referência. A liberdade que caracteriza o prejuízo discricionário não resulta, portanto, da qualidade da pessoa que o formula, mas da estrutura lógica desse juízo, da natural ambigüidade que caracteriza o seu conteúdo significativo. Nisto e tão-somente nisto é que consiste a justificação do poder discricionário da Administração.”
É essa também a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in Direito administrativo. 14.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 2003.:
Mas esses poderes, no Estado de Direito, entre cujos postulados básicos se encontra o princípio da legalidade, são limitados pela lei, de forma a impedir os abusos e as arbitrariedades a que as autoridades poderiam ser levadas.
Isto significa que os poderes que exerce o administrador público são regrados pelo sistema jurídico vigente. Não pode a autoridade ultrapassar os limites que a lei traça à sua atividade, sob pena de ilegalidade.
Mas no caso, longe de substituir a administração, não se pode negar acesso ao Judiciário, quando se expõe questão tão relevante, questão ambiental, e, se o que se pede, consubstancia substituição da vontade do Administrador pelo do Estado-Juiz, apenas a análise do mérito deixará claro.
Outrossim, as obrigações de fazer também são permitidas pela lei de diretrizes da ação civil pública e não têm força de quebrar a harmonia e independência dos Poderes.
O Art. 3.º da LACP é claro:
Art. 3º. A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
Mesmo porque o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário está vinculado a perseguir a atuação do agente público em campo de obediência aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, da finalidade e, em algumas situações, o controle do mérito.
Não fosse assim, estaria perdida toda a doutrina de divisão referida.
Conclui-se então, não haver qualquer problema de ordem formal que obste a análise da pretensão, tal como exposta, e a discricionariedade ou não do ato combatido, é o mérito da questão, e só a partir daí, também será possível concluir se poderá ou não haver a imposição.
Ultrapassada esta questão, passa-se a análise do pedido liminar em si.
Narra-se como fatos para fundamentar a pretensão inicial que no ano de 1996, instaurou-se um Inquérito Civil Público registrado sob nº 003/96, com o objetivo de apurar poluição ambiental às margens da rodovia vicinal entre Cassilândia e Inocência, em virtude do Município de Cassilândia depositar lixo urbano e hospitalar naquelas imediações, provocando poluição e mau cheiro, além de ocasionar a proliferação de insetos e prejuízos, colocando em risco a qualidade de vida da população. E mais, conforme se extrai da inicia:
Na época foi solicitado ao Município de Cassilândia que fosse apresentado um projeto de tratamento urbano ou aterro sanitário, de modo que se sanasse o problema advindo do depósito de lixo.
Em 20 de maio de 1996 foi enviado a esta Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Projeto de Usina de Reciclagem e Compostagem de Lixo.
Requisitado laudo pericial à EMPAER que constatou que o sistema utilizado de despejo do lixo, expunha a sérios riscos, a saúde de toda a população, devido a vários fatores como: proliferação de insetos; disseminação de doenças, contaminação dos mananciais, entre outros.
Em 12 de junho de 2000, foi encaminhado pela Prefeitura Municipal, Projeto de Implantação da Usina de Compostagem, Aterro Sanitário e incinerador de lixo hospitalar, a qual foi devidamente implantada, tendo passado por todos os seus trâmites legais, qual seja: pedido de autorização, cujo nº do processo foi 15/101920/2000; Licença Prévia nº 323/2001, autorizando a Prefeitura Municipal a implantar a Usina e em data de 31 de maio de 2002 a Licença de Instalação nº 062/02 do IMAP.
Em razão da implantação da Usina de Reciclagem, os autos de Inquérito Civil nº 003/96, foram arquivados.
Contudo Excelência, é de conhecimento público e notório que a usina de reciclagem vem funcionando já por algum tempo em desacordo com a legislação e inclusive, em desacordo com a própria Licença de Operação.
No dia 22 de junho de 2006, compareceu nesta Promotoria de Justiça a senhora MARIA CRISTINA FERNANDES, dizendo ser proprietária de um imóvel rural que faz divisa com a área da Usina de Reciclagem de Lixo da Prefeitura Municipal, há cerca de 04 anos, e afirma que desde que a Usina passou a funcionar, começou a ter problemas, pois o lixo é depositado inadequadamente naquele local; afirma também que parte do lixo depositado na usina é levado com o vento para dentro de sua propriedade, o que vem causando certo transtorno; afirma finalmente que a usina exala um profundo mau cheiro naquelas imediações, bem como a cada dia vem aumentando a proliferação de insetos, além de focos de incêndio, causando uma série de transtornos e inclusive perigo para aqueles que trafegam pela Rodovia Joaquim Tenório Sobrinho.
Objetivando comprovar documentalmente o alegado, no dia quatro (04) de julho do corrente ano, foi determinado por esta Promotoria de Justiça que, em diligência local, constata-se a veracidade das informações, sendo confeccionado um Auto de Constatação nos seguintes termos:
“AUTO DE CONSTATAÇÃO. Aos 04 de julho de 2006, nesta cidade e Comarca de Cassilândia, Estado de Mato Grosso do Sul, por volta das 11:20 horas, em cumprimento à determinação do I. Promotor de Justiça, Dr. RONALDO VIEIRA FRANCISCO, PROCEDI diligências na Usina de Reciclagem e Compostagem de Lixo da Prefeitura Municipal, localizada na rodovia MS 306, altura do KM 7, lado esquerdo da pista de rolamento, neste município de Cassilândia-MS e lá, constatei que no aterro sanitário, onde está acumulado o lixo, existe vários focos de incêndio, os quais provocam muita fumaça, que com o vento é levada para várias direções, sendo que no momento, a fumaça não atingia a pista de rolamento da rodovia. Contudo, verifica-se devido a proximidade do aterro com a rodovia, caso a fumaça tome sentido contrário, poderá causar sérias conseqüências para o trânsito de veículos naquela localidade. Indagado aos funcionários ali presentes sobre o incinerador hospitalar, estes informaram que há cerca de três meses este não está funcionando, sendo que o lixo hospitalar é recolhido 03 vezes por semana (2ª, 4ª e 6ª -feira) e é incinerado num buraco feito no chão, distante uns 100 metros do aterro sanitário. Verificou-se ainda, que por toda a área que circunda a Usina, existe lixo esparramado pelo chão e muitas sacolas plásticas que com o vento, atingem as propriedades vizinhas e suas pastagens. Nada mais para constar lavro o presente auto e assino.Célia Rita de Castro Machado. Oficial de Secretaria da Promotoria
Juntou-se no Auto de constatação, fotografias do local (doc. em anexo).
Somando-se aos fatos, compareceu na Promotoria de Justiça no dia 13 de julho o senhor Elio Azambuja de Souza, relatando que é proprietário de uma gleba de terras próximo à Usina, e que desde a instalação da Usina sua propriedade vem sendo invadida por sacos plásticos proveniente do lixo ali depositado. Relata também que nesta época de estiagem, o aterro de lixo, constantemente apresenta focos de incêndio, provocando muita fumaça nas imediações, atingindo inclusive a pista de rolamento da rodovia MS 306, constituindo graves riscos de acidentes. Acrescenta ainda em sua declarações que o lixo hospitalar recolhido na cidade, também é levado para a usina, e está sendo incinerado em um buraco feito no chão, exalando muita fumaça, causando transtornos e riscos à saúde.
Pois bem, diante dos fatos acima relatados, verifica-se que o Município de Cassilândia não está em conformidade com a legislação ambiental vigente, porque utiliza-se do local como um verdadeiro “lixão”, inclusive desatendendo as licenças de instalação nº 062/2002 emitida pelo IMAP, em 31 de maio de 2002 e operação.
Tal fato está causando possível dano ambiental ao solo, como aos córregos e ao Rio Aporé que estão muito próximos ao lixão, bem como trazendo possíveis problemas de saúde para a população local.
O objeto desta ação, conforme narrado na f. 09 é fazer ver cessar, imediatamente, o recebimento de quaisquer tipos de resíduos, até que a Usina de Reciclagem e Compostagem de Lixo, possa se adequar à legislação que regulamenta a questão, bem como ao especificado na Licença de Operação n. 167-2003; b) caso não seja acolhido liminarmente o pedido retro, que a requerida seja impedida, liminarmente, de continuar a receber lixo na Usina de Reciclagem até a sua regularização, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (Hum mil reais); c) conscientizar toda a população da importância da reciclagem do lixo; d) Obrigar o Município a construir um Aterro Sanitário.
Alega que a usina de reciclagem e compostagem de lixo não está funcionando da forma como deveria, tampouco está cumprindo os termos da legislação ambiental existente, o que torna preocupante a situação, pois não se sabe, quem responderá, no futuro, pelo passivo ambiental, ou seja, quem será responsável pelos danos ao meio ambiente causados, muitas vezes, irreparáveis.
Segundo sustenta o Ministério Público, a usina não tem condições de receber diariamente o lixo urbano da cidade de Cassilândia, e são constantes as reclamações sobre o espalhamento de parte do lixo nas propriedades vizinhas, além do mal cheiro que gera.
Ademais, o incinerador hospitalar não estaria funcionando, e, não obstante, todo material hospitalar estaria sendo queimado a céu aberto, contrariando a permissão contida na Licença de Operação e causando danos ao meio ambiente e a saúde dos munícipes.
São esses os fundamentos do pedido, ao passo que a defesa, como dito, no mérito da pretensão liminar, alega falta de urgência e plausibilidade do direito invocado.
Está repleto de razão o Ministério Público.
Verifica-se dos autos que já em 1996, 10 anos atrás, portanto, foi constatado problema ambiental relacional a lixo nesta cidade, e por isso foi instaurado inquérito civil público. Houve o encaminhamento de projeto de usina de reciclagem e compostagem de lixo, e após longo período de estudos e tramitação, foram emitidas licenças de instalação e operação da usina.
No entanto, já há bom tempo, estaria a usina funcionando em desacordo com as normas ambientais, contrariando então, a legislação de regência e os próprios termos da licença.
A documentação apresentada pelo Ministério Público dá plena convicção disso, e não é porque, conforme alude o Município, há licença, que não procede a pretensão, tampouco torna possível a dedução de que a legislação ambiental esteja sendo respeitada.
O Município optou por defesa indireta mais vigorosa. Preferiu elucubração sobre interesse de agir, adequação de via eleita, a combater com o mesmo vigor o mérito da pretensão.
Certamente, porque não tem razão mesmo.
É indiscutível que os Municípios passam por dificuldades financeiras, vivem com o “pires na mão” em Brasília , mas nada justifica que após mais de 10 anos de iniciado um inquérito civil público para apuração de problemas de meio ambiente, tenha tal problema sido resolvido, em tese, com a instalação de uma usina, e esta, hoje, não funcione adequadamente, fazendo concluir pelo retrocesso àqueles mesmos problemas, e agora se justifique a desídia do Poder Público ao argumento de falta de recursos e de previsão orçamentária.
Não tem o menor cabimento. E o expediente só pode ser considerado mesmo uma grande irresponsabilidade administrativa.
É inarredável que as normas ambientais não estão sendo cumpridas, ainda que claramente previstas na própria licença, das quais constam, dentre outras, as seguintes condições:
- Proibição de emissão de material particulado para atmosfera, bem como qualquer tipo de substância odorífera em quantidades que possa ser perceptível fora da área do empreendimento.
- Não contaminação de recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos .
É certo que consta também que a licença pode ser suspensa ou cancelada quando ocorrer violação das condições, omissão ou falsa descrição das informações que subsidiam a expedição da licença, ou superveniência de graves riscos ambientais à saúde.
No entanto, pelo visto, a SEMA não tem promovido a fiscalização necessária e por certo não tem podido informar se as condições estão sendo cumpridas, e isso é passível de apuração de responsabilidade.
Com efeito, não poderia ser diferente, pelo que se tem visto no País, onde há política, salvo raras exceções, não há seriedade no trato da coisa pública. E a SEMA é órgão política, muitas vezes, representada por pessoas nomeadas em cargos de confiança, sem compromisso, portanto, com a verdade e desincumbência das obrigações do órgão, porque atreladas a fatores e compromissos políticos que deram ensejo à nomeação e à sustentabilidade do governo.
Mas o Ministério Público deixa claro que não estão, e por certo, seus dados são muitos mais confiáveis, sem falar que não precisa de conhecimento técnico para se concluir, como qualquer um do povo faria, que a legislação não está sendo cumprida, bastando passar pelo local, o que é bem retratado nas fotografias colacionadas aos autos, para se verificar isso.
Como ressaltado na inicial, o que existe no local, é outro verdadeiro lixão, como havia no passado. O local, porém, não é apropriado para que se enterre lixo, já que não há tratamento do solo para que lá funcione um aterro sanitário, e certamente, nem há possibilidade, pois o local fica às margens de cursos d'água.
Há na inicial uma verdadeira aula sobre os cuidados que se deve ter com o lixo, e, ignorá-la pode ocasionar sérios prejuízos ao meio ambiente, que refletirá para sempre na vida das pessoas que dependam de tal meio ambiente.
O Município optou por uma modalidade de tratamento dos resíduos, gastou com isso, e os gastos devem ser recompensados, fazendo-se a manutenção adequada do sistema, pena de responsabilidade do administrador além de conseqüências e riscos aos cidadãos que, em última análise, é que dependem do meio ambiente.
Repita-se: diversamente do que afirma o Município, é patente que a legislação ambiental e as condições exigidas para a expedição das licenças não estão sendo observadas.
Logo, diante de tudo que foi exposto, e da possibilidade de exigir obrigação de fazer em ação civil pública, tal como a do Judiciário impor ao Administrador tal o qual conduta, em respeito à legalidade e moralidade, além de princípios que regem a administração, conforme Constituição Federal, o pedido pode e deve ser atendido, com algumas ressalvas, é certo.
Com feito, pede-se a cessação das atividades da usina, vedando-se, em conseqüências, o recebimento de quaisquer tipos de resíduos, até que esteja em perfeito funcionamento a usina, inclusive o incinerador hospitalar.
Em que pesem os fundamentos da pretensão, não se pode impor medida tão drástica ao Município, exatamente porque não há outro lugar para o processamento do lixo desta cidade.
E como cediço, lixo, não é algo que pode ser deixado para se produzir depois. Lixo, é conseqüência natural do próprio ato de viver, seja em sociedade ou não, ainda que fosse possível viver fora dela.
Implica concluir que, o atendimento da pretensão, resultará prejuízo muito maior aos munícipes do que a manutenção da situação, tal como está.
Mas tal como está também não é o ideal, legal, politicamente correto, tampouco adequado.
Em segundo lugar, pede-se a proibição de enterrar no local qualquer resíduo sólido, vez que lá não possui Licença de Operação para o funcionamento de Aterro Sanitário.
De fato, não contém no projeto aprovado, que deu ensejo à expedição das licenças referidas, este tipo de tratamento ao lixo, o que importa dizer mais uma vez, que as condições da licença não estão sendo observadas.
A despeito da verdade disso, mais uma vez se pergunta ,de forma rápida, objetiva e legal, o que seria feito com lixo?
Não se chega a uma resposta.
O que se tem feito com o lixo é enterrá-lo ou queimá-lo.
É a solução barata, inadequada e ilegal, porquanto não foi esta a opção escolhida ao se instalar a usina, e, obviamente, não há projeto para a aterro sanitário no local, e queimar não faz parte do rol de processamento aplicável ao lixo para disposição final, pois os danos ao meio ambiente seriam evidentes.
Logo, nenhuma das medidas liminares, malgrado a brilhante fundamentação do Ministério Público, poderia ser atendida, até porque, não se pode ignorar que uma liminar é uma antecipação da tutela final, provisória é certo, e se está não importa em concluir que pelos elementos apresentados, ao fim, poderá ser o provimento jurisdicional favorável ao autor, na medida exata do que se pede, não há como deferi-la.
O pedido liminar, não pode extrapolar os limites do provimento de mérito.
Consta da inicial como provimento jurisdicional definitivo pediso para os seguintes fins:
a. determinar a proibição de aterrar material residual no local vez que não há licença operacional para tanto;
b. obrigar o município a dar condições de funcionamento da Usina de Reciclagem;
c. condenar o município a publicar 10.000 (dez) mil cartilhas sobre o reciclagem do lixo para ser distribuída aos munícipes e escolas;
c. seja o Município obrigado a construir um Aterro Sanitário de acordo com a legislação ambiental vigente, no prazo de 6 meses;
d. seja a requerida condenada ao pagamento de indenização quantificada em perícia, correspondente aos danos que se mostrarem irrecuperáveis, seja os danos causados ao solo ou a contaminação dos Rio Aporé e de dois córregos muito próximos ao local onde o lixo é enterrado, corrigida monetariamente, a ser recolhida ao Fundo Estadual Especial de Despesa de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, criado pela Lei Estadual nº 6.536, de 13/11/89;
e. condenar a ré nas verbas da sucumbência.
Os pedidos “a” e “b” têm relação lógica com a atividade da usina, condenável da forma que ocorre porque nefasta à natureza, viola normas ambientais e as próprias condições da licença.
Os outros seriam conseqüências, de caráter educacional sobre lixo e de cunho patrimonial decorrente de responsabilidade civil.
O atendimento aos pedidos “a” e “b”, em tese, portanto, encerram a discussão sobre as atividades da usina, ao passo que os pedidos liminares A e C, além de não estarem contidos no pedido de provimento definitivo, como dito, criam dificuldades de ordem prática de caráter intransponíveis à administração pública.
Ademais, pena de atecnia processual, o pedido liminar não pode ultrapassar o contexto do pedido definitivo,
Conclui-se então que há plausibilidade e urgência para provimento liminar e por isso o deferimento se impõe, mas não sob o prisma em que se pede na f. 21, conforme letras A, B e C, mas sim sob o enfoque do pedido final.
Posto isso, defere-se liminar determinando ao Município de Cassilândia que no prazo de 90 dias faça cumprir todas as condições contidas na licença de instalação e funcionamento da Usina de Processamento e Reciclagem de Lixo, com capacidade para 10 toneladas dias, ou mais, se a demanda exigir, com localização na Rodovia MS 306, Km 06, zona rural desta cidade, pena de responsabilidade inclusive pessoal do administrador, uma vez que o povo não pode suportar ônus de tal espécie por desobediência que não autorizou, além de multa diária de R$ 10.000,00 com as mesmas características.
Oficie-se à SEMA/IMAP comunicando-se esta decisão, com cópia das licenças de fs. 41 e 81, com ordem para que proceda a fiscalização da usina e emita relatório e parecer sobre o cumprimento ou não das condições estabelecidas nas licenças e nas legislação ambiental, propondo as alterações necessárias, se for o caso, no prazo de 30 dias, pena de responsabilidade.
Defere-se a realização de perícia, para o que se nomeia a UEMS, que deverá indicar profissional, facultando-se ás partes a indicação de assistente técnico e apresentação de quesitos no prazo legal.
Publique-se. Intimem-se.
Cassilândia, 04/10/2006 09:40.

Silvio C. Prado - Magistrado

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