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Brasil realiza poucos testes clínicos de medicamentos em humanos

EPharma Notícias - 29 de abril de 2017 - 17:00

O aposentado Zeferino Mário de Jesus, 82, lutava contra um câncer na próstata havia mais de dez anos quando, em 2015, descobriu um novo tumor no pulmão, com metástase nos ossos e no cérebro.

A equipe que o atendia na Beneficência Portuguesa de São Paulo indicou uma nova droga, que já era liberada no país. Mas, por não ser a primeira opção de tratamento, o plano de saúde recusou-se a cobrir os custos. A família assumiu mais esse gasto.

Marcelo, 45, filho de Zeferino, conta que, após um ano, a medicação parou de fazer efeito. Os médicos, então, sugeriram que ele participasse de um grupo de testes de uma droga, a Tagrisso.

A família decidiu tentar. Marcelo diz que, no grupo, tudo é monitorado e controlado, qualquer remédio ingerido é anotado e o pai é submetido a exames de acompanhamento frequentes.

Antes de serem testadas em pacientes, as drogas passam por estudos pré-clínicos, feitos no laboratório em células e em animais (veja quadro). Zeferino não pode consumir nem mesmo achocolatados vitaminados sem comunicar aos pesquisadores. Em compensação, o tratamento não tem custo algum.

Participar de um grupo de testagem sempre gera receio. Todas as autorizações e termos de responsabilidade são assinados pelo paciente e por um segundo responsável.

Marcelo e o pai assinaram a papelada, confiando na equipe médica e no fato de o medicamento já ter sido aprovado nos Estados Unidos.

Para Zeferino, que toma o remédio desde outubro de 2016, os resultados começam a aparecer. Está clinicamente saudável e até foi liberado pelo médico, em janeiro, para visitar o filho em Manaus, que trabalha como maestro no Teatro Amazonas.

BENEFÍCIOS

"Participar de grupos de testagem é bom para os pacientes, para a ciência e para o país. O paciente ganha acesso a tratamentos de ponta, a pesquisa avança e a instituição que realiza o estudo é remunerada para isso", diz Murilo Buso, 48, oncologista do Centro de Câncer de Brasília. Os médicos afirmam que efeitos colaterais e danos decorrentes dos testes são raros.

Por conta da diversidade genética da população, o Brasil é alvo de interesse da indústria farmacêutica mundial para testes de novos remédios. Mas, segundo Buso, o país demora demais para conseguir aprovar a formação dos grupos de estudo.

Nos EUA, afirma o médico, o pedido leva no máximo 90 dias para ser aprovado. No Brasil, pode demorar um ano.

Gustavo Fernandes, 38, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, também defende o aumento dos grupos de testes no Brasil. O país participa de apenas 2% do total de pesquisas desse tipo feitas no mundo.

O diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Jarbas Barbosa, 59, diz que, "seguramente, participamos menos do que deveríamos", mas afirma que o regulamento de 2015 da agência estipula prazos menores, de até 90 dias, para a aprovação de estudos.

Muitos dos participantes dos grupos de estudos clínicos são pacientes que já esgotaram as opções terapêuticas disponíveis.

Fernandes, porém, diz que é falsa a ideia de que apenas doentes desenganados são encaminhados para testes. É necessário que estejam em boas condições para o tratamento e todo o processo de acompanhamento.
Os pacientes são selecionados por seus médicos, que avaliam se têm o perfil.

PROJETO DE LEI

Novos medicamentos raramente são desenvolvidos no Brasil. Sair do laboratório para os grupos de testes em humanos requer dinheiro e estrutura física e operacional.

Há ainda o tempo de aprovação dos grupos por parte da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e dos comitês de ética.

A burocracia desestimula muita gente. Não é o caso do oncologista Fábio Franke, do Hospital de Caridade de Ijuí, no Rio Grande do Sul, que coordena atualmente 125 testes. A instituição, que tem 90% de sua verba vinda do SUS, recebe pelos estudos. "Eu queria dar aos pacientes os melhores tratamentos possíveis e vi na pesquisa essa oportunidade", diz.

Franke participou da elaboração do Projeto de Lei 200/15, que já tramitou no Senado e está em discussão na Câmara dos Deputados.

"A simples discussão já é um avanço, mostra uma mudança de mentalidade sobre as pesquisas", afirma Paulo Hoff, diretor do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira), no Fórum A Jornada do Paciente com Câncer.

O projeto prevê regulamentar os testes com seres humanos, um tema que ainda não possui regras claras no país.

Para Franke, que também participou do Fórum, a falta de regulamentação faz com que o Brasil só receba 2% dos estudos feitos no mundo.

"Com o aumento da incidência do câncer, vamos precisar de novos tratamentos. A pesquisa clínica desonera o SUS e é a maneira concreta de oferecer tratamento de ponta à população", afirma.

Para a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), órgão vinculado ao CNS (Conselho Nacional de Saúde), o projeto é um "desserviço à sociedade". Uma das principais críticas é sobre a possibilidade do uso de placebo em testes cegos mesmo quando há terapia alternativa para fins de comparação.

PLACEBO

Franke afirma que nenhum médico negará tratamento existente a um paciente e que as regras do placebo serão sempre acompanhadas pelos comitês de ética.

A Conep diz ainda que o projeto reduz o acesso dos pacientes aos medicamentos quando os testes acabam. A proposta, rebate Franke, estabelece que a indústria ficará responsável por fornecer o remédio até que passe a ser disponibilizado pelo SUS.

Jorge Venancio, coordenador da Conep, acredita que há espaço para conseguir alterações importantes durante a discussão na Câmara.

Jarbas Barbosa, diretor-presidente da Anvisa, defende a criação das normas para garantir os direitos dos participantes e, ao mesmo tempo, atrair um número maior de estudos ao país.

"Ter uma legislação pode dar mais sustentabilidade para o desenvolvimento das pesquisas", afirma Barbosa.

O SOBREVIVENTE

No início de 2015, a empresária Fernanda Leão desconfiou de que as manchas no corpo do filho Rafael, de seis anos, não eram machucados comuns. Era leucemia, e ela viu sua vida virar do avesso. Já Rafael levou na "boa". Ficou feliz ao não ter de ir à escola e, diz a mãe, "não reclamava nem chorava".

Para a empresária, foi como se aquele ano não tivesse existido. "Não podíamos sair de casa ou receber visitas por causa da imunidade do Rafa. Olho para trás e não sei como consegui." O garoto não faz mais quimioterapia, mas segue o tratamento. "Agora, mais velho, ficou um pouco saturado. Fica tenso para tirar sangue e, às vezes, bravo por não pode fazer nada, mas aceita."

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