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Associação é condenada por receber doação do município para a Marcha para Jesus

Redação - 20 de agosto de 2015 - 14:40

Associação Avivamento Bíblico foi condenada na Ação Civil Pública nº 0801300-79.2013.8.12.0007, promovida pelo Ministério Público Estadual, também contra o prefeito afastado Carlos Augusto da Silva e o Município de Cassilândia, por conta da concessão da subvenção social no valor de R$ 60.000,00 para a realização da 6ª Marcha para Jesus. A sentença foi prolatada pela Juíza de Direito da 1ª Vara da Comarca, Tatiana Decarli. Confira a íntegra da decisão abaixo, lembrando ainda que cabe recurso da sentença:

Autos n.º 0801300-79.2013.8.12.0007
Classe: Ação Civil Pública
Requerente: Ministério Público Estadual
Requeridos: Município de Cassilândia-MS, Carlos Augusto da Silva e Associação Avivamento Bíblico

SENTENÇA

O Ministério Público Estadual ajuizou a presente Ação Civil Pública c/c pedido liminar em desfavor de Município de Cassilândia-MS, Carlos Augusto da Silva e Associação Avivamento Bíblico, todos devidamente qualificados na inicial, formulando pedido de antecipação de tutela para obrigar o Município de Cassilândia-MS e seu gestor Carlos Augusto da Silva a suspender pagamentos de subvenção à Associação Avivamento Bíblico.

Menciona que foi autorizado pela Lei Municipal n. 1.917, de 18 de maio de 2013, a concessão de subvenção social à Associação Avivamento Bíblico, no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), visando a realização do ato religioso denominado "6ª Marcha para Jesus", a realizar-se nos dias 28 e 29 de junho de 2013.

Sustenta que, conforme artigo 19 da Constituição Federal, é expressamente vedado à União, ao Distrito Federal e aos Municípios conceder subvenção social para realização de evento de caráter eminentemente religioso.

Aduz que a associação ré, ao solicitar, e o Município de Cassilândia e seu Prefeito, ao autorizarem a contratação com dinheiro público de bandas e outros gastos para a realização de evento de cunho religioso praticaram ato expressamente vedado pela Constituição da República e executaram, assim, ato ilegal no sentido amplo, acarretando, por consequência, liberação de verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes.

Sustenta que por não fundamentar o valor elevado concedido, o ato administrativo meramente autorizado pela Lei Municipal n. 1.917/2013, implica em ofensa ao princípio constitucional da razoabilidade, que impõe que as decisões administrativas devam ser reflexo do bom senso e sejam dotadas de razão. Também a moralidade administrativa foi rechaçada, uma vez que é imprescindível demonstrar a finalidade que se quer dar ao dinheiro público, sendo que o ato administrativo questionado não possui motivação alguma no tocante ao elevado valor fixado, de modo que o ato além de ilegal é imoral.

Alega que não é razoável o pequeno Município de Cassilândia, cujas obrigações legais não vem cumprindo, tal qual verificado na ação que questiona o não pagamento de precatórios (autos 0801290-35.2013) e a falta de estrutura na Casa Abrigo (autos 0800348-03.2013), a exemplo do lixão irregular, da falta de estação para tratamento de esgoto, as quais o chefe do Executivo alega falta de recursos públicos, repassar uma subvenção no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) sem qualquer fundamentação plausível, e sem qualquer motivação dada para o ato de tão grande liberalidade em relação ao dinheiro público.

Por fim, pede a concessão de liminar para suspensão dos pagamentos e a procedência do pedido para proibir e anular a concessão de subvenção à Associação Avivamento Bíblico de que trata a Lei autorizadora n. 1.917/2013, sob pena de multa a ser fixada, configuração de crime de desobediência e ato de improbidade administrativa; bem como para determinar à Associação ré o ressarcimento de valores eventualmente já concedidos sob tal finalidade; e ainda a condenação dos réus ao pagamento de custas processuais e demais verbas de sucumbência. Junta documento (fl. 14).

Concedida liminar, conforme decisão de fls. 15-18, para fim de determinar ao Município de Cassilândia-MS e ao seu gestor Carlos Augusto da Silva, que suspendessem os pagamentos de subvenção social à Associação Avivamento Bíblico, para fins de realização da 6ª Marcha para Jesus, pena de multa diária, no valor de R$ 1.000,00 em caso de descumprimento.

Intimados da decisão liminar e citados pessoalmente (fl. 22), apenas o requerido Associação Avivamento Bíblico apresentou contestação às fls. 29-35, alegando, em síntese, que não praticou nenhum ato de ilegalidade ou de imoralidade.

Diz se tratar de instituição de assistência à educação, social e sem fins lucrativos, estando apta a receber qualquer tipo de subvenção dos Poderes Públicos Municipal.

Aduz que a Marcha para Jesus é um evento social, cultural e turístico, não se tratando de evento de cunho eminentemente religioso. Aduz ainda que a Constituição Federal traz ressalva para que o município possa subvencionar eventos como o que está em discussão, devido ao interesse público pelo qual está revestido. E, ainda, que impedir a Associação ré de receber subvenções do município seria uma afronta ao princípio da igualdade. Por fim, pede a revogação da medida liminar, os benefícios da justiça gratuita e a improcedência da presente ação. Junta documentos às fls. 37-56.

Na fl. 77 foi indeferida a produção de prova testemunhal por se tratar de matéria de direito.

Nas fls. 83-87, a ré Associação Avivamento Bíblico informou que utilizou a primeira parcela da subvenção, no valor de R$ 30.000,00, repassada antes da decisão liminar, para a realização do evento.

Em manifestação (fls. 90-98), o Ministério Público ratificou o pedido inicial.

Relatado. Decido.

Trata-se de Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público, em que se busca proibir e anular a subvenção autorizada pela Lei Municipal nº 1.917, de 18 de maio de 2013, concedida pelo Município de Cassilândia-MS, por meio do prefeito Carlos Augusto da Silva, à requerida Associação Avivamento Público, bem como a restituição de eventuais valores já concedidos.

Pois bem, no caso dos autos, a controvérsia restringe-se a analisar se a subvenção concedida à Associação Avivamento Público é legal ou não, mencionando o Ministério Público que o evento denominado "Marcha para Jesus" trata-se de um evento religioso e, o requerido afirma que se trata de um evento social, cultural e turístico.

Ora, de plano deve-se afastar a alegação de que o evento "Marcha para Jesus" refere-se a um evento social, cultural e turístico, pois é evidente sua finalidade religiosa, pois voltada, principalmente para o público evangélico, e não para toda e qualquer religião, o que seria em tese capaz de gerar um interesse público.

Os documentos juntados aos autos pela requerida às fls. 86/87 deixam claro o caráter religioso do evento, que é organizado por Igrejas Evangélicas.

Ainda que tal evento faça parte do calendário cultural do Município de Cassilândia, e conta com a apresentação de grupos musicais, de danças e teatros gospel, tais elementos não alteram o escopo eminentemente religioso do evento.

A Lei Federal 8.313/91, que prevê o financiamento público de manifestações culturais, com a alteração promovida pela Lei 12.590/2012, reconhece como manifestação cultural a música gospel e os eventos a ela relacionados, mas expressa que o dinheiro público não financia nem auxilia eventos promovidos por igrejas. Confira-se:

"Art. 31-A. Para os efeitos desta Lei, ficam reconhecidos como manifestação cultural a música gospel e os eventos a ela relacionados, exceto aqueles promovidos por igrejas.”

Definida a natureza e finalidade do evento, passa-se à análise da possibilidade de o Município conceder subvenção para a realização do mesmo.

A Constituição Federal dispõe expressamente sobre a vedação de o Poder Público conceder subvenção a eventos religiosos, in verbis:

"Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;"

Em vista do disposto na Constituição Federal, é assegurada a livre prática de quaisquer crenças religiosas, sendo vedado ao Poder Público qualquer forma de discriminação ou embaraço ao seu funcionamento, mas ao mesmo tempo também é vedado ao Poder Público fomentar qualquer culto religioso ou igreja. Desse modo, não pode a União, o Estado ou o Município concorrer com dinheiro ou qualquer outro auxílio de bens materiais públicos para o desempenho de cultos ou igrejas, salvo a exceção constitucional, para a colaboração de interesse público.

A colaboração financeira de interesse público ou qualquer outro auxílio de bens materiais públicos, que torna lícita a aliança entre o Estado e as organizações religiosas, é aquela que diz respeito ao atendimento de fins de interesse geral, a exemplo o setor educacional, assistencial e hospitalar, tais como as concedidas às creches, às casas de assistência (ao idoso, à criança em situação de risco, etc), e santas casas, na forma e nos limites da lei.

Diante da regra constitucional, é defeso ao Poder Público conceder auxílios ou subvenções objetivando realizar evento religioso, como no caso a "Marcha para Jesus".

A requerida Associação Avivamento Bíblico menciona em sua contestação diversas atividades que mantém. Ressalta-se que de forma alguma se quer menosprezar a contribuição importante da Associação requerida e outras entidades religiosas que promovem para o bem-estar de seus seguidores ou nas atividades de cunho social que desenvolvem. O que está sendo salientado é que a norma constitucional, derivada da laicidade do Estado, impede que este preste auxílio a cultos religiosos ou igrejas, salvo a colaboração de interesse público. Note-se que a própria Constituição Federal assegura o livre funcionamento da atividades religiosas, sendo que seus eventos podem ser advindos de recursos próprios e de parcerias, mas nunca dos recursos públicos.

Esse entendimento está de acordo com a jurisprudência pátria, a exemplo do seguinte precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Santa Barbara D'oeste. Realização de evento religioso denominado Marcha para Jesus. CF, art. 19, I. 1. Evento. Natureza. O evento Marcha para Jesus é promovido em conjunto com as Igrejas Evangélicas e tem caráter eminentemente religioso, conforme se extrai da LM nº 3.136/09 e outras informações juntadas aos autos e obtidas na página eletrônica oficial do evento. 2. Poder Público. Participação. O art. 19, inciso I da Constituição Federal veda a subvenção de cultos religiosos e igrejas, não importando se esta se dará de forma contínua ou se resumirá em apenas um evento. Hipótese que não se enquadra na concepção de colaboração por interesse público, que pressupõe o exercício de uma atividade considerada útil pelo Estado para alcançar um fim pretendido pela coletividade, sem relação com a crença religiosa preconizada pela instituição. 3. Multa. Os artigos 287, 644 e 645 do CPC não excluem a Fazenda Pública do pagamento da multa pela inexecução da obrigação de fazer. Cabe ao administrador, em isso ocorrendo, adotar as providências administrativas, judiciais e criminais contra o servidor faltoso que a elas deu causa. Procedência. Recurso do Município a que se nega provimento. (0011832-03.2011.8.26.0533 Apelação/Atos Administrativos, Relator Torres de Carvalho; Comarca: Santa Bárbara D Oeste; Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 02/09/2013; Data de registro: 28/11/2013)

Portanto, a Lei Municipal que autoriza o Município de Cassilândia conceder subvenção ao evento religioso, denominado "Marcha para Jesus", implica em violação da norma constitucional, e assim é desprovida de validade jurídica.

Há que ser observado o princípio da supremacia da constituição, em virtude do qual a Constituição situa-se no topo da hierarquia do sistema normativo, de tal sorte que todos os demais atos normativos, assim como os atos do Poder Executivo e do Poder Judiciário, devem ter como critério de medida a Constituição e os direitos fundamentais.

Note-se que a Lei Municipal n. 1.917, de 18 de maio de 2013, não tem conteúdo de norma, mas de ato administrativo, de efeitos concretos. Seus efeitos são concretos porque refere-se a uma situação de fato concretizada, qual seja, subvenção social no valor de R$ 60.000,00 à Associação Avivamento Bíblico, visando o pagamento das despesas com a realização da "6ª Marcha para Jesus", nos dias 28 e 29 de junho de 2013, na cidade de Cassilândia-MS, vencendo a primeira parcela em 22/05/2013 e a segunda parcela em 12/06/2013 (fl. 14).

O ato administrativo somente é válido quando for expedido em absoluta conformidade com o sistema normativo, bem como necessita do preenchimento de elementos ou requisitos.

Nesse aspecto, como bem destacado pelo Ministério Público, no caso em litígio houve violação ao princípio da motivação, pois o Administrador Público ao conceder subvenção no valor de R$ 60.000,00 para realização do evento "Marcha para Jesus", não justificou a necessidade desta verba para realização do evento.

A motivação do ato administrativo é sempre exigida, salvo naqueles casos em que a própria Constituição autoriza ato livre de motivação. Sobre a ausência de motivação do ato, destaca-se a lição da respeitável doutrina de Celso Antônio Bandeira de Melo:

"Assim, os atos administrativos praticados sem a tempestiva e suficiente motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo Poder Judiciário toda vez que sua fundamentação tardia, apresentada apenas depois de impugnados em juízo, não possa oferecer segurança e certeza de que os motivos aduzidos efetivamente existiam e foram aqueles que embasaram a providência contestada". (MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 20ª edição. 2005. Malheiros editores. págs. 101-102).

Portanto, reconhecida a inconstitucionalidade incidental da Lei Municipal n. 1.917, de 18 de maio de 2013, que serviu de fundamento para a concessão de subvenção social ao evento religioso denominado "6ª Marcha para Jesus", e ainda, diante da inobservância ao princípio da motivação, o que se tem por consequência é a absoluta nulidade do respectivo ato administrativo, cuja declaração se impõe. A invalidação por vício de constitucionalidade contaminou o ato desde a sua origem.

Dessa forma, considerando que a requerida Associação Avivamento Bíblico beneficiou-se de parte da subvenção, referente a primeira parcela no valor de R$ 30.000,00, conforme confessou nos autos, deve ressarcir aos cofres públicos.

De acordo com a jurisprudência atual, por critério de simetria, não cabe condenação da parte vencida em ação civil pública ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público, cabendo somente a condenação em custas processuais.

Entendo que no caso a responsabilidade do requerido Carlos Augusto da Silva não é pessoal, uma vez que a ação tem por finalidade a invalidação de Lei Municipal e o ato administrativo decorrente da mesma, ao qual está vinculado como gestor. A situação seria diferente caso ele descumprisse a ordem judicial que determinou a suspensão dos pagamentos de subvenção com base na lei questionada, que poderia ser hipótese de improbidade e até desobediência. Diante disso, tenho por incabível sua condenação em custas processuais e verbas de sucumbência.

A requerida Associação Avivamento Bíblico pede os benefícios da justiça gratuita, alegando que trata-se de uma entidade sem fins lucrativos, portanto não dispondo de recursos para custear as despesas processuais e advocatícias.

Todavia, não demonstrou a necessidade do benefício da gratuidade judiciária, uma vez que nada trouxe nos autos para provar a efetiva impossibilidade de arcar com as custas do processo.

É cediço que a jurisprudência tem entendido que a pessoa jurídica, em regra, não tem direito ao benefício da assistência judiciária gratuita, que é destinado à pessoa física. De modo que, à pessoa jurídica é exigível a demonstração, pela própria postulante, da necessidade do benefício da gratuidade.

Não obstante a requerida possa se tratar de entidade sem fins lucrativos, é imprescindível a comprovação da insuficiência financeira alegada, situação que não ocorreu no caso.

Nesse sentido, a jurisprudência assenta:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À MONITÓRIA. PEDIDO DE GRATUIDADE JUDICIÁRIA. ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. INSUFICIÊNCIA FINANCEIRA NÃO COMPROVADA. SENTENÇA MANTIDA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. A pessoa jurídica, mesmo tratando-se de entidade sem fins lucrativos, necessita comprovar a insuficiência financeira alegada para fazer jus ao benefício da justiça gratuita. (Apelação Cível - Proc. Especiais - N. 2012.007199-6/0000-00 - Campo Grande, Relator Exmo. Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins, 1ª Câmara Cível, Julgamento: 28/03/2012)

Diante do exposto, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, julgo procedente os pedidos do requerente, confirmando assim a liminar, para os fins de declarar incidentalmente inconstitucional a Lei Municipal nº 1.917, de 18 de maio de 2013 e, de consequência, proibir e anular a concessão pelo Município de Cassilândia de subvenção social à Associação Avivamento Bíblico, qualificada nos autos, visando o pagamento de despesas com a realização do evento religioso denominado "6ª Marcha para Jesus". Condeno ainda a requerida Associação Avivamento Bíblico ao ressarcimento da verba que recebeu, que corresponde à primeira parcela de que trata a Lei Municipal nº 1.917/2013, no valor de R$ 30.000,00, corrigido pelo INPC desde a data do recebimento até o reembolso.

Condeno a requerida Associação Avivamento Bíblico ao pagamento de metade do valor das custas processuais, pois o Município é isento de tal verba, conforme o Regimento de Custas.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Cassilândia-MS, 19 de agosto de 2015.

Tatiana Decarli
Juíza de Direito

Matéria editada as 14h55

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