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As raízes da discórdia (II)
Em relação ao artigo anterior, alguns amigos me contaram as suas discussões nesse ano eleitoral, mencionando desde a saída de grupos de whatsapp até o caso da avó que preferiu não fazer um jantar familiar, no receio dos filhos brigarem por política. Por esse motivo, volto ao assunto para refletirmos um pouco mais acerca do tema.
Hércules, herói grego, caminhava por uma trilha estreita quando viu no chão algo parecido a uma maçã que o fez pisar para esmagá-la e esta duplicou de tamanho. Ele se enfureceu e passou a golpeá-la, até que aquela se agigantou e o manteve preso em seu caminho.
Então, apareceu Palas-Atena, deusa da sabedoria, que lhe disse: Esse objeto que você esmurra é a discórdia e o seu alimento é o ódio. Se não tocá-la, continuará anã, mas, se desafiá-la, ela engrandecerá!”. E assim o escritor Esopo nos ensinou, em sua obra, que sobrava força ao herói, mas lhe faltava sabedoria.
As eleições têm sido a “maçã” que estamos colocando no centro de nossas famílias, de nosso trabalho e, até, da roda de boteco, no aguardo do primeiro golpe para poder crescer com virulência. Senão, reflita sobre a sua experiência de ter revelado o nome de seu candidato aos amigos e familiares: houve aceitação ou irresignação com a sua escolha? E você, como agiu ao saber o voto do outro: respeitou ou condenou?
Há uma necessidade pessoal que nos exorta a discutir política, talvez compreendida pela máxima de Aristóteles de que o homem é um animal político por natureza. No entanto, a questão não está em discutir, mas sim na necessidade de dominar o outro com a nossa ideia. Talvez, esse seja o golpe mais forte que irá centuplicar a “maçã” da discórdia.
E é por isso que temos visto muitas relações se perdendo nesse momento, resultando, até mesmo, em violência entre as pessoas. A propósito, não bastasse um candidato à Presidência da República ser esfaqueado, um mestre de capoeira foi morto na Bahia ao revelar o seu voto. Logo, questiona-se: essa intolerância indica que estamos evoluindo ou regredindo em nosso processo civilizatório? E você, como avalia a sua postura democrática?
A filosofia nos ensina que um debate enriquecedor é aquele em que as ideias são expostas. Na prática, o que vemos são discussões por meio das quais as pessoas querem vencer, desqualificando o outro: “Vai votar nele por que gosta de bandido?”; “Você é fascista?”; “Você não tem maturidade pra entender!”, ou, o que é de mais repugnante: “Você vota assim por ser nordestino!”. Onde estão as ideias? Não há ideia, e na ausência delas, a imbecilidade rege a discussão.
Discutir política com serenidade não é tarefa para amadores. Deve-se estar imbuído de um espírito democrático virtuoso para ouvir uma opinião contrária e respeitá-la com sabedoria, sob pena de sermos condenados ao que Sigmund Freud denominou de neurose de caráter, que funciona da seguinte forma: quanto mais certo você pensar que está, mais chato você fica.
(*) Giancarlo Fernandes
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