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As raízes da discórdia...

Giancarlo Fernandes (*) - 09 de outubro de 2018 - 09:10

As raízes da discórdia...

Há um antigo conto em que narra a experiência de quatro cegos que foram levados para apalpar um elefante pela primeira vez em suas vidas. O primeiro tocou as orelhas e o comparou a uma grande folha de bananeira. O segundo massageou a barriga e o identificou como sendo uma gigante bola de futebol. O terceiro abraçou suas pernas lhe recordando ser uma robusta coluna de um palácio real. E o quarto deslizou suas mãos sobre a tromba que o fez sugerir uma volumosa corda náutica.

Ao se reunirem, cada um descrevia como era um elefante conforme suas experiências. Enquanto um falava os outros escutavam indignados com o que ouviam, levando-os a pensar de maneira debochada : “ele tá louco!? Não sabe o que diz!”. E assim a discórdia floresceu e cada um se sentiu o dono da verdade e julgava o outro pela sua suposta ignorância.

O cego mais intolerante obstinava-se em convencer o outro de que estava errado, e dizia ser absurdo um pensamento diferente. O mais inseguro acreditou ser um estúpido, por não conseguir identificar um elefante. Aquele avesso a discussões concordou com o primeiro para encerrar a discórdia, mas ficou ressentido com a intransigência dos demais. E o que não aceitava desaforo revidou com empáfia. E quando foram embora, todos falavam mal um dos outros com quem conversava.

Transportando essa metáfora para o nosso cotidiano, quantas vezes não nos deparamos com situações semelhantes em que as pessoas são levadas a discussões infindáveis capazes de provocarem desde a interrupção de um almoço até a destruição de amizades, o desmanche de famílias, a separação de um casal ou de tornar o ambiente de trabalho numa arena de conflitos e ofensas.

Do mesmo modo que os cegos, quando se trata de opinião e experiência de vida, ninguém costuma estar errado, muito pelo contrário, geralmente todos estão certos de acordo com o seu ponto de vista. No entanto, ao não vivenciar o que o outro sentiu na pele é impossível compreendermos os desejos e as opiniões tão divergentes das nossas.

Uma mulher que suportou a perversidade de um estupro poderá ser a favor do aborto. Porém, uma mãe que gerou um filho desejado pode não entender o apoio à interrupção de uma vida indefesa. Quem presenciou o pai amargar uma aposentadoria deplorável, almeja economizar e garantir uma poupança na velhice, mas aquele que viu a mãe poupar e perder a vida antes de chegar à terceira idade, quer gastar para usufruir das conquistas financeiras. E o eleitor que sente a dor do estômago vazio votará em quem assegurar sua cesta básica, mas o pequeno empresário que faliu vítima da corrupção, quer eleger quem priorize a ética.

Agora imagine todas essas pessoas juntas e se relacionando no mesmo ambiente de trabalho, em suas famílias ou casadas entre si e, o que é pior, uma tentando convencer a outra da sua razão. É evidente que a discórdia será o carma que acompanharão todos até o fim de suas vidas. No entanto, essa mesma diferença que é responsável por tantas contendas é a mesma que torna o mundo maravilhoso e interessante.

José Ricardo Nunes da Cunha, doutor em Psicologia, menciona que Vinícius de Moraes ao recitar “se todas fossem iguais a você que maravilha seria viver” concebeu um elogio digno de honradez a mulher amada. Todavia, ele continua nos ensinando que temos a sorte dessa frase não corresponder a realidade. De fato, se todos fossem iguais aonde estaria o encanto do mundo? Ou seria divertido passear pelas ruas e ver as pessoas dirigindo os mesmos carros? Ou vestindo roupas de cores idênticas? Ou, então, pedindo pratos iguais nos restaurantes? E o que seria mais tedioso ainda, aonde estaria o calor e o aprendizado do debate se todos carregassem as mesmas opiniões?

E tal qual a história dos cegos, se todos nós fossemos capazes de questionarmos a nossa própria verdade antes de duvidar da convicção alheia, as opiniões dos demais seriam respeitadas. A reflexão está para a compreensão, assim como a musculação está para a força. É no momento de discórdia em que devemos nos introspectar para nos livrar do “pré-conceito” que tanto dificulta a nossa capacidade de vivermos em sociedade. Filhos gerados no mesmo ventre são diferentes, quem dirá aquele educado em outro seio familiar ou até mesmo quem não foi criado dentro de uma família. E na próxima discussão que você participar, reflita: será que a minha verdade é a única possível? Pois, fora do campo da matemática, não existe exatidão.

(*) Giancarlo Fernandes é advogado.

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