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As principais dúvidas sobre a gripe aviária

Jean Carlos Porto Vilas Boas Souza /Embrapa-MAPA - 01 de novembro de 2005 - 09:51

O Governo Federal está agindo contra a gripe aviária, doença que ainda não existe no Brasil, mas vêm provocando temor em várias partes do mundo, especialmente na Ásia. Desde a metade de outubro, técnicos de vários ministérios e representantes da avicultura brasileira estão prontos para colocar em prática um plano de contingência que tem a intenção de evitar a entrada da doença no País. “Essa mobilização é fundamental”, garante a pesquisadora Liana Brentano, da Embrapa Suínos e Aves (Concórdia - SC), unidade descentralizada da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Liana é uma das pessoas que melhor conhece a gripe aviária no País. Ela fez doutorado em virologia animal na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, e é especializada em doenças de aves. “A gripe do frango, que mais corretamente deveria ser chamada de Influenza Aviária, é uma doença devastadora nas aves. O que está acontecendo na Ásia, com a transmissão para humanos, merece realmente uma atenção muito especial de todos os segmentos envolvidos com a questão”, explica a pesquisadora.

Para a avicultura brasileira, a entrada da doença no País pode representar prejuízos incalculáveis. No disputado mercado mundial da carne do frango, um mero foco de Influenza é suficiente para suspender contratos e render muitas perdas para as agroindústrias e produtores. Mas como a avicultura brasileira é quase toda industrial, muito diferente da existente nos países que até agora registraram casos da gripe do frango, existem todas as condições para uma resposta rápida.

É por isso que existem poucas chances da Influenza Aviária se transformar num problema de saúde pública no Brasil. O contato entre humanos e aves no Brasil é bem menor do que em países como o Vietnam, em que as criações de fundo de quintal de galinhas, gansos, patos e marrecos são muito comuns. De qualquer maneira, há a certeza de que não existe risco zero. “Temos que estar preparados para tudo. Essa é a postura mais adequada para o momento”, recomenda Liana. A seguir, uma entrevista completa sobre o assunto com a pesquisadora.

– Antes de mais nada, o que é a gripe do frango?

Liana – A gripe do frango, que mais corretamente deveria ser chamada de Influenza Aviária, é uma doença causada pelo vírus Influenza, semelhante ao vírus que afeta os humanos e provoca a gripe. Só que os vírus aviários possuem características muito diferentes dos vírus que atingem os humanos. Os vírus aviários apresentam 16 subtipos, dos quais alguns são altamente patogênicos. O H5 e o H7 são os dois que caracterizam a gripe do frango. Nas aves, geralmente, a doença é devastadora, provocando lesões sérias nos sistemas respiratório, digestivo, nervoso e reprodutivo. Nos humanos, nos casos relatados até agora, a doença se manifesta como uma infecção pulmonar aguda. Mas em pelo dois casos, o vírus foi encontrado também no cérebro das vítimas.

– Como é que o vírus passa das aves para as pessoas?

Liana - De várias formas. Pode ser por meio de secreções dos sistemas respiratório e digestivo das aves infectadas ou por um contato direto com a ave. A contaminação pode ocorrer também indiretamente, através da condução do vírus por meio de veículos de transporte, bebedouros, água, comedouros, ração, gaiolas, roupa, calçados e botas.

– É possível se contaminar comendo a carne do frango ou de uma outra ave infectada?

Liana – Sim. Isso aconteceu na Ásia. Mas é importante que as pessoas entendam que no Brasil não há qualquer risco quando se compra a carne de frango num supermercado. Primeiro porque o País não possui por enquanto focos da doença. E segundo porque as carnes vendidas nos supermercados são analisadas pelos técnicos do Sistema de Inspeção Federal (SIF). Não há como uma carne infectada pelo vírus Influenza chegar até o consumidor por meio da avicultura industrial.


– Existe algum tipo de vacina preventiva contra a doença?

Liana – Não existe vacina contra a Influenza para as aves. A maneira de controlar a doença é somente através do descarte dos animais infectados e próximos ao foco, num raio de 10 quilômetros. Esse descarte engloba desde as aves de criações até domésticas. No caso dos humanos, estão iniciando pesquisas para o desenvolvimento de remédios eficazes.

– Por que a gripe do frango surgiu na Ásia e ameaça tanto aquela região do planeta?

Liana – Olhando para o cenário asiático, a ameaça à população é maior devido à forma como esses países se relacionam com as aves. É comum a criação de patos e galinhas em fundo de quintal. No Vietnam, que é um país mais rural que urbano, o sangue de pato é considerado uma iguaria e bebido pela população. O vírus circula por lá há dois anos e não é eliminado pela maneira como a população maneja as aves. No Brasil, quase toda a avicultura é industrial, situação que limita bastante o contato de grande parte das pessoas com os frangos de corte e galinhas de postura. É claro que, se o vírus adquirir a capacidade de ser transmitido de humano para humano, a possibilidade de alastramento da doença aumenta sobremaneira.

– Em relação ao alastramento ou não da doença, existem várias projeções, algumas até alarmistas. O que deve ocorrer?

Liana – Existem realmente correntes diferentes. Alguns são alarmistas, outros acham que a situação não é tão séria. A realidade é que existe muita coisa ainda a ser descoberta sobre esse vírus de Influenza que está ocorrendo na Ásia e que representa riscos à saúde humana. A hipótese mais alarmista é de que o vírus de Influenza está se adaptando rapidamente e logo será transmitido de humano para humano. Se este cenário se confirmar, o vírus causará uma pandemia mundial e poderá provocar altos índices de mortalidade entre as pessoas infectadas. Já existe outra corrente que prega que o vírus tende a se tornar menos agressivo, já que para ele sobreviver é preciso se adaptar ao hospedeiro. Não é vantajoso para o vírus que o hospedeiro morra. O Ebola é um exemplo. Ele causa alta mortalidade e isso limita a sua disseminação. Nesta hipótese, o vírus H5N1 se adaptará aos humanos e ficará semelhante aos vírus atuais da gripe, não causando altíssima mortalidade. Mas as autoridades da saúde precisam trabalhar com todo os cenários para proteger a população. Então, independentemente do que acontecerá com o vírus, os órgãos de saúde têm que estar preparados para todas as possibilidades. Não se pode pensar só no cenário otimista e não levar em consideração o pessimista. O ideal é trabalhar na prevenção e não precisar adotar as medidas para o cenário pessimista.

– A doença chegará fatalmente ao Brasil?

Liana – Não se pode afirmar nada sobre isso com absoluta certeza neste momento, mas o risco existe. O importante é que a avicultura brasileira mostre-se preparada para enfrentar a Influenza. O Brasil está se mobilizando. O Ministério da Agricultura tem os seus programas permanentes de prevenção. Tem ainda um programa de monitoria ativa do vírus, onde são feitas coletas periódicas em diferentes regiões que concentram a produção avícola. São monitoradas a Influenza e a Doença de Newcastle, que também deve ser notificada. Também o ministério está criando um plano de contingência, juntamente com outras áreas do governo. Nesse plano estão previstas várias ações, como treinamento de veterinários, procedimentos a serem tomados nos locais em que forem registrados focos e recomendações para todos os tipos de produção avícola. Uma das medidas mais recomendadas é a instalação de tela de proteção em todos as instalações que possuam aves, para evitar o contato com aves migratórias. Mesmo assim, não há como impedir o total contato com essas aves. E nem se pode criar o pânico de que ave migratória é um perigo, de que todo mundo tem que sair por aí catando passarinho com medo de que ele possa transmitir a Influenza. Há um programa de monitoramento que tenta identificar que tipos de vírus existem nas rotas das aves migratórias que passam pelo Brasil.

– As aves migratórias são, então, o meio mais provável de alastramento da doença?

Liana – Existe uma forte evidência, pelo que aconteceu recentemente na Grécia, Turquia e Romênia, que a disseminação do vírus está ligada às aves migratórias. A previsão é de que a próxima região a ser afetada é o Norte da África. Dessa forma, há um receio de que o vírus se espalhe pelo mundo. Mas não é certeza que o vírus chegue ao Brasil. E se chegar, não se sabe quando isso pode acontecer. Porém, quanto melhor estiver preparado o país, melhor. Principalmente as aves aquáticas são um reservatório natural do vírus. O pato, o marreco e o ganso, por exemplo, não portadores naturais do vírus e podem não desenvolver a doença. Felizmente, em Santa Catarina, a região Oeste, que concentra a produção de aves, não é rota de migração de nenhuma espécie de ave.

– O que devem fazer as pessoas que possuem em casa, especialmente no interior, aves como patos, gansos e marrecos?

Liana – Bom, aí é uma situação bastante complicada. Do ponto de vista da avicultura comercial, não se deve misturar vários tipos de aves. Se você tiver marrecos, patos e outras aves perto de um aviário comercial, a chance de espalhamento da doença é grande caso o vírus chegue neste local. A gente tem que pensar de duas maneiras. Uma é o direito das pessoas, especialmente no interior, de terem essas aves soltas dentro da propriedade. Por outro lado, pensando num cenário mundial, que é a preocupação que todos estão tendo com a Influenza, entendo que os proprietários dessas aves devem refletir sobre o risco que elas representam para o País, tanto do ponto de vista da saúde público quanto da economia. São decisões complicadas, mas que têm que ser analisadas. Esse tipo de criação oferece riscos. Quem possui essas aves deve observar principalmente os índices de mortalidade. Não significa que a morte dessas aves, necessariamente, será provocada pela Influenza, mas caso ocorram mortes em demasia, devem ser chamados médicos veterinários ligados aos órgãos públicos disponíveis no município. Essa preocupação é imprescindível.

– Caso a Influenza entre no Brasil, as perdas econômicas seriam grandes?

Liana – Prejudicaria bastante as exportações num primeiro momento. Prejuízos grandes aconteceriam, com certeza. Mas se o controle for bem feito, com a localização rápida do foco e aplicação dos procedimentos sanitários indicados, o problema poderia ser contornado rapidamente. O mais importante é o País trabalhar duro agora, não poupando esforços em pesquisa, prevenção e controle sanitário.

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