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Artigo: Violência doméstica contra a mulher

Fábio Coutinho de Andrade é advogado, especialista em Direito Penal e Processual Penal. - 15 de março de 2011 - 08:19

A História nos mostra que a desigualdade feminina sempre existiu, nos mais diversos países. Na sociedade brasileira, especificamente, tal desigualdade fez nascer uma cultura de violência e desrespeito contra a mulher, com origem na suposta posição de superioridade social do homem. Sustentavam essa superioridade a posição do homem no mercado de trabalho, bem como a predominância na política e em outros setores.

Com o crescimento dos movimentos feministas (1910), foram tornadas públicas discussões sobre a igualdade e independência da mulher. A luta feminista não se calou e, no século passado, podemos dizer que houve uma quebra de paradigma, refletida e condensada nas ações afirmativas em favor da mulher.

Tais ações culminaram, especificamente, com a elaboração e sanção da Lei 11.340 de 2006, denominada de “Lei Maria da Penha, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional. Tal lei criou mecanismos que objetivam coibir qualquer tipo de violência doméstica contra a mulher, seja ela física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, conforme previsto no artigo 7º da referida lei.

As estatísticas nos trazem um quadro preocupante em relação à violência de gênero. Segundo a ONU, a violência contra a família é uma das formas mais insidiosas de violência dirigida à mulher, representando a principal causa de lesões em mulheres entre 15 e 44 anos no mundo, comprometendo 14,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina. No Brasil, essa violência custa ao país 10,5% do seu PIB.

A Constituição Federal de 1988 instituiu como um dos princípios fundamentais do Estado a “dignidade da pessoa humana”. Também traz o texto constitucional, dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Prevê, ainda no universo dos direitos e garantias fundamentais, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

A novel Lei 11.340 de 2006 inaugurou uma nova fase no que concerne às ações afirmativas em prol da mulher. Trata-se de um diploma normativo que congrega um conjunto de regras penais e extrapenais, contendo princípios, objetivos, diretrizes, etc., com o propósito precípuo de reduzir a morosidade judicial, introduzir medidas despenalizadoras, diminuir a impunidade e, como desiderato maior, proteger a mulher e a entidade familiar.

Entre as inovações trazidas pela lei, temos a admissibilidade das prisões em flagrante e preventiva; obrigatoriedade do inquérito policial; a desistência, por parte da vítima, em juízo, acompanhada de advogado e ouvido o Ministério Público. São medidas destinadas tanto ao agressor como à vítima, previstas nos artigos 22 e 23 da Lei.

A violência perpetrada contra a mulher, para efeitos de aplicação da Lei Maria da Penha, é aquela que ocorre no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (artigo 5º). Portanto, ao contrário do que muitos podem pensar, tal violência não ocorre somente entre pessoas casadas ou que vivam em união estável.

O que é mais, temos, no artigo 6º, que “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”. Quer-se com isso dizer que, no âmbito internacional, o Brasil se comprometeu a combater tal tipo de violência, podendo vir a ser sancionado, caso não atinja as metas estabelecidas.

Todavia, para eficazmente cumprir o seu papel, exige-se a cooperação do aparelho estatal, principalmente do Poder Judiciário, com a implementação dos Juizados Especiais de Violência Doméstica, que deverão ter funcionamento diferenciado, a exemplo do que ocorre com as Delegacias Especializadas. Também a atuação de uma equipe multidisciplinar para o atendimento e tratamento das vítimas deve ser planejada de maneira eficaz, para que se compreenda a dinâmica dessa forma de violência em toda sua amplitude. Para isso, deve haver treinamento adequado.

Por fim, não menos importante é o papel a ser desempenhado pela vítima da violência doméstica, denunciando seu agressor, para que possa haver um dimensionamento da situação, possibilitando assim que a máquina estatal se movimente de forma a atenuar esse quadro.

Louvável o objetivo de tal lei, mas entendemos que, face à inadequação orçamentária e à inexistência de equipe profissional especializada, o escopo não será atingido em curto prazo. Talvez, envidando esforços, possa-se mudar algo a médio prazo. O que é preciso termos em mente é que o silêncio da vítima e o descaso da sociedade somente servem para fomentar esse tipo de comportamento. Em qualquer tipo de combate, é necessário que cada um cumpra com o seu papel.

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