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Artigo: Sujeito esférico

Dante Filho* - 21 de maio de 2012 - 18:56

Quando Al Gore foi candidato à presidência dos Estados Unidos contra George W. Bush, em determinado momento da campanha a mídia americana cravou fundo a crítica de que se tratava da disputa entre o Pinóquio e o Pateta. A coisa pegou. Acreditem: algumas sacadas da imprensa antecipam a história.

Gore notabilizou-se, então, como um candidato sem um lado específico, ou seja, um cara esférico, com um discurso adaptado para cada público, uma espécie de candidato de todos e de tudo. Se ele falava para plantadores de fumo da Carolina do Norte, suas ideias giravam em torno de críticas contra o antitabagismo. Se falava para grupos contrários à indústria do fumo, defendia maior taxação de impostos contra “esses causadores de câncer”.

O homem era assim: seu negócio era agradar o público do momento, fosse qual fosse. Se ele se encontrava com pessoas que defendiam o casamento homossexual sinalizava que era simpático à causa. Se fosse falar para homofóbicos, ele guinava para uma posição mais moralista. E assim por diante.

À distância, Gore – que depois se transformou em ambientalista com esse mesmo tipo de retórica – parecia um candidato mais do que palatável, simpático, informado, culto, correto, boa praça, bem penteado, cheirando a sabonete o tempo todo, enfim, um homem fadado a ser presidente dos Estados Unidos.

Como todos sabemos, ele terminou cedendo o cargo a W. Bush depois de uma confusão na apuração eleitoral na Flórida, o que evidenciou definitivamente sua personalidade vacilante, colocando-o para longe de qualquer disputa posterior.

O caso de Al Gore é clássico. Sua fama de político Rolando Lero correu mundo. E como se sabe, há versões desse tipo de gente por todos os lados. São pessoas que percebem de longe o cheiro da manada – e aderem alegremente. No básico, chamam o cara de liso (ou esperto); no limite, tascam-lhe a pecha de frouxo.

Entre os dois extremos, o que fica patenteado no campo das impressões imediatas é o do “sujeito esférico”. Sua posição é nunca ter posição alguma. Seu lado (seus apoios, sua palavra, suas promessas, sua agenda, suas crenças, suas convicções, seu rumo) é aquele que indica a aceitação do consenso social mais ou menos certeiro, mas que pode ser mudado se, por acaso, esse mesmo consenso mudar após uma pesquisa qualitativa apresentada pelo marqueteiro de plantão.

Então, a priori, o candidato é uma espécie de terreno baldio, no qual poderá servir para tudo (para edificar uma bela casa ou ser um depósito de lixo), desde que agrade grupos de apoio no momento certo, para que seu voto seja capturado sem grandes vacilos.

Assim, no primeiro momento o “sujeito esférico” impressiona. Conforme isso vai ficando claro, ele reduz de tamanho. A história o escanteia, porque o dom de iludir é como uma estrela que brilha intensamente e depois se apaga.

Mas cabe a pergunta: os políticos não são “esféricos” pela natureza de seu próprio ofício? Resposta: a grande maioria aparenta ser porque acredita que essa é a lei da sobrevivência num mundo cada vez mais repleto de opinião, com pessoas circulando seus palpites nas redes sociais, dando a impressão que formam pensamentos sólidos, sustentando um pensamento que possui sentimento de comunidade.

Só que toda fórmula bem sucedida traz em si o gérmen de seu próprio esgotamento. É provável que com a dissipação cada vez maior de conceitos universais a postura do político “abrangente” demais termine por dar lugar àqueles que defendem posições consistentes no particular, ou seja, que “tem lado” e é transparente no sentido que deve ser atribuído à transparência, não tem medo de opinar ou contrariar grupos de pressão.

O caso recente de Obama falanbdo favoravelmente sobre o casamento gay e mesmo o da presidente Dilma falando sobre royalties para prefeitos (apesar de que ela não faria isso se estivesse em campanha eleitoral) pode ser demonstração de mudanças no sentido de se firmar posições menos esféricas e mais “quadradas” (identificáveis).

Esperamos que a valorização da política representativa passe pela reflexão de que candidatos devem ter lado, ou seja, ter ideias claras e, preferivelmente, consistentes sobre temas de interesse coletivo. Falar trivialidades para agradar a todos, querendo pairar acima das polêmicas que formam o caldo de cultura do debate democrático, simplesmente demonstra personalidade anódina, que geralmente esconde um lobo debaixo da pele de cordeiro.



*jornalista ( [email protected])








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