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Artigo - Responsabilização de médicos: uma cautela que se impõe

Giancarlo João Fernandes - Sócio do escritório Mascarenhas Barbosa & Advogados Associados - giancar - 31 de janeiro de 2011 - 08:50

Desde os primórdios, a sociedade ambiciona a sua proteção jurídica das falhas resultantes do desempenho da atividade médica. Os primeiros registros confiáveis, que se têm conhecimento acerca da regulamentação da atividade médica e as punições de seus erros no desempenhar da profissão, remontam os idos dos séculos XVIII e XVII a.C a qual se atribui a instituição do Código de Hamurabi.

A sociedade evoluiu. Concomitantemente, evoluíram as atividades terapêuticas e as legislações que regulamentam a relação médico-paciente. Sem mencionar, a evolução dos sistemas econômicos que, da primitiva prática do escambo, consolidou atualmente o estado capitalista de consumismo extasiado, no qual o dinheiro é quem dita as regras da sociedade.

É possível dizer que o desígnio daquela longínqua civilização era a repressão dos nascentes erros médicos oriundos da desmesurada prática do curandeirismo. Hodiernamente, esta mentalidade se transmudou, assomando, em muitos casos, um notório oportunismo financeiro por meio de imputação de falhas aos profissionais da área médica com o propósito de percepção de vultosas indenizações.

Há tempos se criaram a expressão “advogado de porta de cadeia”, que nada mais seria do que aqueles profissionais que, sem grandes prestígios dentro da carreira, submetiam-se a desprezos profissionais no intuito de ganho de parcos honorários.

Dessa forma, com o desenvolvimento da sociedade, evoluíram-se também as expressões. Hoje, muito se ouve dizer em “advogados de porta de hospital”, como sendo os profissionais que, atuando de maneira suspeita e anti-ética, insuflam pacientes insatisfeitos com os resultados provenientes de algum tratamento médico-hospitalar à propositura de ações consubstanciada em fatos inverídicos e dissonantes da realidade do sistema de saúde brasileiro.

Como dito, originariamente se coimava a sanção do erro médico ao intuito de preservação da vida. Atualmente, muitos perquirem a condenação deste profissional, almejando, indiretamente, exacerbadas indenizações pecuniárias por danos morais e materiais.

É cediço que, com exceção de algumas especialidades dentro da medicina, a obrigação assumida pelo médico é de meio, exigindo do profissional tão-somente o dispêndio de determinada técnica, sem ter em vista o resultado. Isso quer dizer que a atividade médica deve ser desenvolvida com elevada destreza e com aptidão necessária para um proveitoso resultado, mesmo que este (resultado) possa não ser alcançado. Distintamente é a obrigação de resultado, na qual o profissional se compromete a alcançar determinado fim, para o qual foi contratado. Nesta obrigação, o profissional tem o dever de atingir o fim colimado ou então, deverá ser responsabilizado pelas consequências de sua falha.

Em outras palavras, o médico tem o dever de desempenhar toda atividade necessária para promover a cura do enfermo, não obstante, em diversas situações, tal objetivo possa não ser alcançado, mas, ainda assim terá cumprido com sua obrigação, estando escusado de qualquer responsabilidade civil.
Partindo-se desta premissa, é dever do paciente provar a culpa em alguma de suas modalidades (imprudência, negligência ou imperícia) ou até mesmo o dolo, para florescer e pleitear o seu direito à indenização.

Não bastasse isso, é indispensável, simultaneamente, ter em voga a distinção entre erro profissional e erro médico, para um justo e sobrepujado dever de indenizar. Àquele tem o condão de possibilitar o afastamento do dever de indenizar, enquanto este impõe a devida responsabilização e ulterior reparação pecuniária do dano.

Caracteriza-se erro profissional quando o médico mantém uma conduta ética e profissional perfeita, entretanto, adota uma técnica equivocada ao caso. Por outro lado, o erro médico indenizável, dá-se quando é adotada a técnica correta pelo profissional, contudo, a sua atuação é inepta e desastrosa, daí se tem o nascedouro da responsabilidade civil para emergir uma possível indenização.

Essa distinção é primacial, pois, não se tratando de erro grosseiro, não é dado ao magistrado estabelecer se aquela técnica utilizada é satisfatória ou não, ou então se existiria outra mais eficiente. É necessário se conviver com a imperfeição da ciência, razão pela qual se compreende a falibilidade do médico em determinadas ocasiões. Daí se afirmar que nos casos de erro profissional, tal deslize se mantém indene.

Aglutinado a esses fatos, ainda tem de ser levado em consideração: a enfermiça rede pública de saúde do país; a obsolescência dos equipamentos para realização de exames essenciais em doentes; o excessos de pacientes em detrimento de vagas nos hospitais que sobrecarregam e comprometem a rigorosa precisão na atuação desses profissionais, sendo por muitas vezes obrigados a diagnosticarem um número sobre-humano de enfermos.

Os médicos, vigilantes da vida e protetores da saúde da sociedade, não podem ser condenados a arcarem com vultosas quantias indenizatórias resultantes do caos da saúde pública, quiçá pelo oportunismo irresponsável de muitos pacientes incutidos por inescrupulosos advogados que não sabem ponderar os fatores acima mencionados no afã de angariarem volumosos honorários advocatícios.

A responsabilidade civil é a arma da sociedade para se proteger dos ataques resultantes de abusos de direito, mormente da imperícia de muitos profissionais, porém, esta arma não pode ser utilizada de maneira injusta e ilegítima, sob pena de colocar em instabilidade o próprio Estado de Direito Brasileiro. Ademais, o manejamento de ações infundadas, por mais que no futuro uma abdicada defesa possa promover a sua improcedência, gera prejuízos incalculáveis no ofício desses profissionais que, iguais a todos, têm uma família, uma carreira e um nome a zelar.

Responsabilidade civil sempre, entretanto, que seja justa, legal e cautelosa.

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