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Artigo: Renúncia & Província ( 2ª renúncia)

Nelson Valente* - 21 de agosto de 2009 - 07:42

Esta foi a segunda renúncia de Jânio Quadros. A primeira esteve para consumar-se numa tarde de 1960. Em seu quarto de hotel, recebe a visita do senador Afonso Arinos, logo após ter dado violenta resposta à proclamação pacifista do Marechal Lott. O senador fora justamente para aconselhar-lhe mais prudência nesses pronunciamentos, a fim de não tornar irremediável a sua situação político-militar. O candidato levanta-se de supetão, apanha uma folha de papel, assina seu nome embaixo e entrega-a a Afonso Arinos, para que redija ali, como bem quisesse, os termos de sua retirada. Depois, vira-se para Francisco Quintanilha Ribeiro e diz:

- Chico, vamos arrumar as malas e ir embora. Somos da província e não sabemos fazer política federal.



A intervenção de pessoas e argumentos conciliadores evita que se efetivasse aquela tentativa de renúncia. Da segunda vez em São Paulo, não houve jeito de evitá-la. O efeito foi a explosão, na sede da UDN, com atraso de poucos dias, de uma bomba tão arrasadora quanto aquela outra que havia estourado, no mesmo edifício da Rua México (Rio de Janeiro), poucos andares acima.





JÂNIO PENSOU BEM ANTES DE RENUNCIAR:

RASCUNHOU E BATEU À MÁQUINA SUA DECISÃO



Quando puseram o pé no avião com destino a São Paulo, Magalhães Pinto e Leandro Maciel já tinham sido avisados de que algo importante poderia surgir a qualquer momento para modificar os planos da campanha eleitoral que esperavam começar no dia posterior. Estavam confiantes de que ela se iniciaria mesmo poucas horas depois, embora tivessem recebido, poucos minutos antes, um aviso e uma advertência.

Foi o deputado Afrânio de Oliveira, do Partido Socialista de São Paulo, quem se encarregou de avisá-los e adverti-los. Conhecendo a fundo Jânio Quadros, e privando da intimidade dos líderes janistas, considerou-se com autoridade suficiente para comparecer ao aeroporto e dizer ao deputado Seixas Dória:

- Não adianta ir a São Paulo. Jânio ficará com Ferrari e abrirá mão do apoio da UDN. Se vocês apertarem muito, ele renuncia e vai embora para os Estados Unidos. Muita gente sabe disto.



Vários repórteres que estavam designados para acompanhar a comitiva até o Acre foram aconselhados a não seguir logo para São Paulo, pois a decisão final sobre o início da campanha ainda estava dependendo de uma importante conversa a ser mantida com o candidato naquela noite.

Era quarta-feira, dia 25 de novembro. Uma noite reservada para alterar por completo todo o rumo da sucessão presidencial.

Quando puseram o pé em Congonhas, Magalhães Pinto e Leandro Maciel estão ainda esperançosos, embora já avisados e advertidos. Um dirige-se imediatamente à residência de Quintanilha Ribeiro, pois deseja ter uma conversa reservada com o candidato. O outro vai aos Campos Elíseos fazer uma visita de cortesia à Carvalho Pinto.

Uma pesada chuva cai sobre a cidade de São Paulo, quando Jânio Quadros chega à casa onde Magalhães Pinto o esperava. Os ponteiros marcam exatamente 17 horas. Dez minutos e três esquinas antes, o carro do candidato era abalroado por outro automóvel que lhe amassou o lado direito e partiu o óculos famoso do seu principal ocupante. Aquilo já era mau agouro!

Uma hora depois, chegam Leandro Maciel e Abreu Sodré. Do lado de fora, dezenas de fotógrafos e repórteres aguardam o final da conferência. Esperam muito. Ela só termina às 20 horas e 30 minutos. Foi exatamente nesse instante que Jânio Quadros se retira da sala onde se encontram os demais líderes e recolhe-se ao gabinete do dono da casa. Ouvem-se as batidas do teclado de uma máquina de escrever. O candidato datilografa a carta dirigida à Leandro Maciel, que ele mesmo rascunhou na presença de todos. Nela ficam estabelecidos os critérios sobre a presença dos dois candidatos a vice no comício do Acre.

A conversa até aquele momento transcorria cordial e animada. Jânio Quadros mostra-se sempre bem humorado. Pede a Magalhães Pinto para fazer umas sondagens militares sobre o significado da possível volta do general Hasckett-Hall ao comando do II Exército, além de umas consultas parlamentares sobre o que havia de concreto a respeito das articulações do governo em torno do projeto da coligação de legendas.

Diz a Leandro Maciel que só com ele em sua comitiva poderia ir ao Acre. Como resposta, o ex-governador de Sergipe declara que fica desvanecido com aquela reiteração dos compromissos assumidos, sobretudo porque pensa até em renunciar ao cargo de vice, a fim de não criar dificuldades ao candidato presidencial, cuja vitória considera mais importante do que qualquer outra coisa. Leandro Maciel prossegue:

-Não queria começar minha campanha, Dr. Jânio, sem demonstrar que posso ajudar-lhe um pouco. Fui a Salvador há poucos dias e de lá trouxe a promessa do governador Juraci Magalhães de que vai integrar-se na sua campanha. Ele é, antes de mais nada, um udenista, e não faltaria ao partido nessa hora.



Jânio Quadros sensibiliza-se:

-Além do mais, Dr. Leandro, o senhor ainda está prestando grandes serviços.



Acontece aí um fato que é narrado de duas maneiras: os líderes udenistas afirmam unanimemente que foi Jânio Quadros quem, num oferecimento espontâneo, se prontifica a escrever a carta sobre o problema da dualidade de candidaturas a vice. O documento chega a ser rascunhado pelo próprio candidato, que pede inclusive a colaboração e as sugestões de José Aparecido. Mas os próceres janistas sustentam que foi Leandro Maciel quem solicita a Jânio Quadros, por escrito, as declarações que estava fazendo oralmente na reiteração do seu apoio ao candidato da UDN para vice-presidente. Irritado com o que considera uma demonstração de desconfiança na sua palavra, o candidato retira-se para uma sala contígua, a fim de consumar outra retirada.

E esta ele a consuma numa carta enviada a Magalhães Pinto, renunciando à candidatura. Quando José Aparecido percebe que ele não estava passando a limpo o documento rascunhado poucos minutos antes, e sim redigindo um outro, pergunta-lhe se havia resolvido mudar a direção da carta:



- A direção e o conteúdo. Resolvi renunciar.



Entregou-a à Quintanilha Ribeiro, dando-lhe um prazo para divulgá-la. Pega o telefone, liga para D. Eloá e comunica-lhe que está liberto.

Instantes depois, o candidato passa pelos líderes udenistas, cumprimenta dois deles, agradece-lhes o prazer de tê-los conhecido, desce as escadas e entra, sozinho, no seu automóvel amassado. Eram 20 horas e 50 minutos.

Um dos jornalistas, que está na calçada fronteira, garante que Jânio Quadros dois quarteirões adiante libera seu automóvel e manda-o à Rua Rio Grande buscar D. Eloá e Tutu, ao mesmo tempo em que toma um carro oficial e ruma em direção aos Campos Elíseos. À elas vai reunir-se, em seguida, na residência de Humberto Cassiano.

Quintanilha Ribeiro protela enquanto pode a entrega da carta, até mesmo porque Magalhães Pinto havia lhe dito que só a receberia na qualidade de presidente da UDN, querendo com esta ressalva significar as consequências político-partidárias do recebimento. Mas as protelações tiveram fim quando Jânio Quadros, em local ignorado, telefona para seu fiel secretário, instando-o a divulgar logo o documento através das rádios, sob pena de ele fazê-lo pessoalmente.

O presidente udenista fica menos surpreso com a carta propriamente dita do que com a conduta do seu autor, ao retirar-se sem uma despedida. Ainda atônito, lembra-se de que, afinal de contas, está apenas sendo confirmada a advertência feita pelo deputado Afrânio Oliveira, no Aeroporto Santos Dumont, poucas horas antes quando embarcava para São Paulo.

Com os seus companheiros, ruma dali para o Palácio dos Campos Elíseos, à procura do único homem capaz de servir como mediador e articulador dos novos rumos: o governador Carvalho Pinto. Do Palácio, onde o acesso aos jornalistas é também proibido, os dirigentes udenistas voltam ao hotel, resolvendo retornar logo no dia seguinte ao Rio, pois nada mais têm a fazer.

Vinte e quatro horas mais tarde, eles estão novamente saltando no Santos Dumont. A UDN lá se encontra para recebê-los, coesa, à exceção de Carlos Lacerda. Perplexos, os líderes do partido não sabem o que dizer nem fazer. Há pouco mais de duas semanas eles haviam chorado "lágrimas de sangue", passando por cima de um antigo companheiro para ficar com Jânio. Mas sua reação é imediata e vigorosa, pois a UDN é agravada na pessoa de dois dos seus líderes mais autênticos e queridos.

Eles ficam esperando mais alguns dias para ver o desdobramento natural da crise. E terminam convencidos de que o gesto do candidato é mesmo para valer. A irritação do partido é tamanha que não se pode prever o tom da resposta a ser dada a Jânio Quadros caso haja mesmo a reunião do diretório nacional no dia seguinte. A prudência de alguns dos seus dirigentes consegue adiar o encontro para uma oportunidade posterior, quando as cabeças estariam um pouco mais frias e pudessem deliberar com mais serenidade.

Resta ao udenismo a alternativa de sair com um candidato de luta e oposição, na pessoa de Juraci Magalhães, ou derivar para um candidato de união nacional, que no caso poderia ser Carvalho Pinto, a quem o renunciante chega mesmo a prometer seu decidido apoio, se ele quisesse mesmo candidatar-se.

Que motivos levaram Jânio àquela atitude? Ninguém consegue explicá-la. As mais desencontradas razões são oferecidas em meio à incredulidade geral.

Receio de ser eleito e não empossado? Impaciência com a UDN e o PDC, que não chegam a um acordo sobre a vice-presidência? Reação em face de alguma palavra, gesto, frase ou exigência dos líderes udenistas? Planos para uma composição posterior com o PTB e João Goulart? Certeza de que se confirmaria mesmo a previsão, segundo a qual chegaria ao poder mas seria nele assassinado? Recuo, agora, para um retorno próximo na crista de uma onda de agitações populares, aclamado como um De Gaulle ou um Fidel Castro? Horror a compromissos com partidos e políticos? Motivos de saúde? Convicção de que estava em preparo um golpe que só o seu afastamento poderia abortar? Desejo incontido de libertação com o que já considerava um cativeiro? Interesse em não se apresentar como um candidato marcadamente udenista? Temor de receber, no governo, um legado caótico, preferindo poupar-se para daqui a seis anos?

Cada um dos leitores, a seu modo encontrará em uma, duas ou três dessas interrogações os argumentos para uma tentativa de compreensão da renúncia. De qualquer forma, é indiscutível que o candidato se afasta muito do poder que começava a aproximar-se dele em marcha galopante. Pode ser que recupere esse terreno e volte numa cadência acelerada. É possível que do ponto de vista popular e eleitoral ele tenha mesmo capitalizado novas simpatias. O povo e os eleitores, de modo geral, gostam de gestos como aquele, em que o homem Jânio parece não estar disposto a uma submissão aos políticos e aos partidos.

Muitos observadores, entretanto, perguntam se ele ainda necessita de algum fortalecimento no terreno eleitoral e popular. Indagam se essa consolidação não lhe é absolutamente indispensável e necessária no campo político, partidário e militar, onde se enfraquece bastante com a renúncia. Pois a movimentação em alguns setores militares não deixa a menor dúvida sobre a convicção unânime de que Jânio não merece mais nenhuma confiança para chefiar o governo da República. Nesses setores, perde por completo a cobertura que até então lhe era dada pelos militares ligados à UDN.

Também nos bastidores parlamentares, começam imediatamente muitas articulações destinadas a revitalizar os partidos e colocá-los em condições de sobreviver a impactos dessa natureza. Líderes do PSD e do governo tentam atrair deputados da UDN a um esquema único de autodefesa. Com essas manobras, pretendem aproveitar ao máximo os descontentamentos e as decepções dos udenistas em face do seu candidato.

Os mais abordados são justamente os amigos e partidários de Juraci Magalhães, que não escondem, de certa forma, seu contentamento por verificar que se confirmam todas as previsões feitas pelo governador da Bahia, quando a convenção udenista rejeita sua candidatura à Presidência da República, preferindo Jânio Quadros. Tanto os juracisistas como os janistas do partido entendem que nenhum acontecimento posterior será suficiente para restaurar a confiança perdida em Jânio. Acreditam que nenhuma atitude será capaz de refazer o clima de recíproco entusiasmo que reinava entre o partido e o seu candidato. Em muitos deles resta, porém, a expectativa de que algum motivo muito sério, até agora não explicado nem revelado, conduziu Jânio Quadros àquela decisão.

À medida em que os dias passam, dissipam-se as últimas esperanças quanto a uma mudança, pois o candidato afirma, em pronunciamentos, que sua decisão é inabalável e pede inclusive que a respeitem.

A consequência imediata da crise é o fortalecimento da candidatura do Marechal Teixeira Lott que, justamente naquela noite, se consolida em Belo Horizonte, com a homologação da escolha de Tancredo Neves como candidato a governador de Minas.

Doravante, tudo pode acontecer: a ressurreição da candidatura Juraci, o engrossamento de Adhemar, um mandato-tampão, a prorrogação do mandato presidencial ou o adiamento das eleições, embora muitos achem que o mais certo é o recuo de Jânio e a sua renúncia à renúncia.



(*) é professor universitário, jornalista e escritor





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