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Artigo: Reforma política ou retrocesso?

Rogério Tenório de Moura - 20 de dezembro de 2008 - 12:12

Por incrível que pareça, o Congresso Nacional tem feito algo que há muito não se via neste país: legislado. Seja devido a enxurrada de medidas provisórias, seja por conflitos de interesses ou mesmo por falta capacidade para tanto. O fato é que a bola da vez mexe diretamente com a vida deles (políticos) e justamente por isso é que se vê, finalmente, os atuais membros do parlamento defenderem aguerridamente seus pontos de vista; embora as opiniões sobre os temas em baila sejam quase unânimes. Isto faz-me lembrar uma assertiva bastante conhecida do polêmico escritor Nelson Rodrigues: toda unanimidade é burra!
Por exemplo, o Senado aprovou no último dia 18 uma Proposta de Emenda à Constituição (como essa coitada vive emendada, parece mais uma colcha de retalhas!) que aumenta em 7.343 o número de vereadores no Brasil. Com essa mudança, o país terá 59.791 vereadores. Ressalte-se que a última mudança no número de vagas nas câmaras municipais de todo o país, diminuindo o número de vagas, ocorreu por decisão do Supremo Tribunal de Justiça, e não por vontade política. Claro!
O mais inusitado nesta PEC é a premência em colocá-la em vigor. Corrija-me se estiver errado, amigo leitor, mas nunca vi nenhuma mudança nas regras de um jogo durante sua execução. Logo não faz o menor sentido premiar os suplentes que perderam as últimas eleições com uma virada de mesa que lhes garante uma “boquinha” nos legislativos municipais.
Concordo que “se” houver a necessidade exaustivamente comprovada de aumento do número de vereadores no país, que ocorra; mas para 2012, assim ninguém será pego de “calça curta”, todos que se envolverem no processo eleitoral estarão cônscios de suas chances mediante um número de vagas coligido. No entanto, duvido muito que essa necessidade se justifique. Querer convencer o eleitor de que aumentar o número de vereadores corresponde a aumentar a representatividade, e conseqüentemente a legitimidade do legislativo, é o mesmo que tentar vender geladeira a esquimó.
É bem verdade que a proposta reduz o limite de gastos com as Câmaras Municipais. A PEC estabelece que poderão ser gastos o mínimo de 2% e o máximo de 4,5% do orçamento municipal. Atualmente, os gastos variam de 4,5% a 8%. E daí? Desde quando mensalinho é computado em prestação de contas?!
Outra pérola que tem sido empurrada goela abaixo é o fim da reeleição. Bem sei que tal idéia é comungada pela maioria esmagadora dos formadores de opinião, O que não me incomoda nem um pouco, afinal o embate é a alma da democracia.
Falar em golpismo e casuísmo é pouco para descrever tal iniciativa. Primeiro cogitou-se a possibilidade de se aprovar um terceiro mandato, lançaram a semente, apalparam, mas perceberam que a resistência da mídia seria muito grande e a “mesada extra” muito alta. Então passaram a cuspir no próprio prato em que comeram, tanto petistas quanto tucanos, e disseminou-se no berço da estrela vermelha a idéia de se estender os mandatos dos atuais mandatários para que coincidam e, assim, ocorram eleições gerais, sob a alegação de contenção de gastos.
Os defensores do fim da reeleição alegam que os executivos postulantes a mais um mandato utilizam-se da máquina pública para se reelegerem. Será que a memória do povo brasileiro é tão curta a ponto de se esquecer que Quércia, Maluf e tantos outros caciques fizeram seus ilustres desconhecidos sucessores às custas das benesses de seus cargos?
Além do mais, dê-se a César o que é de César. Se o fim da reeleição é tão positivo, é preciso que nossos ilustres legisladores dêem o exemplo e acabem com a reeleição para os próprios cargos. Afinal, quem é que não conhece algum “profissional” das tribunas que se vangloria de ocupar o mesmo cargo há vinte, trinta anos; mas quando questionado sobre seus feitos ao longo de todo este período desconversa?
O que tais legisladores, que legislam em causa própria, alegam em defesa de seus mandatos é que seus cargos não lhes proporcionam as mesmas oportunidades extras que mandatários da coisa pública. Ora, vamos e convenhamos, quem acredita que um vereador, candidato a reeleição, não tem mais chances que um novato? É fato inconteste as renovações quase que completas ocorridas nas câmaras de várias cidades interioranas, mas é preciso analisar os fatos pontuais que levaram os eleitores a expurgar tais edis, pois renovação maciça é exceção, e não a regra.
Na prática, a reeleição é um mandato de oito anos com ratificação no meio. Se o presidente está indo bem, fica. Do contrário, volta para casa. Democrático. Nos EUA, a maior democracia do mundo, funciona assim.
É um absurdo mudar a regra do jogo a todo momento, o que tem sido a regra no Brasil e não a exceção. Em 1993, na revisão da Constituição votada em 1988, o mandato de cinco anos foi reduzido para quatro, sem direito à reeleição. Naquele momento, Lula aparecia bem nas pesquisas, e a maioria do mundo político preferiu fazer um “seguro” contra sua eventual vitória em 1994. Ironicamente, FHC venceu no ano seguinte e se envolveu no lamentável episódio de compra de votos para aprovar a reeleição em causa própria. Perdeu prestígio e ficou sem força para aprovar as verdadeiras reformas que o país precisa.
Agora querem voltar aos cinco anos de mandato e retirar o direito à reeleição! Será que alguém realmente acredita que a vida da nação, no dia seguinte, não voltará a ser exatamente igual ao que era antes? Ou todos resolveram se transformar em ex-marido apaixonado pela própria ex-mulher? Tão retrógado quanto piegas.
Autor da idéia da extensão do mandato para seis anos e agora afirma que foi mal interpretado, que não queria que valesse para Lula; Sarney levou o fisiologismo ao extremo para conseguir um ano a mais de mandato na Constituinte de 88. Moveu mundos e fundos, principalmente estes, e saiu “queimado” do Palácio do Planalto.
Ressalte-se que se quatro anos é muito tempo quando as coisas vão mal, imagine um mandato de cinco, seis anos! Já a regra atual (reeleição) tem a vantagem de exigir dois mandatos mais curtos, o que facilita a demissão do mau empregado, via voto.
Ah, só pra relembrar, se houvesse reeleição na época de Juscelino Kubitschek teríamos tido o privilégio de ter tido à frente de nossa nação o maior estadista de nossa história por mais tempo e evitado o equívoco Jânio Quadros, juntamente com sua mais letal conseqüência: o golpe de 1964. Só isso já basta para se justificar a permanência da reeleição. Desde que não se esteja legislando em causa própria, é claro, pois diante de toda esta presepada o que fica mais nítida é a sanha de alguns parlamentares em trocar a tribuna por uma caneta: é um olho no gato e outro no peixe.

Rogério Tenório de Moura é licenciado em Letras pela UEMS, especialista em Didática Geral e em Psicopedagogia pelas FIC; vice-presidente do SISEC (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Cassilândia).

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