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Artigo: O que é necessário para ser político?

Rogério Tenório de Moura - 10 de outubro de 2008 - 08:31

A população, de uma forma meio que geral, está desiludida com a política, e não tiro sua razão, os escândalos sucedem-se; o número de votos brancos e nulos fala por si só, é cada vez mais comum o eleitor deslocar-se de sua casa, por obrigação, e ir até uma seção eleitoral anular seu voto. E, infelizmente, esse descontentamento tem surgido cada vez mais cedo. Muitos dos meus alunos, a maioria nem eleitora ainda é, já traz consigo a idéia de que político é desonesto e que, portanto, política é uma coisa suja, da qual só fazem parte aproveitadores e mentirosos.
Isso não só me deixa decepcionado, mas também de certa forma magoado. Decepcionado porque vejo os cidadãos que farão o futuro desse país enojados da política sem nunca terem tido sequer a oportunidade de exercer seu direito (dever) do voto; magoado porque a história de minha família, tanto materna quanto paterna se confunde com a história política de Cassilândia. Meu avô materno, o Pernambuco, foi um dos maiores líderes políticos de nossa cidade, da mesma forma seu filho mais velho, o Luizinho; além do caçula, Assis, porém em outro município. Também tive primos que optaram por esta jornada; meu saudoso irmão, Job Filho, que foi líder estudantil e meus tios paternos Pedro e João Moura, que foram vereadores.
Exponho desta maneira minha família porque são exemplos acessíveis de verificação in loco pela maior parte da população cassilandense. É fácil constatar que nenhum deles acumulou um vasto patrimônio por dedicarem-se à vida pública, aliás a maior parte deles empobreceu, logo sinto um misto de injustiça e revolta quando ouço as pessoas tacharem todos os políticos de desonestos. É óbvio que grande parcela dos que recebem tal pecha a merecem e é por isto que minha revolta é contra eles, e não contra o calejado eleitor. Esse tipo de político que só se faz acessível ao povo de quatro em quatro anos, que não chama o eleitor pelo seu nome, que não conhece sua realidade de vida, vive trancado em uma “linda e confortável torre” e de lá só desce para distribuir consideráveis somas de dinheiro que garantam sua permanência em seus aposentos por mais quatro anos corrói a legitimidade do sistema democrático representativo, pois este só pode ser exercido à altura por quem tem empatia pelo povo.
O amigo leitor deve estar se perguntando onde afinal de contas quero chegar com tamanha prolixidade. Esclareço, a questão é: existe sim gente em quem vale a pena votar, mas não é tão simples quanto ir à feira comprar tomates, exige conhecimento, pesquisa e, infelizmente, parcela significativa do eleitorado prefere jogar todos os candidatos na vala comum, é menos trabalhoso e assim pode-se escolher qualquer um sem peso de consciência, pois, se todos não prestam, escolhe-se o que mais ajudar agora, já que “depois ninguém faz nada mesmo”!
Outra questão a ser considerada é a qualificação do candidato. Logo após as eleições discutia com um grupo de colegas sobre o nível cultural dos novos vereadores e o que poderíamos esperar deles. Logo alguém se manifestou dizendo se sentir decepcionado, pois mais uma vez o povo de Cassilândia havia escolhido gente despreparada; outro levantou-se bradando indignado que colocamos novamente uma maioria de analfabetos na câmara, que dos nove eleitos apenas dois são portadores de diploma de nível superior. Não concordei. Não acredito que o processo eleitoral possa ser legitimo se for elitista. Concordo que para se representar o povo é necessária certa fluência, conhecimento do Direito, compreensão dos processos burocráticos que regem a administração pública, mas não concordo que seja essencial ter uma formação muito aquém do que a maioria da população consegue galgar.
Todos os grupos de um Estado democrático de direito não só podem, como devem almejar alcançar representatividade no parlamento da comunidade em que se inserem. Por isto sou a favor sim de que líderes estudantis, sindicais, religiosos, de associações de classe, clubes de serviço ... engajem-se no movimento político-partidário, mas também não abro mão de que aqueles que não tem vez e voz senão em uma campanha eleitoral exponham sua proposta, sua visão de bem coletivo.
Claro que por conta disso somos obrigados a vislumbrar “pérolas inesquecíveis” no horário eleitoral e nos comícios, mas esse é o preço a se pagar para que o eleitorado tenha a chance de votar em quem julga ser o representante mais próximo, mais fidedigno de seu bairro, igreja, categoria profissional...
Obviamente nem todos os que se candidatam tem capacidade para exercer o cargo ao qual postulam, mas primariamente cabe aos partidos decidir sobre isto; e é neste ponto que mora a falha estrutural de nossa democracia, pois este sistema pluripartidarista praticamente ilimitado transforma os partidos em meras legendas de aluguel, quando deveriam ser os guardiões dos anseios dos eleitores, fiscalizando e cobrando dos eleitos seus compromisso de campanha. E por fim cabe ao eleitor a decisão, que deve ser solene e inquestionável, afinal uma democracia é o governo do povo para o povo, logo querer elitizar a política é o mesmo que infantilizar o eleitor, é dizer ao trabalhador braçal que ele não tem capacidade para julgar o que é melhor para si próprio (atitude comum nas ditaduras da antiga URSS).
Ainda assim, após esta conversa, outro cidadão, munido da empáfia típica dos que galgaram a vida acadêmica defendeu veementemente que só deveria ser legislador quem fosse formado em Direito. O pior é que não é a primeira vez que ouço um tresloucado proferir um equívoco, para não dizer uma sandice como esta. É preciso que os eleitores entendam de uma vez por todas que o legislador não precisa ser um perito em legislação, afinal para tanto já existe o poder judiciário; embora não possa ignorá-la, mas isto nenhum cidadão pode, o próprio código penal prevê que ninguém pode alegar o desconhecimento da lei como álibi para não cumpri-la.
O que é realmente imprescindível ao homem público é uma generosa dose de boa vontade e disposição para estudar, além de apresentar propensão natural ao exercício diário e desgastante da vida pública. Ah, e que seja reconhecido por isto pela comunidade em que se insere, pois uma candidatura, tal qual a democracia, deve vir do povo para o povo. Portanto se você, leitor, tem pretensões políticas, mas nunca ninguém cobrou sua efetiva participação político-partidária, é melhor rever seus conceitos e metas!
Finalmente, a título de ilustração, deixo-lhe esta crônica do escritor e professor Rubem Alves; cujo título é “Os urubus e os sabiás”. Creio que ela esclarece de forma muito mais simples, e justamente por isto muito mais sábia, tudo o que procurei elucidar neste espaço semanal, deleite-se:
"Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam... Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza deles, eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão de mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era de se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamavam por Vossa Excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranqüilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas com os sabiás... Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa, e eles convocaram os pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito. “ ___ Onde estão os documentos dos seus concursos?” E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam, simplesmente... “ ___Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.” E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...
MORAL: Em terra de urubus diplomados não se houve canto de sabiá."
Um abraço e até semana que vem!

*Rogério Tenório de Moura é licenciado em Letras pela UEMS, especialista em Didática Geral e em Psicopedagogia pelas FIC; vice-presidente do SISEC (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Cassilândia).

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