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Artigo: O caminho das índias e o destino da humanidade

*Rogério Tenório de Moura - 23 de janeiro de 2009 - 06:37

Aproveitando a ocasião proporcionada pela “Todo Poderosa” de se descortinarem os hábitos e costumes das Índias, na verdade melhor dizendo da Índia, aos nossos desatentos olhos ocidentais, exponho, mesmo que superficialmente, o sábio sistema de governo instituído milenarmente por aquele povo e que nós, mesmo sem a devida clareza de espírito, seguimos à risca, devido a uma espécie de ciclo social natural.
Toda a arquitetura social indiana baseia-se na doutrina hindu das quatro castas - os brâmanes (sacerdotes), os kshátryias (aristocratas guerreiros), os vayshyia (comerciantes e industriais) e os sudras (trabalhadores). É um modelo rígido, excludente, mas não se pode negar que é extremamente fidedigno, beirando a predestinação. Na doutrina hindu, cada uma dessas castas pode apoderar-se do poder. A História registra os governos brâmanes como sendo os primeiros a se estabelecerem. Esses regimes políticos são denominados teocracias, ou seja, o governo de um deus. Exemplos são os impérios incas e azteca, com seus sacerdotes a arrancarem corações no alto dos templos. Para não falar do Egito dos faraós e da Roma dos cézares, governados por homens que se auto-intitulavam deuses.
Através da História, a substituição do governo brâmane pelo governo kshátryia foi gradual, negociada. Os sacerdotes preservaram a maior parte de seus privilégios, mas perderam o poder político. Um exemplo disso são os hebreus. Até o período conhecido como juízes, a organização da sociedade era tribal e os sacerdotes exerciam o poder político, mas quando o povo deixou de ser nômade e criou agrupamentos urbanos o poder passou a ser exercido pelos reis. Até hoje ainda existem alguns Estados "brâmanes", como os países fundamentalistas islâmicos.
Os kshátryas eram indivíduos ricos que construíam exércitos particulares e, vencendo guerras, passavam de chefes de clãs a chefes de tribos e posteriormente reis. Exemplos de kshátryas eram os oligarcas romanos Marco Crasso e Júlio César, que podiam arregimentar exércitos por onde passavam porque os legionários sabiam que tais indivíduos eram ricos o suficiente para pagar seus soldos, caso os saques não fossem compensadores. No Brasil, um exemplo do governo kshátryia foram os coronéis do sertão, latifundiários que transformavam seus colonos em jagunços.
O governo kshátryia é bem estruturado militarmente, mas tem um ponto fraco: sobrevive à custa de um modelo econômico exclusivamente rural, logo superado pelo moderno sistema capitalista. Essa economia basicamente agrícola era o que mantinha os laços de dependência entre camponeses e seus senhores, aquele que controlava o acesso a terra, controlava a vida de todos.
A partir do surgimento de conhecimentos vindos de terras longínquas, invenções e descobertas, novos modos de produção ganham influência social. Aqueles que exercem o domínio sobre esses novos modos de produção são conhecidos, na doutrina hindu, como a casta dos vayshyia: comerciantes, banqueiros, industriais (a burguesia). Como os vayshyia não dependem da terra, os kshátryia não têm como exercer poder sobre eles.
Os vayshyias sustentam seu poder sobre os sudras (trabalhadores) a partir do vínculo empregatício. Tendem a exercer o poder sobre a máquina pública empregando a mesma lógica comercial que empregam em seus negócios particulares. Daí que muitos cidadãos, descontentes com seus políticos corruptos, dediquem-se a sonhar com um mundo antigo em que os governantes eram figuras varonis, com rígido código de honra derivado de uma ética de guerreiros. Esquecem-se de que, em seu tempo, esses senhores "honrados" governavam de forma muito mais tirânica e descompromissada com o bem-estar geral do que os prosaicos políticos do presente, os quais, por mais relapsos que sejam, de tempos em tempos têm de cumprir algumas promessas a fim de garantir sua reeleição.
Resta-nos, portanto, apostarmos no futuro. E prosseguindo com o modelo hindu que prevê a derrubada de uma casta pela imediatamente inferior, temos que o estágio seguinte seria o da substituição do governo vayshyia pelo governo sudra: um governo dos trabalhadores. Essa transição já se encontra delineada desde o século XIX. De acordo com a teoria marxista, os trabalhadores, retirados de seu isolamento nos campos ou nas pequenas oficinas e reunidos aos milhares nos enormes galpões das fábricas viriam a adquirir poderosa consciência de classe e, por conseguinte, tomar o poder. O que efetivamente vem acontecendo, não conforme o próprio Marx almejava, mas de maneira gradual e negociada, como prevê a doutrina hindu.
Entretanto, infelizmente, os hindus falam, ainda, de um grupo que sequer é considerado uma casta, são os párias, termo que, no ocidente, chamamos de marginais. É possível haver um governo de marginais? Infelizmente, sim. As favelas estão aí para provar isso. O governo pária, se atingido, seria de fato o estágio terminal da governabilidade, mas não representaria o apogeu da civilização, mas sua exaustão. Estamos perigosamente próximos de uma transição assim. O aumento da corrupção, a degradação de valores, o poder dos bandidos e seus laços com ONGs, sindicatos e partidos políticos, o culto à malandragem, tudo isso pode ser visto como sinal da decadência que prenuncia a ascensão do governo pária. Oxalá ao menos desta vez a milenar doutrina hindu esteja errada!

*Rogério Tenório de Moura é licenciado em Letras pela UEMS, especialista em Didática Geral e em Psicopedagogia pelas FIC; vice-presidente do SISEC (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Cassilândia).


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