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Artigo: O alfabetizando e as variantes lingüísticas

Rogério Tenório de Moura - 23 de janeiro de 2008 - 08:11

O alfabetizando e as variantes lingüísticas

Segundo Miriam Lemle para ser alfabetizado o indivíduo deve apresentar três capacidades independentes , mas inseparáveis entre si: compreender as ligações simbólicas entre letras e sons da fala, enxergar as distinções entre as letras e distinguir os sons relevantes da fala.
Tais capacidades são fundamentais para que o indivíduo desenvolva a idéia de palavra, que é o centro da relação simbólica contida numa mensagem.
Por falta da percepção do que seja “palavra” originam-se os erros de falta de separação de palavras, por exemplo: “minhavó” ou “nonavio”, ou ainda com menor ocorrência a alocação errada de fronteiras vocabulares, como em “minha miga”.
Uma polêmica relevante levantada pelos alfabetizadores é a seguinte, um alfabetizando deve aprender a ler através de todos os tipos de palavras, mesmo através daquelas que não lhe representem significado algum? Métodos de alfabetização revolucionários como o de alfabetização de adultos de Paulo Freire defendem que não, segundo este método o alfabetizando deve começar a construir seus significantes, traçar paradigmas, através de instrumentos que façam parte de seu dia-a-dia.
Outro aspecto que precisa ser estabelecido desde o início da alfabetização do indivíduo é a compreensão da organização espacial da página. A maneira de olhar um texto não deve ser encarada pelo alfabetizando da mesma que observa uma foto. Deve-se deixar bem claro na cabeça do aluno que se lê e se escreve da esquerda para a direita e que a ordem significativa das linhas é de cima para baixo na página.
Há um dado momento na alfabetização que parece haver uma enorme lâmpada que se ascende na cabeça do alfabetizando, é quando ele descobre os vínculos das letras com os sons que estes representam, porém esta relação monogâmica entre som e escrita vai durar pouco tempo, pois o indivíduo perceberá que nem sempre uma letra representa o mesmo som (poligamia) e o educador nem deve manter o educando preso a esta etapa por muito tempo, pois se este fica retido nesta fase começara a se desinteressar por escrever, afinal quase tudo que ele escrever estará errado e pronto, sendo que o que mais parece é que a escrita está errada.
Neste momento devemos fazer o educando entender um pouco da evolução das línguas através de um pouco de história, tomemos a evolução da nossa língua como exemplo. Começaremos dizendo que: “A língua portuguesa veio do Latim, língua falada na Itália há muitos séculos atrás, porém era uma língua elaborada pelos nobres e muito difícil de ser falada, então o povo passou a falar um tipo de Latim muito diferente do Latim clássico, tido como correto, criou-se, assim, o Latim vulgar. Com a expansão dos domínios de Roma outros povos passaram a falar o Latim, porém também encontraram dificuldades e passaram a falá-lo à sua maneira. Então de acordo com cada região em que o Latim passou a ser falado cada povo ,em épocas diferentes, modificou um pouco a forma de falar que lhes foi ensinada, assim foram criados vários idiomas e dialetos como o português, que ainda hoje continua mudando.
Você já percebeu que nem todas as regiões do Brasil falam da mesma maneira e que nem todos os países que falam a língua portuguesa conseguem se comunicar muito bem?
Por causa dessas diferentes formas que as pessoa de cada região tem de falar o mesmo idioma é que existe apenas uma forma tida como correta para se escrever, afinal como é que nordestinos e sulistas poderiam se entender se na maneira de falar o idioma se torna muito diferente? Como é que um estudante estrangeiro iria estudar nossa língua se a forma escrita fosse sempre da mesma forma que falamos, quantas “variações padrão” do mesmo idioma iriam haver? Seria impossível aprender uma língua estrangeira.
É claro que essas situações de poligamia lingüistica trazem problemas para os alfabetizandos, mas é assim que as línguas são criadas, evoluem e não é por mera força de decreto que as pessoas vão parar de usar variedades lingüisticas. É claro que se fosse assim a identidade política do país seria firmada com grande facilidade, mas a realidade não é tão simples assim, e se as pessoas se comunicam em uma variedade lingüistica diferente da norma padrão e ainda assim dentro de um determinado grupo social se entendem, não podemos dizer que estão erradas, pois a sua maneira de falar cumpriu a sua devida função, a de estabelecer a comunicação, de tornar comum uma dada informação.
Tão importante quanto não discriminar as variações lingüísticas é não colocarmos a língua em posição de honra depois de adaptada a uma determinada variação. Falta-nos base para afirmar que uma língua é melhor ou pior depois destas mudanças, mesmo porque a língua está sempre em mudança e, na prática, isto equivaleria a dizer que a língua é imperfeita, por isso estamos sempre em busca da melhor variação.
As variações sempre existiram e sempre vão existir, é natural que elas passem a ser consideradas corretas a partir do momento que a maioria dos falantes de uma dada língua a compreendem, trata-se da legitimação de uma fato compactuado informalmente pela coletividade.
É impossível que a língua escrita acompanhe o ritmo frenético de mudanças que a língua falada sofre no dia-a-dia de seus falantes, faz-se necessário existir um meio termo que equilibre o uso desta pelos seus falantes, ao menos nas questões oficiais (documentos, reuniões de negócios, etc.) e para podermos nos firmar politicamente como nação soberana e indissolúvel diante de outros Estados, expressando internacionalmente a nossa identidade, afinal o quê pode ser mais peculiar a um povo do que a sua própria língua?

Rogério Tenório de Moura
é licenciado em Letras pela UEMS,
especialista em Didática Geral
e em Psicopedagogia pelas FIC

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