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Artigo: Língua portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva/O Jornal de Santa Fé do Sul - 25 de fevereiro de 2005 - 08:09

Língua portuguesa, inculta e bela!

“Mantenha lonjura, sô!”

No pára-choque traseiro de um caminhão, vi a frase-título deste comentário: Mantenha lonjura, sô! Apesar da forma sincopada do substantivo senhor>sinhô>siô=sô, a frase está correta, em português genuíno. O adjetivo “genuíno” – sem qualquer alusão ao recém-derrotado presidente do partido oficialista, na eleição da Mesa da Câmara dos Deputados -, aqui deve ser entendido como ‘próprio’, ‘sem mistura’, português castiço.
Os fonemas – sons – que compõem as palavras, estão também sujeitos a transformações, muitas das quais ocorrem dentro da própria língua portuguesa.
As mudanças na estrutura de uma palavra (denominadas de metaplasmos) são muito comuns e podem acontecer pelo acréscimo, pela subtração, pela permuta e pela transposição de um fonema.
No caso do vocábulo “sô” da frase do pára-choque do caminhão, houve supressão de fonemas dentro da palavra primitiva (senhor). A isso, nos estudos de gramática histórica, se dá o nome de síncope. Se em medicina, síncope é perda dos sentidos devido à deficiência de irrigação sangüínea no encéfalo, em linguagem, é a supressão de fonemas dentro da palavra. Quando a queda for de uma sílaba medial, os puristas chamam-na de haplologia. Ocorre, por exemplo, quando se substitui o nome originário da nota musical semimínima por semínima, de idolólatra por idólatra, de bondadoso por bondoso. Apócope é a perda de fonema no final da palavra: cinematógrafo > cinema > cine; muito > mui. Por fim, se a supressão se der no início da palavra, a esse metaplasmo dá-se o nome de aférese: attonitu > tonto; inamorare > namorar.
Voltemos, porém, ao pára-choque: o termo lonjura, hoje praticamente em desuso, não significa somente distância, mas uma grande distância, “um afastamento físico significativo”, como explica Houaiss. No “Aurélio, Século XXI”, a palavra é ilustrada com um gostinho de saudade e um muito de solidão: "Um barco vislumbrado na lonjura / Negava-se ao destino de ter cais" (Miguel Torga, Diário, IX, p. 126); "na largueza daqueles campos, na lonjura daqueles morros" (Albertino Moreira, Boca-Pio, pp. 65-66).
Lonjura é derivado de longe + ura. Esta, grafada com j; a primitiva, com g. Muita gente me indaga se existe alguma regra, magia ou dica para que se possa saber quando a palavra é com j ou g, com x ou ch, com s ou z, com v ou w etc. Porque em casa, exato e azar as consoantes são diferentes e os sons iguais; porque a palavra necessidade é escrita com c e ss e assessoria com duas vezes dois esses. Porque narração com ç e ascensão com sc e s etc. Não a há regras - nem macetes ou truques - e nem basta saber latim ou conhecer o grego, porque o sistema ortográfico que utilizamos não é nem fonético e nem etimológico. É misto. Só a constante leitura de bons livros e de jornais, assim como a pesquisa nos bons dicionários nos municiará de conhecimentos para enfrentar a complexidade das normas do Formulário Ortográfico de 1943, com as mudanças introduzidas pela Lei nº 5.765, de 18 de dezembro de 1.971. Aliás, não é feio freqüentar os ‘pais-dos-burros’. Rui Barbosa dizia que os lia diariamente, até mesmo como atividade lúdica.



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