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Artigo: Lembranças de Carlos Pulino

Carlos André Prado Pulino – médico ofalmologista - 04 de novembro de 2010 - 06:41

LEMBRANÇAS DE UMA PESCARIA II
Nesta nossa primeira pescaria, muitas trapalhadas ainda seriam cometidas por nós.
Como a gente nem conhecia direito as espécies dos peixes do Pantanal, acabamos trocando umas piraputangas por um galão de gasolina! Só no outro dia é que ficamos sabendo o nome e a delícia que é uma piraputanga frita.
Foi uma semana inteira pescando, saíamos todas as manhãs bem cedo e, à tarde, quando voltávamos já vínhamos limpando os peixes, pois eram muitos e levava um tempão até conseguir limpá-los todos.
Lembro-me até hoje da infinidade de peixes que havia, bastava olhar uma galhada dentro da água que víamos o cardume movimentando a água, peixes pulando e, à noite, o barulho das bocadas dos pintados grandes caçando os menores era música para nossos ouvidos de pescadores.
Quantas saudades! Hoje temos que pescar o dia todo para conseguirmos uns míseros peixinhos. No segundo dia de pescaria nossa tralha acabou e tivemos que ir até Miranda para comprar anzóis maiores e linhas de pesca mais grossas, pois as que levamos não eram fortes o suficiente para o tamanho e quantidade dos peixes que havia.
Resolvemos ir mais longe do ponto em que estávamos alojados, e fomos conhecer um local chamado Rebojão. Saímos bem cedo e andamos cerca de hora e meia rio abaixo até chegarmos. Era um local bonito, mas não pescamos quase nada neste dia. Olha só a idéia: não dando peixe, resolvemos matar um jacaré já que havia uma infinidade deles ali. Fomos em três num barco, eu pilotando, um levava o ceribim e o terceiro um revólver. Esperamos cair a noite e lá fomos nós para essa nova aventura.
Depois de muito andar, focamos um jacaré e eu cheguei bem de vagarinho para que o bicho não se espantasse, e o companheiro do revólver atirou. O jacaré deu um salto e começou a afundar, o Otávio mais que depressa conseguiu pegá-lo com o gancho de tirar os peixes. Aguardamos um tempo para ver se ele realmente estava morto e tentamos colocá-lo dentro do barco, mas o bicho era tão grande que não tivemos força para tal. O lado engraçado é que ao fazer muita força com o gancho, este abriu e o Otávio caiu para trás dando uma cambalhota até a água. Estava um frio danado, tinha entrado uma frente fria e estávamos de paletó. Na mesma rapidez com que ele caiu na água, ele voltou de novo para o barco, tal o medo que o invadiu. Nem chegou a molhar o forro do paletó de couro. Depois do susto, este episódio rendeu muita piada e rimos até, mas na hora foi um sufoco.
Conseguimos amarrar o jacaré ao lado do bote e tocamos até encontrar uma praia. Quando o arrastamos para o seco é que pudemos avaliar o seu tamanho, ele tinha o comprimento de 3,5m, era um animal de mais de cem quilos! Aí bateu um desespero, mas a besteira já estava feita e partimos para cortar o seu rabo. Depois de muito trabalho, conseguimos retirar o couro, separar só os filés, e jogamos o resto do jacaré na água para as piranhas darem um fim nele. Com nossa pouca experiência, não nos preocupamos em levar gasolina de reserva e, na hora de começar a subir o rio para voltar, ao medir o que restava, vi que não dava para chegar.
Felizmente encontramos o resto do pessoal que ficou pescando em outro barco, passei toda a gasolina para um só tanque, pusemos toda a tralha em um único barco e passamos todos nós para o outro, rebocando o que estava mais leve. Já era madrugada e o frio estava de cortar, o companheiro que tinha caído na água tremia tanto que chegava a balançar o barco. Caiu uma neblina forte e quase não se enxergava nada, havia momentos em que a lentidão do motor se igualava com a correnteza e eu tinha que ir barranqueando. Quando chegamos, eu creio que não restava nem uma xícara de gasolina no tanque.
Acordamos no dia seguinte, cansados, nem saímos para pescar, e fomos temperar e assar o tal rabo do jacaré. Realmente, é uma fina iguaria. No último dia acompanhamos uns pescadores profissionais e, bem na nossa frente, eu vi um deles jogar uma tarrafa e não conseguir tirá-la da água de tanto peixe. Era um cardume de dourados, ele teve de chamar um companheiro para ajudá-lo, pois eles pescam naquelas canoas feitas de casca de árvore e elas não suportam muito peso.
Lembro de um ocorrido que parece conversa de pescador. Junto a nós havia vários outros barcos, todos pegando peixes, e de repente um começou a gritar quando viu um dourado saltando após fisgá-lo. Foi recolhendo a linha e, com muita categoria, conseguiu embarcar um belo espécime. Aí veio o espanto e o inusitado, ele começou a chamar e pedir a atenção de todos os presentes, mostrando como estava fisgado o dourado: o peixe já tinha um anzol antigo na sua boca e o seu havia enroscado exatamente no buraco do girador do anzol que já estava na boca do peixe! Creio que os leitores com todo o direito pensarão que é estória de pescador, mas eu vi o acontecido.
Passamos uma semana maravilhosa, vimos muitos jacarés, tuiuiús, cervos, ariranhas, capivaras, garças de todas as cores, uma infinidade de cardeais, que são pássaros com a cabeça vermelha, muito mansos, e que volta e meia sentavam na ponta das nossas varas.
Naquela época não se falava em cotas e trouxemos uns trezentos quilos de peixes, eu tive que distribuir na vizinhança, pois não tinha onde armazena-los. Creio que dois anos depois desta memorável pescaria, aconteceu aquele acidente na Fazenda Bodoquena. Lavaram uns tambores de Tordon no rio e foi uma mortandade incrível de peixes, isto despovoou o rio e, até hoje, o velho Miranda não se recuperou da agressão sofrida.
Depois de vários anos nós voltamos a pescar lá, mas atualmente ele não chega nem aos pés do que foi no passado. Creio que todos que o conheceram sentem a mesma tristeza, pois os nossos filhos e netos nunca conhecerão a exuberância e a fartura da natureza como nós tivemos a grande benção de poder conhecer e desfrutar.

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