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Artigo: Jânio Quadros e as " forças terríveis"

Nelson Valente* - 14 de julho de 2009 - 07:47

Entenda as "forças terríveis", segundo Jânio Quadros:

"Os Estados Unidos precisam compreender que hoje enfrentam um desafio do mundo socialista. O mundo ocidental precisa mostrar e provar que é somente o planejamento comunista que promove a prosperidade das economias nacionais. O planejamento democrático precisa também fazer o mesmo, com a assistência dos que são economicamente capazes".



"Que solidariedade pode existir entre uma ação próspera e um povo desgraçado? Que ideais comuns podem, no curso do tempo, suportar a comparação entre as áreas ricas, cultivadas, dos Estados Unidos e as zonas assoladas pela fome no Nordeste do Brasil?"



"Não estamos em posição de permitir a liberdade de ação de forças econômicas em nosso território, simplesmente porque essas forças, controladas ao exterior, fazem o seu próprio jogo e não o de nosso país. O governo brasileiro não tem preconceitos contra o capital estrangeiro – longe disso. Estamos em grande necessidade da sua ajuda. A única condição é que a nacionalização gradual dos lucros seja aceita, pois de outro modo eles não são mais um elemento de progresso, mas tornam-se apenas uma sanguessuga, alimentando-se do nosso esforço nacional. Saibam que o Estado, no Brasil, não entregará esses controles, que beneficiarão nossa economia ao canalizar e assegurar a eficiência do nosso progresso."

"A questão de Cuba, ainda dramaticamente presente, nos convenceu, de uma vez por todas, da natureza da crise continental. Ao defender com intransigência a soberania de Cuba contra interpretações de um fato histórico que não pode ser controlado "a posteriori", acreditamos ajudar a despertar o Continente para a verdadeira noção das suas responsabilidades. Defendemos nossa posição a respeito de Cuba, com todas as suas implicações."



"Meu país tem poucas obrigações internacionais: estamos presos apenas a pactos e tratados de assistência continental, que nos obrigam à solidariedade com qualquer membro do hemisfério que possa se tornar vítima da agressão extracontinental. Não assinamos tratados da natureza da OTAN e não estamos absolutamente forçados de maneira formal a intervir na guerra fria entre Oriente e Ocidente."



"O Brasil , por má interpretação ou distorção do seu bom senso político, levou vários anos sem contatos regulares com as nações do bloco comunista, a ponto mesmo, de ter apenas relações comerciais indiretas e insuficientes com elas. Como parte do programa do meu governo, decidi examinar a possibilidade de reatar relações com a Romênia, Hungria, Bulgária e Albânia; essas já foram agora estabelecidas. Negociações para o reatamento de relações com a União Soviética estão em progresso e uma missão oficial brasileira vai à China para estudar as possibilidades de trocas. Em consonância com essa revisão de nossa política externa, meu país, como é sabido, decidiu votar a favor da inclusão na agenda da Assembleia Geral das Nações Unidas da questão da representação da China."



Eis algumas ideias de Jânio Quadros que selaram a sorte de seu governo. Não é difícil adivinhar que as "forças terríveis" se conjuraram para a derrubada dessas ideias e do seu defensor. O defensor foi obrigado a renunciar. E às ideias.

As ideias de Jânio Quadros não acabaram, continuam mais vivas do que nunca com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As principais reformas propostas por Jânio em 1961 estão sendo analisadas com 48 anos de atraso. E as "forças" continuam no poder. Quem viver verá.



Maquiavélico ?



A renúncia tem sido objeto de interpretações as mais controversas segundo perspectivas as mais variadas: desde as de tipo psicologizante Jânio Quadros, um instável e emocional, exasperado ante as resistências, preferiu capitular; Jânio Quadros, provinciano e desaparelhado, tomava consciência de sua incapacidade; Jânio Quadros, pusilânime e timorato, abandonava o barco antes que o afundassem; passando pelas de tipo condicionante - Brasília, a isolada e isolante, era a fonte da ingovernabilidade do País ao mesmo tempo que causa da emocionalidade dos dirigentes -, até as do tipo maquiavélico – Jânio Quadros, em verdade, como de duas vezes anteriores, manobrava com o espectro da renúncia para poder retornar, na crista da onda da reação popular, com a soma de poderes sem os quais não via a possibilidade de gerir o país, poderes que o sagrariam como ditador.

A mente humana comporta, mesmo quando obsessivamente a povoa uma linha mestra de raciocínio, concomitâncias emocionais ou fantasias periféricas e paralelas. Tudo pode ter passado pela mente do homem em quem, num dado momento, seis milhões de eleitores haviam depositado sua confiança e um sistema de lei deferira, nominalmente, uma soma definida, mas enorme, de poderes.

Dentro dessas coordenadas, Jânio Quadros procurou corresponder a si mesmo, correspondendo ao que presumia ser a expressão da vontade popular e ao mandato que recebera.

No curto lapso de tempo em que presidiu o país, transitou, rapidamente, de medidas esparsas moralizantes, para os lineamentos de um conjunto de providências que se afeiçoariam num corpo consequente que deveria desembocar em sucessivas medidas de reforma estrutural.

Já se compenetrara ele de que não podia haver dicotomia entre o plano externo e o interno. E o arcaico era o interno. O Brasil se apresentava como uma Sociedade em plena expansão demográfica, cujo modelo subdesenvolvido cumpria superar: uma taxa de incremento do produto nacional bruto que, em momentos áureos, não superara a média de 5%; e, verossimilmente, uma taxa de incremento da riqueza dos ricos superior à dos pobres, de tal modo que, não obstante o potencial incremento global per capita, na prática os ricos tendiam a ser mais ricos e os pobres mais pobres. A saída ou seria catastrófica ou, para evitá-la, cumpria dirigir no interesse nacional algumas dessas tenências. Uma das formas de dinamização nacional deveria ser pela tomada de consciência da problemática. Através do debate do foro internacional far-se-ia, porque apaixonadamente conspícuo, a educação política coletiva, pois um dos maiores males dos brasileiros do comum como sobretudo das chamadas elites, era a ignorância geral do que se passava no grande mundo, o que lhes fazia supor sermos uma grande nação, quando éramos, em verdade, uma nação que tendia a quantificar-se, pauperizando-se e multiplicando-se em problemas sociais cada vez mais graves.

As resistências que encontrou – precisamente a mesmas para as quais não estava aparelhado, porque não chegara à Presidência como expressão de forças sociais coerentes corporificadas numa doutrina ou plano de ação global - lhe ofereceram sempre uma oportunidade: é que seu governo dicotômico, no plano interno oferecia as perspectivas de superar a inflação galopante que tendia a instituir-se no país: o próprio Fundo Monetário Internacional e os mais influentes órgãos das finanças capitalistas internacionais viam equilíbrio na sua gestão da vida financeira nacional. Sob tal aspecto, essas resistências não se manifestariam, porque poderiam compadecer-se com o seu governo. Faltar-lhe-ia, tão só, um ato de acomodamento: que se acomodasse nas suas veleidades com relação à política externa; que se comportasse nas suas intenções de olhar para as grandes massas populares; que planejasse, para o futuro, as chamadas reformas estruturais, quando o país, naturalmente, viesse a poder recebê-las. Ora, precisamente o futuro era o sombrio para Jânio Quadros. O presente era, se enfrentado com coragem, decisão e urgência, exatamente o componente que iria permitir à nação ter um futuro diferente daquele para o qual, "naturalmente", se estava encaminhando.

Já então, em verdade, se compenetrara Jânio Quadros de que lavrava uma fundamental contradição no sistema institucional: de um lado, havia o curso à Presidência da República, de outro lado, a organização do poder legislativo expressa pelos partidos políticos. Presidente da República, que aspirasse ser efetivamente vinculado a seu povo. Tinha que necessariamente dirigir-se, em verdadeiro plebiscito, a esse mesmo povo, acima dos partidos, fragmentados por sua impotência de galvanizar as grandes necessidades políticas e sociais, e por isso mesmo destituídos de programação. Em contato com o povo, o Presidente da República tendia a prometer-lhe aquilo que eram as mais profundas aspirações populares, promessa, entretanto, que se frustrava. É que, enquanto a eleição presidencial era plebiscitária, universal, direta e secreta, ainda que viciada pelo chamado poder econômico, paralelamente o Poder Legislativo se pulverizava na representação do voto proporcional partidário, carente de programação nacional. Nessas condições, quando impossado, se o Presidente quisesse propor legislação reformista profunda, encontraria, fatalmente, um Legislativo subdividido em partidos teoricamente nacionais, na prática multiplicados ou esfarinhados nas suas expressões regionais, estaduais ou municipais - em que timbrariam as reivindicações de tipo personalista.

O vício politicamente, era estrutural. Seria para vencê-lo, mister uma grande modificação no próprio sistema do poder. E o ideal, a seu ver, então, no Ocidente Moderno, era representado pela Constituição Francesa arrancada aos franceses pelo Presidente De Gaulle, modelo que iria permitir, no Brasil, que a mesma força popular que consagrasse um Presidente da República elegesse também a maioria parlamentar que o acompanhasse nas reformas estruturais.

A aspiração era, em princípio, legítima; mas a impotência de realizá-la era óbvia.

Nessa altura, Jânio Quadros não viu como malograr nos seus objetivos, ainda que com sacrifício próprio. Posto em movimento o esquema, compenetrados e ajustados os ministros militares quanto a esse objetivo essencial, a sua consecução não poderia falhar.

Seu raciocínio foi o seguinte: primeiro operar-se-ia a renúncia; segundo, abrir-se-ia o vazio sucessório - visto que a João Goulart, distante na China, não permitiram, as forças militares, a posse e, destarte, ficaria o País acéfalo; terceiro, ou bem se passaria a uma fórmula em consequência da qual ele mesmo emergisse como primeiro mandatário, mas já dentro do novo regime institucional, ou bem, sem ele, as Forças Armadas se encarregariam de montar esse novo regime, cabendo, em consequência, depois, a um outro cidadão – escolhido por qualquer via – presidir ao país sob novo esquema viável e operativo: como, em tudo, o que importava era a reforma institucional, não o indivíduo ou os indivíduos que a promovessem, sacrificando-se ele ou não se sacrificando, o essencial iria ser atingido.

O plano porém, falhou exatamente na vacilação dos chefes militares.

João Goulart, compadecendo-se com a reforma parlamentarista, desfez, talvez sem sabê-lo, todo o plano concertado.

De tudo, dois saldos negativos ficariam a pesar no futuro: primeiro, o País continuaria inviável como sistema de poder, incapaz de promover por via pacífica as reformas de que necessitava; segundo, já agora era certo de que o centro do poder se deslocara, por um longo período, para a alçada militar – que esperaria maior ou menor tempo mas viria à tona como a só alternativa para aquela inviabilidade.

A renúncia foi, assim, expressão de uma coerência de tipo heróico, no sentido carlyliano; Jânio Quadros acreditou que os destinos nacionais num dado momento dependiam de sua coragem de sacrificar sua carreira pessoal.

Faltou-lhe, porque disso não proviera, o sistema de forças políticas que o amparassem nessa direção.

Faltou-lhe, porque não quis trair a própria imagem, a vontade de querer continuar a ser Presidente, ao preço de acomodação.

Para ele, dirá sempre, a política não é a arte do possível, se o possível é condicionado pelo caduco; é, sim, a arte do possível dentro das necessidades globais – algumas das quais estavam chamando por urgentes decisões, que o sistema de forças vigentes rejeitava.



(*) é professor universitário, jornalista e escritor


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