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Artigo: Jânio da Silva Quadros e Moura Andrade

Nelson Valente* - 15 de julho de 2009 - 07:49

A renúncia tem recebido interpretações controversas e variadas: Jânio Quadros, um instável e emocional; um pusilânime e timorato; maquiavélico. Tudo pode ter passado na mente de um homem em que 6 milhões de eleitores haviam depositado sua confiança e um sistema de lei defirira uma soma definida de poderes. ”. Até hoje a renúncia de Jânio – que ainda se elegeria prefeito, em 1985, para depois encerrar a carreira política – não foi bem esclarecida. Numa de suas várias entrevistas, ele afirmou:

“- A minha renúncia é mais límpida que a do proclamador da República, Deodoro da Fonseca, que renunciou à presidência a favor de Floriano Peixoto. A minha renúncia tem a altura da de Rui Barbosa, quando deixou o Senado Federal e, possivelmente, da de Getúlio Vargas, quando deixou a vida.”

Um outro ponto polêmico, que sempre deixou o ex-presidente irritado, foi o da expressão: “forças ocultas”, que ele teria usado ao renunciar. Jânio explicou várias vezes que, na verdade, falou em “forças terríveis”.

“- O que não é possível é alguns onagros (sinônimo de burro) virem me perguntar sobre forças ocultas. Eu nunca usei esta expressão.”

Seu primeiro comunicado foi dirigido ao Congresso em um curto bilhete: "Nesta data e por meio deste comunicado estou deixando com o Ministro da Justiça os motivos para o ato pelo qual renuncio a meu cargo de Presidente da República".

Em uma segunda carta, um pouco mais longa que a primeira, Jânio ratificava o ato usando palavras que seriam mais tarde objeto de acesa polêmica: "(...) Forças terríveis se levantam contra mim e me infamam ou me intrigam até com a desculpa de colaboração".

. No bilhete de renúncia, disse que era pressionado por “forças terríveis”. Tempos mais tarde, tripudiou:

– Fi-lo porque qui-lo ( folclore).

Mais adiante, negou que tivesse proferido tal frase e chegou a corrigir a gramática:

Fi-lo porque o quis.

Existem muitos acontecimentos na história política do Brasil que ainda não foram bem esclarecidos. A renúncia do presidente Jânio Quadros e a posição do Congresso Nacional, que em poucas horas declarou a vacância do cargo, e a indicação a Ranieri Mazzili, presidente da Câmara Federal, para substituí-lo, pontificou o terremoto político que se abateu sobre o País em 1961. O vice-presidente, Jango Goulart, viajando pela China, recebeu de imediato o veto dos militares. Estava criado um grande impasse que foi sendo amainado pela pressão popular. Os militares tiveram que aceitar o jogo político, de onde nasceu, pela criatividade do PSD, o regime parlamentarista. Jango seria o novo presidente, mas não governaria. O governo seria parlamentarista tendo Tancredo Neves como primeiro ministro.
Em São Paulo, o governador Carvalho Pinto, criatura moldada e levada ao poder por Jânio Quadros, tentou fazer com que o presidente voltasse atrás em sua renúncia. Fez articulações políticas. Mas o presidente do Congresso Nacional, Auro Moura Andrade, já tinha selado o destino de Jânio, isto é, o ostracismo político. Mas o que teria levado o presidente do Congresso a agir tão rapidamente a ponto de não dar tempo a nenhuma manobra de retrocesso?
Para se entender a atitude do presidente do Congresso é preciso que voltemos à campanha política de 1958. Rompendo com as forças partidárias de 1954, quando foi eleito governador de São Paulo numa campanha que deixou marcas profundas na história do Brasil, Jânio Quadros lançou Carvalho Pinto à sua sucessão. Mas nas cartas assinadas por Jânio à Moura Andrade, havia o compromisso de apoiar outra candidatura. Era a vez de Auro Moura Andrade pelo desejo sincero de um grupo que financiou toda a ascensão de Jânio. De um lado estava a família de Moura Andrade, o Rei do Gado, e Jeremias Lunardelli, o Rei do Café. De outro lado, forças dispersas de Ademar de Barros.
Magoado pela traição de Jânio, Auro Moura Andrade andava com a carta de Jânio, comprometendo-se a apóia-lo à sua sucessão, no bolso do paletó ou em sua carteira. Tão logo soube que Jânio Quadros havia assinado a carta na qual se comprometia a apoiar a candidatura de Auro, Carvalho Pinto reuniu-se com amigos e disse que iria até o governador para saber da verdade. Se existisse a carta, estava tentado a desistir de sua candidatura. Mas Jânio lhe disse que aquela carta foi feita no ardor da campanha, quando as necessidades financeiras eram muitas. Ela pertencia ao quadro político de 1954. E não valia mais para 1958. O professor Carvalho Pinto disse que estava deprimido. Auro Moura Andrade também era seu amigo e venerável pessoa do quadro político de São Paulo e do Brasil. Mas o professor não teve meios de voltar atrás.
Quando soube da renúncia de Jânio, o professor Carvalho Pinto logo desabafou com seus amigos: “Não há retrocesso. O Auro tem excelente oportunidade para se vingar do Jânio.” E realmente foi o que aconteceu.
O professor Carvalho Pinto fez excelente administração. Homem metódico, assim que tomou posse nomeou um grupo de economistas para elaborar o Plano de Ação que foi um marco na administração pública. Tudo ali estava detalhado, as obras e os recursos.
Depois de deixar o Governo de São Paulo, o professor Carvalho Pinto ainda foi ministro da fazenda. No dia de sua nomeação um jornal do Rio publicou em manchete “Vem aí o magnífico sovina das finanças”. Mas durou pouco tempo no Ministério da Fazenda. O mundo político estava mudando rapidamente e um levante armado iria poucos meses depois derrubar o presidente.
O economista Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto foi criticado pelos amigos de Jânio por não tê-lo apoiado nos momentos críticos após a renúncia. É que ele sabia que não teria a mínima condição de negociar, em poucas horas, com o ressentido presidente do Congresso Nacional.
Os personagens dessa história morreram já há algum tempo. Carvalho Pinto, em sua casa, rodeado pela família e amigos. Jânio, sozinho e abandonado pela família. E Auro Moura Andrade embaixo de um pontilhão em Pedreira, interior de São Paulo, onde se lia em letras garrafais esmaecidas pelo tempo a frase: PARA GOVERNADOR – AURO MOURA ANDRADE.

(Auro de Moura Andrade e o General Falconiére tentaram depor Jânio em 11 de janeiro de 1955).



(*) é professor universitário, jornalista e escritor




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