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Artigo de Rogério Tenório de Moura

Rogério Tenório de Moura - 11 de março de 2008 - 09:11

ESTUDAR LÍNGUA PORTUGUESA PRA QUÊ?


Os puritanos defendem a idéia de que a juventude, hoje em dia, não sabe usar a língua corretamente, grave equívoco, o que realmente ocorre é que os jovens simplesmente falam diferente do que os jovens de quarenta anos atrás falavam e estes falam diferente dos jovens do século XIX.
Na verdade o uso inadequado da Língua Portuguesa nas diversas situações de fala tem se acentuado por causa daquela que deveria justamente estabelecer a língua padrão, a gramática. Esta, vem sendo usada como instrumento de coerção há séculos, no intuito de estabelecer uma variedade lingüística como modelo e uma atitude de respeito cego as autoridades constituídas como padrão. A juventude, seja ela de qual geração for e de onde quer que seja sempre terá a marca da rebeldia, do inconformismo, é uma atitude cognitiva normal, uma forma de auto-afirmação diante do mundo, assim sendo é óbvio que os adolescentes foram, são e sempre serão os maiores transgressores da língua.
Os países centrais do capitalismo tem menosprezado toda cultura que não seja a deles, relegando-as a barbárie, e se utilizado há séculos da linguagem como instrumento de dominação pacífica via inculcação ideológica. Tal assertiva fica óbvia em um Fragmento da carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei D. Manoel:

“Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E, portanto se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar”.
Através de tal fragmento fica clara a intenção de estabelecer a hegemonia de uma classe sobre a outra via inculcação ideológica. Dentro dessa perspectiva a língua, regulada por uma gramática normativa, a língua passa a ser um instrumento efetivo no estabelecimento de uma elite dominante em detrimento de uma maioria tida por ignorante e dócil!
Já na concepção de Marx a língua é uma forma de se socializar o conhecimento pelo bem de toda a coletividade e não em detrimento da maioria para o favorecimento de alguns:
“ A linguagem nasceu de uma exigência prática: a luta pela sobrevivência, a necessidade de se socializarem as experiências bem sucedidas, surgindo , assim, a memória coletiva da sociedade”.

A gramática normativa se estabeleceu historicamente no momento de fortalecimento das monarquias autoritárias, os gramáticos se utilizaram de empréstimos lingüísticos do latim, do grego, e de conhecimentos da tradição clássica, tais como: filosofia, literatura, história, línguas clássicas, conhecimentos absolutamente desconhecidos até então para a plebe que em sua grande maioria era analfabeta.
A educação no Brasil começou com os jesuítas, justamente com a intenção de dominação pacífica, para tanto o primeiro passo, obviamente, foi a imposição da Língua Portuguesa, pois os “índios educandos” não tinham a menor intenção de aprender a língua dos colonizadores, não tinham um porquê aprender, então muitos eram submetidos a espancamentos até que se sujeitassem a esse aprendizado.
Na educação tradicionalista os castigos físicos também fizeram parte dos “recursos didáticos” para auxiliarem o professor em sua tarefa de educar. Hoje chegou-se a conclusão de que tais recursos são desnecessários, creio que porque perceberam que os próprios conteúdos já eram tortura demais! Nunca ouvi na prática discursiva alguém dizer: “vós estais equivocados” ou “que tu estudes”. São tais arcaísmos que fazem da variedade padrão uma estrutura estática, morta, desprovida de qualquer vínculo com este mundo extremamente dinâmico, muito embora, talvez por falta de alguma variedade mais sistemática e representativa, ainda seja um importante instrumento na busca da ascensão social.
De acordo com a Lei 5692 de 11/08/71, o objetivo da escola é qualificar o educando para o trabalho e para a cidadania. A maioria dos pais querem que os filhos aprendam os conhecimentos da classe dominante para que os filhos adquiram uma melhor condição social. Podemos observar a partir de tais perspectivas que a relação entre escola e sociedade é intrínseca ao processo produtivo, uma vez que se espera que a escola habilite seus educandos para que alcancem maior cotação na esfera social; mas então fica a questão, quem está falhando quando os alunos evadem da escola?
Os inúmeros mecanismos que a própria sociedade cria para conter o acesso da população as classes mais altas da esfera social são os maiores responsáveis. O que parece uma incoerência, pois se espera que o povo seja educado para produzir riquezas, é na verdade um mecanismo de contenção das massas, pois é óbvio que não existem recursos infinitos para serem distribuídos entre todos os “detentores do saber escolar”. A dificuldade de se deslocar até a escola, a falta de alimentação, de saúde, de moradia, de merenda escolar; pois muitos vão a escola para fazer a principal refeição do dia, são apenas alguns dos empecilhos para evitar que essa mesma população galgue maiores passos no caminho da educação.
É óbvio que a linguagem arcaica, estigmatizante, desprovida de significação para o educando o desestimula, mesmo porque é essa mesma linguagem que será utilizada para repassar todo o conteúdo a ser apreendido em todas as disciplinas, mas diante dos inúmeros empecilhos impostos pelo sistema não podemos atribuir a culpa da evasão escolar somente na escola e em seu “dialeto culto”.
Atualmente existem quatro tendências do ensino da língua padrão nas escolas:
1. Tendência tradicional- defende sem restrições o ensino da língua padrão
2. Tendência nacionalista- defende o ensino de uma língua portuguesa abrasileirada.
3. Tendência diglossiana- defende o uso da norma culta, oral e escrita, mas respeita a forma de falar do educando.
4. Tendência Integralizadora- defende o ensino da língua padrão a partir da variedade lingüística do educando, alertando-o para as diferenças e para as diversas situações de uso das variedades lingüísticas.
Os que defendem a tendência tradicional esbarram justamente em seu principal argumento, pois ao defender sua filosofia de trabalho apoiando-se em escritores clássicos esquecem-se que são os autores os primeiros a legitimar as variedades lingüísticas em suas obras. Se por um lado os tradicionalistas podem se apoiar em Camões para defender sua posição os diglossianos e os integralizadores podem se apoiar em José Saramago, Guimarães Rosa, Aluízio de Azevedo...
A língua não é estática e se hoje temos nomes clássicos que representam o “bom português”, nem sempre foi assim.Grandes nomes nem sempre foram bem quistos entre a comunidade literária e só passaram a ser celebrados com o passar dos anos, conforme a variedade em que escreviam passou a receber maior prestígio, via ascensão social de seus falantes, é óbvio. No século XIX, por exemplo, a crítica literária quando queria menosprezar alguma obra dizia que era obscena como uma página de Eça de Queirós.
A tendência nacionalista mereceria maior reflexão da nossa parte se ao menos houvesse vasto material sobre o tema, como não há, ao menos por hora, fica impossível se pensar em estabelecer um língua padrão brasileira. Embora nosso “português” seja muito diferente do de Portugal, nem nossos autores, nem nossos gramáticos, desenvolveram, material específico para se defender o tema com propriedade.
Uma falha apontada por estudiosos na tendência diglossiana é que os defensores da mesma afirmam que a variedade culta é a responsável pelo fracasso escolar dos alunos, mas segundo Labov a criança só desenvolve a percepção de que a escola está rejeitando sua maneira de falar a partir dos doze anos, além do que, pelo que já vimos anteriormente, a linguagem é apenas um dos empecilhos impostos pelo sistema ao educando.
Parece-me que a tendência que melhor atende aos interesses sócio-interacionistas de uma escola que se queira democrática e libertadora é a integralisadora, pois não diminui nem exclui nenhuma variedade, alias procura integrar todas as variedades possíveis convergindo em uma tida como padrão, tal fato segundo Antonino Pagliaro é extremamente positivo, pois ao atingir por um ato de adesão à forma de expressão de maior prestígio, atingi-se também o espírito de unidade nacional.
Segundo Evaldo Bechara cabe ao professor e a escola como um todo transformar o aluno em um poliglota dentro da sua própria língua histórica. O que é sem dúvida o mais apropriado no Brasil ,em se tratando de um país com um povo de tantas origens, que se subdivide em grupos de idade, de classe social, de atividade profissional...se a função da língua é a comunicação, é integrar os indivíduos para a prática comunicativa contribuindo, assim, para o progresso social, a exclusão de variedades lingüísticas ao invés de fortalecer o sentimento nacional dentro dessa imensa pluralidade irá segregar os indivíduos em seus “guetos” e castrar da sociedade o direito de ser e ser cada vez mais.
Os adeptos da tendência tradicional partem do pressuposto que os alunos não sabem nada ao entrar na escola. O pior é que estes acabam crendo nisto de tal maneira que mesmo após terminar a vida escolar continuam pensando assim.
Antagonicamente os que defendem a tendência nacionalista e alguns da tendência diglóssiana partem do pressuposto de que todas as crianças mesmo antes de entrarem na escola já sabem as variedades gramaticais e, inclusive, a fazer a análise sintática, o que é um equívoco, um indivíduo, por exemplo, pode perfeitamente saber dirigir sem, no entanto, entender de mecânica. Tal corrente defende o inatismo da linguagem, porém tal tese pode ser facilmente derrubada, uma vez que um ser humano que não tenha entrado em contato com outros seres humanos não desenvolverá uma linguagem ordenada, provida de uma gramática básica internalizada, uma vez que os signos são arbitrários, convencionados, bem como sua disposição dentro da oração.
Segundo Labov há cinco estágios na aquisição da linguagem padrão, definamos cada um deles para que fique mais clara a questão levantada acima:
1. Gramática básica- a criança adquire-a com os pais, trata-se de um conjunto de regras básicas no falar que ordenam a comunicação da criança, este estágio vai mais ou menos até os cinco anos de idade.
2. Vernáculo- vai dos cinco aos dez anos quando a criança entra em contato com outras variantes que não conhecia. Nesta fase o dialeto da criança começa a se distanciar do dialeto dos pais.
3. Percepção social- vai dos doze aos quinze anos quando a criança passa a perceber as diferenças dialetais, mesmo que continue a praticar o seu próprio dialeto.
4. Variação estilística- é o estágio em que a criança busca usar o dialeto padrão.
5. Padrão consistente- é o estágio em que o falante atinge a habilidade de mudar de variedade lingüística e manter-se dentro dela usando-a durante todo o tempo do discurso.
Desta maneira podemos compreender como a linguagem é concebida e passar para a análise do erro lingüístico. Sabemos, por exemplo, que tanto cariocas quanto gaúchos falam a língua portuguesa, mas na prática observamos que suas variedades lingüísticas distanciam consideravelmente a capacidade comunicativa desses grupos. Da mesma maneira um morador da Barra da Tijuca não fala da mesma maneira que um morador da Ilha do Governador e que dentro desta comunidade social não há uma única comunidade lingüística. Os jovens falam uma variedade diferente dos mais velhos, os profissionais de determinadas áreas usam seus jargões, assim como os grupos religiosos tem sua própria variedade, etc.
Dentro desse imenso universo lingüístico não podemos definir como errada toda variante que fuja da língua padrão. Se a função do ato lingüístico é comunicar, interagir, todo enunciado que se faça compreendido deve ser considerado correto, pois cumpriu sua função comunicativa.
É óbvio que se um pescador dirigir-se a um pedreiro usando seu dialeto dificilmente se fará compreender, da mesma forma se um gramático usar a sua própria variante com um capataz dificilmente transmitirá sua mensagem. Portanto erro lingüístico é o uso inadequado de uma variante em um determinado contexto social. Não se vai à praia, por exemplo, de smoking nem a uma reunião de negócios de bermuda.

Rogério Tenório de Moura
é licenciado em Letras pela UEMS,
especialista em Didática Geral
e em Psicopedagogia pelas FIC.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Carvalho, J. A.. POR UMA POLÍTICA DO ENSINO DA LÍNGUA. Porto Alegre. Mercado Aberto.
1966. 5ª edição

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