Na visita à casa de meu tio numa fazenda no interior paulista, eu e minha filha de seis anos estávamos num pomar saboreando jabuticabas, diretamente na jabuticabeira. Quem já experimentou sabe muito bem o prazer que nos dá saboreá-las nesta condição, principalmente depois de uma chuva leve o suficiente para lavá-las e dar aquela cor, preto-brilhante.
Disputávamos com sanhaços e sabiás aquelas deliciosas frutinhas presas aos galhos, quando senti cair sobre mim uma murcha e jorrando caldo vermelho. Deixou uma mancha em minha camisa branca, desde o colarinho até a altura do umbigo. Olhei para aquele borrão vermelho na camisa, instintivamente procurei ver de onde ela havia se desprendido. Lá em cima estava o causador, um sabiá laranjeira de peito avermelhado, com um olho nas jaboticabas e outro em nós, lá embaixo. Revoltado, lastimei da triste sorte e instintivamente sem pensar soltei o verbo:- Que injustiça de Deus: uma árvore tão grande e forte dá frutinhas tão pequenas e produz tanta sujeira!
Mal acabei de proferir estas palavras profanas, fui advertido por minha filha: - É né pai! O senhor já pensou se dessem melancias em árvore?
Passei a mão carinhosamente naquela cabecinha loura, e sem pronunciar mais nada, reconheci de imediato a Justiça de Deus.

Nasan Xantox