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Artigo: Alcides Silva explica a história da palavra

Alcides Silva - 10 de fevereiro de 2006 - 09:05

Caipira


“Sou caipira Pirapora nossa / Senhora de Aparecida
Que ilumina a mina escura / e funda o trem da minha vida”

Com seu famoso refrão, Renato Teixeira deu ao termo “caipira” um sentido ao mesmo tempo humanista e telúrico. Caipira já não é mais a pessoa simplória, mas o homem da terra, o homem do campo, o homem que produz até mesmo quando ‘urbanizado’.
Na língua portuguesa a palavra caipira e seus sinônimos (e são tantos) também significavam pessoa acanhada. Do português que se falava no Brasil nos idos de 1940, Francisco Fernandes e Celso Pedro Luft, (“Dicionário de Sinônimos e Antônimos”) recolheram os seguintes termos, substitutos da palavra caipira: araruama, babaquara, baiano, baquara, beira-corgo, beiradeiro, biriba ou birivam, botocudo, buraqueiro, caapora, caboclo, canguaí, canguçu, capa-bode, capiau, capicongo, capurreiro, casaca, casacudo, casca-grossa, catatuá, catimbó, catruamo, chapadeiro, curau, curumba, groteio, guasca, jeca, labrejo, matuto, mixanga, mixuango, morocongo, maqueta, mucufo, pé-duro, pé-no-chão, pioca, piraquara, queijeiro, restingueiro, roceiro, rústico, saquarema, sertanejo, sitiano, tabaréu, tapiocano, urumbeba ou urumbeva. A grande maioria desses termos tinha sentido pejorativo.
Originariamente, caipira era a pessoa ignorante, ingênua, iletrada; atualmente o conceito está se abrandando, embora ainda contenha certa carga pejorativa. E para isso muito contribuiu o belíssimo “Sou caipira Pirapora”, que Elis Regina imortalizou em corretíssima interpretação.
As primeiras aglomerações humanas surgiram 3.500 anos antes de Cristo, no vale dos rios Tigre e Eufrates, eram grupos homogêneos e auto-suficientes, inteiramente dedicados à busca de alimentação e as terras, coletivas. Cada chefe de família podia ocupar, nos limites fixados pelos magistrados (autoridades públicas) todas as terras que fosse capaz de cultivar. Com o surgimento da propriedade privada, “os pequenos grupos agregaram-se uns aos outros, várias famílias formaram a frátia, várias frátias a tribo, várias tribos, a cidade”, conforme relata Fustel de Culanges, em “A Cidade Antiga”. As cidades eram poucas, cercadas de muralhas e de fossos, e os campos, longínquos. Não havia a pequena propriedade rural e o homem do campo vivia encasulado, raramente ia à civitas (cidade) e era menos instruído. Hoje, com os meios de comunicação transformando o mundo na chamada “aldeia global”, as pessoas do campo sabem das coisas tanto quanto às da cidade.
As palavras não surgiram arbitrariamente, elas têm uma história. O português, como sabido, é uma língua derivada do latim, não do latim literário, que era uma linguagem artificial, mas do vulgar, da língua viva, falada pelo povo.
A linguagem é uma atividade dinâmica resultante da vida em sociedade. Quanto mais isolada uma comunidade idiomática, menores os seus meios de expressão. Vide Solos, do comentário da semana passada.
No latim urbs, urbis era a cidade, em oposição a rus, ruris (campo, terras de lavoura). Rude, primitivamente, era a terra bruta, não desbastadas; no sentido figurado, o inexperiente, o ignorante, o simples, o ingênuo, o neófito. Rusticus – a, um, inicialmente era um adjetivo com o significado de campestre, de rural, relativo ao camponês; depois, grosseiro, inculto, desajeitado, esquivo, bisonho, indivíduo tímido ou acanhado. Rurícola era aquele que cultivava o campo, o agricultor; urbanista, a morada na cidade, a vida em Roma. Urbanus – a, um na significação originária da cidade, da cidade de Roma; no sentido derivado, adjetivo com a significação de polido, fino, delicado, urbano, indivíduo elegante e espirituoso.
Examinando as palavras urbano, urbanismo, urbe, urbanização, urbanidade, urbanizar, verifica-se que todas elas têm uma parte invariável – urb – que é o radical, a parte comum de todas as palavras da mesma família, cujo sentido básico é cidade.
De civitatis (cidade ou condição do ser livre que mora na cidade) derivaram cidadão (o indivíduo que goza de direitos civis e políticos de um país), cidadania (hoje significando o patrimônio de direitos e deveres do ser humano, resida ele na cidade ou no campo), cidadela (fortaleza que domina e defende uma cidade) e outras mais.
Verificando as palavras rural ou rústico e seus derivados, nota-se que o radical é o mesmo e origina-se de rus, ruris, cujo sentido é campo.


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