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Artigo: Alcides Silva e a mania de virgular

Alcides Silva - 21 de dezembro de 2005 - 10:01

Língua portuguesa, inculta e bela!
Alcides Silva

Mania de virgular

Dizia-se no meu tempo de grupo escolar como verdade revelada, autêntico dogma: não se usa vírgula antes de ‘e’. Segundo a lição dominante na época, a vírgula funcionava como uma pausa de pequena duração e aquela conjunção exercia a mesmíssima função. Daí, a desnecessidade da vírgula. Antes de “e”, a vírgula era pecado capital, caminho direto para o inferno do lápis vermelho.
Aquilo porém, não era uma verdade absoluta.
Said Ali, o grande filólogo fluminense do século passado, com certeza o mais respeitado de seu tempo (faleceu com 92 anos de idade, em 1953), ensinava, com profunda razão, que “para mostrar que é preciso descansar a voz, põe-se a vírgula antes da conjunção e”.
Embora seja sabido que a vírgula substitui o “e”, pode a mesma ser empregada para facilitar a passagem de uma idéia a outra, quando repetidas ritmicamente, como no texto de Machado de Assis:
“E a minha terra se chamará a terra de Jafé, e a tua se chamará a terra de Sem; e iremos às tendas um do outro, e partiremos o pão da alegria e da concórdia”.
Ou então, como quando, no resumo poético, mostra o trabalho beneditino: “no aconchego do claustro, na paciência, no sossego trabalha, e teima, e lida, e sofre, e sua”.
Em duas orações, quando a coordenada tem sujeito diferente do da coordenante, a prudência aconselha o emprego de vírgula, principalmente se houver uma pausa na leitura, como neste exemplo recolhido em Said Ali: “A tempestade da sua alma asserena-se, e a dor mitiga-se”.
Experimente ler, sem a vírgula, a frase “João namora Maria, e Rita se magoa”. Tem-se a impressão de que João namora as duas concomitantemente. Com a vírgula, a coitada da Rita é a preterida.
“Morreu o pai, e o filho tomou seu destino”.
A vírgula é empregada também se o ‘e’ por ênfase ou enumeração, estiver repetidos na frase: “Deus fez o céu, e a terra, e o mar, e tudo quanto há neles”. Quando, porém, seu emprego for facultativo, siga o ritmo ou a sonoridade da frase, haja com cautela e bom senso, evitando a virgulação excessiva. Intercalações exageradas cortam a fluência do texto, dificultando a sua compreensão. Veja o exemplo tirado dos jornais de terça-feira: “O presidente Lula cobrou, em reunião ministerial, na segunda-feira, a última deste ano, unidade da equipe na defesa do governo, diante dos ataques da oposição”.
Desvirgulando, isto é, podando o demasiado, o contexto fica mais nítido: “Em sua última reunião ministerial deste ano, segunda-feira passada, o presidente Lula cobrou unidade da equipe na defesa do governo diante dos ataques da oposição”.
Observação importantíssima: nunca separe por vírgula, nem mesmo no desespero (ou na ignorância), o sujeito do verbo: “Lula, cobrou unidade da equipe na defesa do governo,”; e nem o verbo do complemento: “Lula cobrou unidade da equipe, na defesa do governo”. Ambas as orações estão mal virguladas. O correto é “Lula cobrou unidade da equipe na defesa do governo”, sem qualquer vírgula intermediando seu desesperado intento de querer, em razão das eleições de 2006, ver melhorada sua imagem diante da população.

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