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Artigo: A Escola em Cassilândia na década de 70

Sandra Gonçalves Ferreira (PG- UEMS) - 26 de julho de 2011 - 17:43

FRAGMENTOS DE RELATOS DE UMA ALUNA DO EDUCANDÁRIO SÃO JOSÉ E DA ESCOLA ESTADUAL DE CASSILÂNDIA.



Por Sandra Gonçalves Ferreira (PG- UEMS)




RESUMO:

Este artigo tem como objetivo discutir de forma sucinta, por meio do relato de uma ex-aluna, o modelo de educação do Educandário São José e da Escola Estadual de Cassilândia, na década de 70, observaremos, portanto no relato feito pela aluna, aspectos físico e didático-pedagógico da educação.

PALAVRAS-CHAVE: Educação escolar; historiografia; disciplina e punição.



ABSTRACT:
This article aims to discuss briefly through student’s report, the education model at Educandário São José and State School of Cassilândia, in the 70\'s, we’ll observe, by student’s report that the student gave us, physical aspects and didactic-pedagogic education.


KEY-WORD: School education; historiography; discipline and punishment.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho procuraremos observar, por meio do relato de uma ex-aluna, por nós solicitado, como era a educação na década de 70, nas escolas Educandário São José e na Escola Estadual de Cassilândia, ambas situadas na cidade de Cassilândia-Mato Grosso , esperamos assim, contribuirmos para refletirmos sobre a educação atual.
Mostraremos alguns fragmentos, que julgamos pertinentes para o trabalho em questão, do relato da ex-aluna que estudou na década de 70, nestas instituições, utilizaremos como aporte teórico a história oral, que “tem a capacidade de trazer a lembrança de fato antigo que por sua vez, não vem com a mesma imagem do passado” Ecléia Bosi (1999. p. 407), mas de certa forma nos aproxima do(s) fato(s) ocorrido(s). Nos ancoraremos, ainda, em alguns teóricos e estudiosos do assunto, quais sejam: Bosi (1999), ( Oliveira & Junior 2002), Foucault (1987), Bourdieu (1975), entre outros.
Conforme comenta Magalhães ,“a produção historiográfica, enquanto construção e representação discursiva da realidade, visa o conhecimento da relação, ou melhor, das relações, num contexto de multidimensionalidade”.
O que nos faz entender que “historiar uma instituição educativa” (Oliveira & Junior 2002), vai além da descrição, há de ser observado todo o seu entorno.
Sendo assim, para evitar a presunção, vemos a necessidade de esclarecer que este trabalho se ocupará em analisar, como já dissemos, o relato de uma ex-aluna, portanto vale ressaltar que não somos historiadores e nossa análise limita-se às leituras e pesquisas realizadas a respeito do assunto.


Notas introdutórias

- A ex-aluna em questão,estudou no 4ª série no Educandário São José e 5ª série na Escola Estadual de Cassilândia. Era filha de pai “pedreiro” e mãe “lavadeira”, uma das sete filhas que o casal tinha. Hoje tem 58 anos de idade e é professora graduada em Geografia e História recentemente aposentada;
- As falas da ex-aluna serão apresentadas em itálico e recuadas quando ultrapassar as quatro linhas, pois assim pensarmos ser mais fácil ao leitor localizar, separando-as de nossos comentários;
- Devido ao curto tempo para a elaboração deste artigo, foi colhido apenas um depoimento, o que não foi possível traçar um contraponto de relatos;
- A cidade de Cassilândia é uma cidade interiorana, tinha na década de 70, uma população estimada em 12.476 habitantes.


Analise do relato

Ao lermos o relato feito pela ex-aluna, observamos que ela o inicia com a seguinte descrição:
“Na minha escola, em todo início de aula, formávamos literalmente a fila, uma para os meninos e outra para as meninas. Não podíamos adentrar a sala enquanto não era feito total silêncio [...]”
Segundo Foucault (1987, p. 125) “a disciplina é a arte de dispor em fila e da técnica para a transformação dos arranjos. Ela individualiza os corpos por uma localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa rede de relações.”
O surgimento das filas no século XVIII era uma forma de vigiar cada indivíduo/aluno de forma particular e mais criteriosa, procurando garantir assim a disciplina, pois, assim o próprio indivíduo/aluno, que é observado, passa a vigiar-se. No depoimento da aluna logo acima, percebemos que no século XX, década de 70 a fila ainda, era utilizada de forma rígida e disciplinar, pois ela complementa: “[...] se alguma conversa prolongava o(a) infrator(a) pagava a pena ficando em pé, em lugar de destaque por algumas horas e era obrigado(a) a copiar a matéria,“violência simbólica” Bourdieu (1975).
Os castigos físicos foram abolidos pelo regulamento nº 56 de 1867, no entanto é possível perceber, pelo relato, que os professores “[..] muitas vezes incentivados pelo próprio diretor, continuavam a aplicá-los” (PEREIRA, 2000):
“Recordo que apesar de eu ser uma das primeiras alunas da sala ,certa vez, foi arguída a tabuada como nota para aritmética e eu acertei toda com exceção de 7x8, como pena, levei de meu colega um bolo de palmatória, meu colega foi advertido pelo professor, que se ele desse um bolo leve, nós dois levaríamos outro do próprio professor. Na época quase parei de estudar, em casa meus pais foram a favor do professor. Até hoje, tenho dificuldades nessa multiplicação, e sempre busco a certeza do resultado por meio da soma”.
Talvez os professores que ainda aplicavam os castigos, mesmo depois de serem “abolidos” e os pais que concordavam com a atuação dos professores estivem em consonância com (COMENIUS, 1997, p.311):
“Quem tem a missão de formar jovens tem o dever de conhecer o fim, a matéria e a forma da disciplina, para não ignorar por que, quando e como convém deliberadamente ser severo. Antes de mais nada, acredito que todos concordam que a disciplina deve ser exercida contra quem erra, mas não porque errou (o que foi feito, feito está), mas para que não erre mais”.
No entanto, Neves (sine date) comenta que: “[...] a postura de castigar, em nada ajuda o aprendiz no avanço de sua aprendizagem [...]” ,o que neste caso fica comprovado pelo depoimento da aluna em questão. “Até hoje, tenho dificuldades nessa multiplicação, e sempre busco a certeza do resultado por meio da soma.”
Apesar do aparecimento da Escola Nova ter iniciado no Brasil em 1930, a disseminação foi tardia, pois, no início dos anos 70. A aluna comenta que:
“as carteiras eram conjugadas, assentávamos de 2 e 3 alunos em cada uma delas, sendo que nunca um menino e uma menina. Nossas provas eram chamadas de sabatinas, pois eram realizadas aos sábados, a maioria delas era oral, segundo eles para facilitar o trabalho do professor tanto na correção como na fiscalização, já que assentávamos juntos”
Observamos aí uma escola ainda com métodos tradicionalistas, centrada no “educador” e não no educando, pois as carteiras conjugadas não permitiam o agrupamento de alunos, as provas orais e a matéria ditada, como podemos ver logo abaixo, privilegiava os mais desinibidos e espertos, a aluna nos revela em uma parte do depoimento que não era permitido nem olhar do lado para ver o que o colega estava copiando, quando se perdia no ditado,“Não tínhamos livros, as matérias eram quase todas ditadas pelo(a) professor(a)e com rapidez, e não era repetido mais que uma vez”[...]tínhamos que ser rápidos, não era permitido observar a anotação do colega, mesmo assentando juntos[...]
Na afirmação de Eliana Dias , “Já na década de 70, seguia-se uma política para distribuição do livro didático aos alunos das escolas públicas, mas os problemas oriundos dessa política eram muitos: divergência de conteúdos, preço alto, entre outros”.
Então, a aluna continua:
“[...] quando alguém era pego conversando com o colega do lado era ameaçado a ser colocado para assentar com o sexo oposto, o que era rejeitado e temido por todos, e resultava em silêncio, choro e as escondidas em apelidos de mulherzinha e “machufema”... Ah! A diretora da escola mandou fazer um muro separando o pátio em dois, com um portão de madeira no centro. Na hora do recreio os meninos ficavam de um lado do pátio e as meninas do outro. Se alguém mais ousado atrevia desobedecer, ela, a diretora, observava bem quem era e no outro dia, enquanto estávamos na fila para a entrada ela chamava a pessoa pelo nome, junto com todos e dizia que se repetisse, ela ia vesti-la(o) do sexo oposto. A ameaça era extremamente eficaz, a mesma pessoa não repetia o fato.”
Observamos neste trecho uma escola contraditória e discriminatória, a qual ao mesmo tempo em que proibia o relacionamento com o sexo oposto, plantava, mesmo que inconscientemente, a semente da homofobia e da intolerância, uma vez que “proibia o cabelo comprido dos meninos, nós meninas éramos proibidas de usar calça comprida, não podíamos usar maquiagem, nem unhas compridas e assim se exercia a coerção com o uso de palavras carregadas de homofobia, ameaças e discriminação.
Considerações finais
Esse pequeno depoimento nos dá uma idéia de como os costumes ficam arraigados, assim, as proposições da lei demoraram ser aceitas pela sociedade e ocorrem como pudemos ver equívocos.
Ao observamos o que rege a lei e regulamentos escolares, ao analisar o depoimento da ex-aluna, concluímos que a realidade escolar da época nos mostra uma atuação de forma contraditória às normas, o que nos mostra que a vivência cotidiana da escola são determinadas por seus agentes e suas ações diárias.
Aboliram-se os castigos físicos, porém, o pior castigo está mascarado, a “violência simbólica”, mas acreditamos que a mudança pode ser lenta, pode gerar conflitos, mas é necessário entender que cada indivíduo é único e traz consigo para dentro da sala de aula história e sentimentos que muitas vezes desconhecemos, mas uma coisa é certa, não será pela violência que conseguiremos amenizar a violência.

BIBLIOGRAFIA

BOSI, Ecléia. Memórias e Sociedades: Lembranças de Velhos. ed.Companhia das Letras São Paulo, 1994.
COMENIO. Didática Magna. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Constituição Política do Império do Brasil (25/03/1826) I: Dantas Junior.J.da C. Pinto. As Constituições do Brasil. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1937
DIAS, Eliana. LIVRO DIDÁTICO: do surgimento às mudanças atruais. Anais do II Seminário de Pesquisa do NUPEPE Uberlândia/MG p. 132-143. 21 e 22 de maio 2010. Acessado em www.eseba.ufu.br em 24.07.2011
FOUCAULT. Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas.São Paulo. Ed. Martins Fontes, 1987.
GATTI JÚNIOR, D.; OLIVEIRA, L. H. M. M. História das instituições educativas: um novo olhar historiográfico. Cadernos de História da Educação. Uberlândia: v. 1, n. 1, p. 73‐76, jan./dez.,2002.
GOMES NEVES, J. O erro construtivo e o castigo na escola. Revista Iberoamericana de Educación (ISSN: 1681-5653). Acessado em www.rioei.org em 24.07.2011
PEREIRA, M.J.M. Disciplina e castigo na escola. Dissertação de Mestrado. PUC/MG. 2000.
www.cassilandia.ms.gov.br acessado em 25.07.2011


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