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Geral

Armas e Contextos

Daniel Viégas S. Barroso - 17 de junho de 2014 - 08:00

Dezessete anos se passaram desde a primeira Lei que criminalizava as condutas referentes ao uso de armas de fogo. O contexto social, aliado à gravidade do tema, gerou reflexo para o surgimento do Referendo de 2005, o qual se mostrou à época dos fatos, um ganho sensível à recente democracia brasileira, sendo que os cidadãos consultados votaram a favor da comercialização de armas de fogo. De lá para cá, surgiram, ainda, inúmeras leis, medidas provisórias e decretos, a fim de regulamentar o Estatuto do Desarmamento. E, mesmo assim, muitas dúvidas persistem e injustiças são cometidas em demasia.

Como o Direito não é uma ciência exata, ele deve oferecer tratamento distinto a problemas diferenciados. Não deve ficar, portanto, alheio às características de cada pessoa, bem como, a seus costumes, e ao modo de como cada ser humano percebe o mundo. A exemplo disso, quem vive no campo ou é analfabeto, deve obter uma apreciação peculiar em detrimento daquele que nasceu numa metrópole e possui louváveis títulos acadêmicos, ou ainda, aqueles que não acompanham a evolução digital, como internet, smarthphones, câmera digital, em comparação daquele que é um tecnófilo por natureza.

É nessa linha de raciocínio que, um produtor rural, por exemplo, que vive no campo desde tenra idade, que tenha consigo uma arma guardada em sua propriedade, que por muitas vezes tenha sido passada de geração para geração, uma espécie de “relíquia” familiar, caso venha a ser autuado por conta das irregularidades dessa posse, por óbvio, que não deve ser punido.

Assim, neste cenário, o Direito Penal, por ser a ultima ratio, isto é, última esfera jurídica a ser aplicada aos problemas judiciais, não deve se isentar a fatos como este, resguardando a todos os cidadãos os seus direitos fundamentais expressos em nossa Constituição, evitando que a Lei seja tão-somente lida e interpretada apenas conforme o critério gramatical. Ela (Lei) deve ser compreendida em seu Sistema completo (interpretação sistemática), levando em consideração todas as nuances dentro de sua contextualização, com a atualidade e particularidade de cada caso.

Desde a primeira publicação da Lei que versa sobre as condutas envolvendo armas de fogo, até os dias de hoje, ocorreram várias modificações, inclusive, na presença do atual Estatuto do Desarmamento, como a determinação prevista em seu art.30 (data limite para registrar a arma de fogo) e como consequência, art.32 (quem entregasse a arma de fogo até o dia estipulado não seria punido), incidindo nesses artigos a Abolitio Criminis Temporária, estando relacionados à conduta de possuir arma ou munição de arma de fogo.

Ocorre que este prazo foi prorrogado por diversas vezes mediante leis e decretos, sempre pontuando uma data limite, sendo que desde a publicação da última lei versando sobre o tema, não ficou estipulado mais limite de tempo para a entrega de armas, passando a hipótese da Abolitio Criminis Temporária para definitiva. Ou seja, não há mais prazo para sua entrega, devendo por isso, os Tribunais presumirem a boa-fé de qualquer possuidor (ou seja, pessoa que tenha armas ou munições em casa ou dependência dela, ou ainda em casa-sede da fazenda) que tenha arma apreendida a qualquer tempo.

Por este prisma, é que devemos (re) pensar o Direito como deve ser, olhando desde o outro (focado na boa fé das pessoas). Ao continuarmos a ler somente a letra da lei e aplicá-la sem contextualizá-la, iremos nos deparar como já me deparei, com situações discrepantes em que um jovem de vinte e poucos anos recém-concursado, que foi denunciado por posse ilegal de arma de fogo, porque foi encontrada uma arma de fogo que tinha ganhado de seu avô (relíquia), e que fora apreendida quando a polícia capturava em sua casa, um ladrão, mas que nunca havia sido usada em qualquer delito pelo tal jovem.

No Direito, o provérbio “dois pesos e duas medidas” deve sempre ser observado e aplicado; Para cada erro uma punição, para cada crime um julgamento, e para cada cidadão uma pena para sua correção. Exemplos não faltam e, quando se fala em estatuto do desarmamento, exemplos são dados em demasia, impondo sempre uma apreciação e defesa embasada na técnica em conjunto dos contextos sociais.

Daniel S. Viegas Barroso - Sócio do Escritório FGBR Advogados, em Campo Grande (MS)
E-mail: [email protected]

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