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Amor mais que especial: adotar pets deficientes exige muito carinho

Saúde Plena - 14 de novembro de 2015 - 14:00

Assumir responsabilidade de um bichinho com deficiência exige preparos financeiro e emocional, além de adaptações na rotina
Assumir responsabilidade de um bichinho com deficiência exige preparos financeiro e emocional, além de adaptações na rotina

Se adotar é um ato de amor, levar para casa um animal com algum tipo de deficiência é algo que transcende o sentimento. Foi justamente o encanto pelos bichos especiais que motivou a fotógrafa australiana Alex Cearns a criar o Perfect imperfection (“Perfeição imperfeita”, em português), ensaio que ilustra esta reportagem. Cachorros com três patas, gatos que nasceram sem os olhos e animais com prótese, segundo a diretora-criativa do Houndstooth Studio, são exemplos que podem ensinar muito sobre a vida. “A maioria dos animais com ‘aflições’ não se afoga nelas. Eles se adaptam ao próprio corpo sem reclamações e sobrevivem com determinação”, justifica. “A tenacidade deles, em superar as adversidades, nunca deixa de me impressionar. Com eles, aprendi muito sobre sempre ver o lado positivo, em qualquer situação, e nunca a desistir.”

A maioria dos mais de 900 animais fotografados foram resgatados em organizações não governamentais australianas. Durante a sessão de fotos, Alex Cearns conta que descobriu que os tutores de animais deficientes também precisam ser especiais. “Os animais me apresentaram pessoas boas, amorosas, que entendem e valorizam as necessidades dos bichos, independente de qualquer diferença física”, explica. A mensagem principal, segundo ela, é que, os animais deficientes têm a mesma capacidade de amar de um pet “normal”. “Há algo de especial em adotar um animal com alguma diferença física e vê-lo florescer no ambiente doméstico certo. Qualquer coisa pode ser superada com amor e compreensão”, garante.

Porém, só amor não é suficiente. Assumir essa responsabilidade exige preparos financeiro e emocional, além de adaptações na rotina. Fernanda Graneiro, 34 anos, cuida da cadela Paçoca desde maio. A arquiteta, que já tinha seis cachorros não deficientes, teve que mudar seus horários para dar a Paçoca toda a atenção que ela precisa. Há cerca de três anos, a cadela foi atropelada, sofreu uma lesão na coluna e ficou paraplégica. Hoje, usa fralda e precisa ser monitorada constantemente, já que o acidente a deixou sem controle das necessidades fisiológicas. “Volta e meia, eu e meu marido chegamos em casa, a fralda escapou e está tudo sujo”, descreve. “Antes, era tudo mais dinâmico, era mais fácil sair de casa. Hoje, precisamos de uma programação. Ficamos, no máximo, seis horas seguidas fora”, explica.

A fralda da cadela precisa ser trocada várias vezes ao dia. Quando viajam, Fernanda e o marido contratam uma “babá” para cuidar dos pets. Como não consegue mexer as patas traseiras, Paçoca não pode se arriscar em terrenos de pedra ou asfalto, regra que aprendeu rapidamente. “Ensinamos a ela que só pode andar na cerâmica e ela obedece”, conta Fernanda, orgulhosa. “Tirando a deficiência, é uma cachorra normal, esperta e alegre. É um exemplo para todo mundo. Você olha para e pensa: ‘ela está superando, não reclama e, principalmente, não tem pena de si mesma. É um aprendizado para a vida inteira.”

De acordo com o veterinário Humberto Martins, a rotina é a primeira coisa que precisa ser adaptada assim que um animal com deficiência chega em casa. A mudança, claro, vai depender da especificidade de cada bicho. Se o animal tem dificuldade de locomoção, por exemplo, uma boa solução para facilitar o acesso a determinados locais da casa pode ser instalar rampas ou escadas perto do sofá. “Para animais cegos, o ideal é evitar mudar a disposição dos móveis, porque eles acabam se acostumando com aquela rotina”, completa.

Afastar objetos que possam machucar o bicho ou que correm o risco de serem derrubados também ajuda a garantir a segurança dos pets, explica o veterinário. Avaliar se há disposição de tempo e condições psicológicas para isso é fator importantíssimo para se levar em consideração. “Não pode ser só o impulso de fazer uma boa ação”, alerta.

“Não adianta só ter amor, senão o animal é devolvido.” Daniela Nardelli fala por experiência própria: integrante da ONG Projeto Adoção São Francisco, a administradora cuida, atualmente, de sete animais especiais. Como se pode imaginar, a vez de ganhar um lar demora mais para bichinhos deficientes. “A maioria das pessoas não quer ter trabalho. Todo mundo se penaliza, mas ninguém quer”, desabafa Daniela. Quanto mais complicada a situação deles, menos interessados aparecem. Se o problema é exclusivamente de locomoção, há mais chances de a adoção acontecer. Se a complicação envolve a falta de controle de urina e fezes, porém, encontrar alguém que queira se comprometer torna-se tarefa quase impossível. “Temos alguns que precisam, inclusive, de estímulos e massagens tanto para evacuar, quanto para urinar.” É o caso do Faísca, um cão sem raça definida, resgatado pela ONG. Após levar um tiro na medula e ficar paraplégico, o cão urina “andando”, o que o torna praticamente inelegível por um tutor que more em apartamento, por exemplo.

Questões estruturais também entram na lista de requisitos a serem observados antes de se adotar um animal deficiente. Pisos de cimento ou pedra, por exemplo, não são indicados para bichos que se locomovem arrastando membros superiores ou inferiores, já que, pela falta de sensibilidade, os animais poderiam se esfolar e se machucar sem perceber. Outro ponto frequentemente esquecido (especialmente quando a adoção é feito no impulso) é o fato de que o animal vai envelhecer e as dificuldades aumentarão ainda mais. “A pessoa precisa estar preparada, porque a velhice é outro trabalho”, reforça Daniela.

Cirlene Ornellas, pedagoga e também protetora de animais, diz que cães e gatos com deficiência chegam a amargar uma espera de anos até que algum tutor demonstre interesse. Ao todo, Cirlene ajuda mais de 100 animais, divididos entre sua própria casa, na de amigos e de parentes, além de hotéis para bichos. Entre eles, estão a paraplégica Valentina; a Lulu, que teve o pé decepado, e dois machos com paralisia na coluna. Cada um exige um grau de atenção diferente. Valentina, por exemplo, não come nada gorduroso: sua ração é diet e os petiscos são agrados proibidos. “Ela tem diarreia constantemente e, como usa fralda, é muito difícil para ela não se sentir incomodada.”

Além de amor aos animais, ter boa condição financeira é algo determinante para saber se há possibilidade de adotar um bicho especial. A mesma Valentina, por exemplo, exige, por dia, a troca de sete a nove fraldas. A cadela precisa, também, dormir em um colchão específico com tapete higiênico para evitar acidentes noturnos. Isso tudo sem contar as idas constantes ao veterinário, em que a consulta não sai por menos de R$ 200; além dos gastos com alimentação. Lenços umedecidos, probióticos, levedo de cerveja e até água de coco também entram na soma. “Ela tem imunidade baixa, então, tem dias em que ela amanhece com febre, pode pegar gripe, pneumonia. A pessoa tem que estar prevenida para gastar.” No fim das contas, contudo, nada disso importa quando o animal está feliz. Segundo Cirlene, cuidar de um bicho especial é uma missão de vida: “Acima de tudo, que tenha amor”.

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