Geral
Alcides Silva: "Nada existe entre eu e você
Língua portuguesa, inculta e bela!
Alcides Silva
Nada existe entre eu e você
É corriqueiro você ler ou ouvir frases como nada existe entre eu e você, isso é para mim fazer, ou frases semelhantes, onde o pronome oblíquo mim substitui o pronome pessoal reto eu, ou vice-versa.
Sabemos que o pronome pessoal, aquele que indica a pessoa gramatical, pode ser reto ou oblíquo. Os pronomes pessoais retos desempenham a função de sujeito e são eu, tu, ele ou ela, nós, vós, eles ou elas, conforme indiquem as primeiras, segundas ou terceiras pessoas gramaticais. Os pronomes oblíquos exercem a função de complemento verbal e podem ser tônicos ou átonos. São tônicos: mim, comigo, ti, contigo, ele, ela, si, consigo, nós, conosco, vós, convosco, eles, elas, si, consigo. São átonos: me, te, se, o, a, lhe, nos, vos, se, os, as, lhes.
Guarde este princípio: as formas oblíquas tônicas vêm sempre acompanhadas de preposição:
Para mim tudo está acabado - A ti devemos a liberdade Em ti repousam nossas esperanças A ele cabe a escolha Senhor, rogai por nós Acreditamos em vós Tudo foi acertado entre eles.
Pela tradição gramatical os pronomes eu e tu não devem vir regidos por preposição. Daí é incorreto, pela norma culta, você escrever ou falar frases como entre eu e tu.
No rigorismo da linguagem formal, o certo seria entre mim e ti:
Entre mim e mim há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos
Cecília Meireles; Viagens, poema Noções. (Obs. Não há erro de transcrição: os pronomes do verso ceciliano são mesmo mim e mim).
Às vezes, frases são encontradas com o pronome reto precedido de preposição e estão absolutamente corretas:
Isso é para eu fazer Este livro é para tu leres.
É que nessas frases, a preposição não está regendo o pronome, mas o verbo. Aqui, a preposição para não está regendo o pronome eu (sujeito do verbo fazer) ou o pronome tu (sujeito do verbo ler), mas os respectivos verbos.
Observe que nesses exemplos a ligação sintática é Isso é para fazer Este livro é para leres. E não Isso é para eu ou Este livro é para tu.
Todavia, na linguagem do dia-a-dia está se tornando comum o emprego das formas retas: Há enorme distância entre eu e você.
Aliás, essa construção vem se insinuando na linguagem literária desde Castilho e a tradução de Misantropo, de Molière, por ele feita em meados do século XIX:
Odeio toda a gente / com tantas veras dalma e tão profundamente, / que me ufano de ouvir que entre eles e eu existe / separação formal.
Um outro exemplo mais recente:
Entre eu e minha mãe existe o mar (Ribeiro Couto, Poesias Reunidas, edição de 1960).
Para concluir, se na linguagem falada, coloquial e descompromissada, existe a liberdade de empregar-se os pronomes eu e tu regidos por preposição, na linguagem culta, formal, essa faculdade constitui um solecismo, erro gramatical que deve ser sempre evitado em benefício de um texto limpo.