Geral
Alcides Silva: Morte ao gerundismo
Língua portuguesa, inculta e bela
Alcides Silva
Morte ao gerundismo
O governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal, acaba de demitir o gerundismo, essa praga que tomou conta da linguagem escrita e oral dos últimos tempos. O decreto publicado segunda-feira passada, 2 de outubro, é bem claro. Já no artigo 1º declara: Fica demitido o gerúndio de todos os órgãos do governo do Distrito Federal e o artigo 2º seu uso é proibido até para desculpa de ineficiência.
Bravo, bravíssimo! Pelo menos alguma coisa já está sendo feita.
Já comentei neste espaço que é muito freqüente, por macaquice à sintaxe inglesa, o emprego do gerúndio para expressar aspecto de ação futura: Vamos estar providenciando o pagamento Vou estar revendo meus conceitos - Chapadão do Sul, no próximo dia 23, vai estar comemorando mais um aniversário de fundação
Se na linguagem oral esses vai, vamos, ou vou estar podem ser tolerados até porque na fala de uma conversa informal, a liberdade sintática é conseqüência da naturalidade -, na linguagem escrita essas construções não devem ser admitidas.
O verbo estar, seguido de gerúndio, expressa uma ação que se prolonga por algum tempo: Está fazendo forte calor; o verbo ir, se acompanhado de gerúndio, exprime uma ação de retirada ou de saída, também de caráter durativo: É tarde e já vou indo, preciso ir embora, até amanhã, mamãe quando eu saí disse: filho, não demora em Braçanã, são versos extraídos de Menino de Braçanã, belíssima canção de Arnaldo Passos e Luiz Vieira, que a interpreta. Nessas situações, o tempo da ação é o do presente. Isso porque o gerúndio sempre apresenta um processo verbal em curso, em andamento, simultâneo, que está acontecendo ou aconteceu imediatamente antes da ação indicada na oração principal: Abrindo as janelas, respirei o ar puro da manhã.
É sabido que o gerúndio é a forma nominal do verbo usada para exprimir uma circunstância ou formar, quando conjugada com os auxiliares andar e estar, verbos freqüentativos (exprimem ações repetidas ou freqüentes), ou para expressar a ação incoativa (ação que começa) de um verbo, quando estiver junto dos auxiliares ir e vir.
Nos exemplos apresentados na abertura deste comentário, o emprego do gerúndio é irregular porque a ação verbal está a ser realizada, no futuro e o uso do gerúndio é impróprio quando houver distância entre o tempo da ação por ele expressada e o da ação do verbo principal.
É aí que está a influência da língua inglesa. O tal do tempo present continuous do falar americano, quando reflete ações já planejadas: They are moving next week = Eles estão se mudando na próxima semana. Que, aliás, nada mais é que o nosso futuro simples: Eles estarão se mudando... (ação simultânea).
O prof. Agostinho Dias Carneiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicou pela Editora Moderna, do Rio, um livro-guia muito bom: Redação em construção. E lá ele sintetiza a seguinte regra geral: O gerúndio está bem empregado quando:
- há predominância do caráter verbal ou adverbial;
- o caráter durativo da ação está claro; e
- a ação expressada é coexistente ou imediatamente anterior à ação do verbo principal.
Pelo que se vê, os exemplos com que iniciei este comentário, por exprimirem ações futuras, fogem dessa regra geral, constituindo-se todos, destarte, em uso irregular e abusivo do gerúndio, o gerundismo, cuja morte foi decretada no governo do Distrito Federal.