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Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 30 de novembro de 2007 - 07:00

Língua portuguesa, inculta e bela!
Alcides Silva
A gente e o joelho
Gente, diz o Aurélio, como lembrado no comentário da semana passada, significa um número indeterminado de pessoas, ou mesmo uma só pessoa; alguém: ‘Havia gente batendo à porta’; genuflexório é o nome de um móvel ou de um local onde o cristão reza compenetrado: ‘Ergueu-se do genuflexório e se benzeu”; genitor é o que gera ou gerou; genuíno é o legítimo, o verdadeiro, cuja autenticidade não pode ser posta em dúvida: ‘Este é um genuíno uísque escocês’. Todos derivados de gens.
Primitivamente, gens era a família, um grupo de pessoas ligadas a um ancestral comum, possuindo um nome também comum, o sobrenome dos nossos tempos. Depois, os romanos, vaidosos de sua cidadania (cives romanus), passaram a chamar de gens os que não haviam nascido em Roma.
Paulo de Tarso, o Apóstolo das Gentes, veio a ser assim denominado porque sua missão foi a de converter os gentios, na linguagem eclesiástica, os pagãos. A palavra gente, primitivamente significando a prole, a geração ou a raça, com o evolver do tempo passou a expressar o gênero humano, a pessoa.
Essas palavras gente, genitor, genuíno e genuflexório têm de comum... o joelho, em latim, geno.
Uma rápida explicação: no antigamente, toda casa do grego ou do romano, possuía um altar e nesse altar deveria sempre existir o fogo ou brasas. Desgraçada a casa onde o fogo se extinguisse! A religião deles era doméstica, de culto aos ancestrais masculinos mortos, tidos como entes sagrados. Cada morto era um deus, sem necessidade de ter sido virtuoso em vida.
Duas famílias podiam viver juntas, uma ao lado da outra, mas tinham deuses diferentes. A filha, enquanto solteira, cultuava os deuses de seu pai: casada, os do marido.
Para o casamento, a moça, de branco e coroa à cabeça, era levada à casa do marido, onde não ingressava por seus próprios pés. Era preciso que o noivo a arrebatasse, simulando um rapto. Como com o matrimônio ela deixava o culto dos deuses de sua infância e mocidade, deveria dar alguns gritos, mostrar-se contrariada, manifestando dor, como se lamentasse o iminente desligamento de seus deuses do antigo lar, que até então cultuara. Por isso, o gesto romântico ainda presente, de a noiva ser levada ao leito conjugal, carregada pelo noivo.
O matrimônio tinha por objetivo a perpetuação da família. Tanto que as antigas legislações determinavam o casamento da viúva, que não tivesse tido filho varão, com o mais próximo parente de seu marido. “O filho nascido desse segundo casamento era considerado como filho do defunto”, explica Fustel de Coulanges (A cidade antiga, vol. I, p. 71, da 8ª ed., Lisboa, 1953).
O nascimento da filha, porém, não satisfazia ao fim do casamento, porque a mulher não podia continuar com o culto doméstico.
Nascido o filho, no nono dia, ocorria sua iniciação no culto, uma espécie de batismo, de purificação. O pai reunia a família, chamava testemunhas e realizava, então, uma cerimônia ao redor do fogo sagrado, ao fim da qual o menino recém nascido era pego pelo pai e colocado em seus joelhos, para exprimir com esse gesto que o reconhecia como seu filho legítimo, filho autêntico, genuinu, o que foi colocado sobre os joelhos.
Daí as palavras gente, genitor, gentílico (próprio de uma família), genuíno, genuflexório terem o mesmo prefixo gen, de geno, o joelho, a significar ou o ato religioso de reconhecimento do filho varão, ou a pessoa (genitor) que o reconheceu, ou ainda a família (gente) onde foi reconhecido.


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