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Alcides Silva: Língua Portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 27 de agosto de 2009 - 11:35

Outra vez o gerúndio

Pelo correio eletrônico pede-me o leitor Lázaro que lhe esclareça uma “dúvida, muito antiga, sobre a origem e o uso do gerúndio”. Segundo ele, essa forma verbal “não é usada de maneira nenhuma, tanto na linguagem escrita, como na língua falada, em Portugal”, embora muito empregado no Brasil, o que lhe parece um paradoxo.
Não sei de onde você, Lázaro, colheu essa informação de que o gerúndio é uma criação do português que se fala no Brasil.
O gerúndio é tão antigo que no latim era um substantivo-verbal, que entrava na conjugação do verbo ao lado do infinitivo e do supino. O idioma português herdou, como as demais línguas românicas, a forma ablativa: o sufixo ndo precedido da vogal temática, a (ando = falando; endo = correndo e indo = sorrindo.
O gerúndio é empregado em Portugal normalmente, tanto quanto ou até mais que no Brasil:
“Proferindo estas palavras, o gardingo atravessou rapidamente a caverna e desapareceu as trevas exteriores” (Alexandre Herculano – ‘Eurico, o presbítero’, 32ª ed., Bertrand, Lisboa, s.d., p. 180) [gardingo = homem nobre];
“Andando, andando, escureceu-nos” (Adelino Ribeiro: “O Malhadinhas – mina de diamantes”, Bertrand, Lisboa, p. 137);
“Vagaroso, o tempo foi passando” (Miguel Torga: “Novos Contos da Montanha”, 3ª ed., Coimbra, p. 21);
“Já no largo oceano navegava / As inquietas ondas apartando; / Os ventos brandamente respiravam / Das naus as velas côncavas inchando” (Camões: “Os Lusíadas”, I, 18).
O gerúndio é a forma nominal do verbo usada para exprimir uma circunstância ou formar, quando conjugada com os auxiliares andar e estar, verbos frequentativos, ou para expressar a ação incoativa (incoar = começar, principiar) de um verbo, quando estiver junto dos auxiliares ir e vir.
A grande questão ligada ao uso do gerúndio é que esta forma verbal é amplamente empregada de forma incorreta, principalmente em serviços de telemarketing e atendimento ao consumidor:: “O senhor pode estar respondendo a uma pesquisa?”
Esse vício de linguagem tem suas origens na língua inglesa. Seria uma tradução literal do emprego do verbo “going to”. Ex: “I am going to do something” (Estou indo fazer algo). O gerúndio é corretamente usado quando transmite a idéia de movimento, progressão, duração, continuidade.
Em Portugal é comum o emprego do infinitivo, regido da preposição a, em locuções formadas com os verbos andar, estar, ficar, viver e semelhantes, com o valor de gerúndio:
Andam a correr pelas ruas - Estou a ouvir um ruído - Ficou a esperar o amanhecer - Vive a chorar pelos cantos da casa.
Quando precedido da preposição em indica tempo, condição ou hipótese:
“Em Vieira morava o gênio; em Bernardes o amor, que em sendo verdadeiro, é também gênio” (Castilho, in “Antologia Nacional”, p. 186).
Veja, meu caro Lázaro, que a informação que lhe passaram a respeito do gerúndio é totalmente falsa. O que talvez lhe tenham dito é que o português de Portugal ainda não está contaminado pelo gerundismo, a mania do brasileiro moderno: “Neste domingo vou estar assistindo ao jogo São Paulo x Palmeiras”- “Precisamos estar construindo um novo modelo econômico”. Isso, porém, já foi assunto de um outro comentário.

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