Geral
Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela
Os verbos da modéstia
Tem-se visto, com muita freqüência, o emprego do verbo gostar e outros de sentido semelhante, no futuro do pretérito, utilizado em situações que indicam ser do presente do indicativo. E isso ocorre geralmente em frases que expressam um pedido, uma solicitação ou uma súplica: Gostaria de convidar V.S. para as solenidades....; Apreciaria contar com sua presença...; Pretenderia fazer umas considerações iniciais...; Pediria um minuto de silêncio; Solicitaria a atenção de todos os presentes.
Nas situações acima, o sujeito do verbo está realizando a ação (convido V.S., conto com sua presença, faço umas considerações iniciais, peço um minuto de silêncio, solicito a atenção).
O tempo verbal é o presente do indicativo.
Qual a razão, então, do uso do futuro do pretérito?
Com esses verbos ocorre o mesmo fenômeno que se dá com certos pronomes que são empregados no plural. embora enunciem o singular: Nós, disse o prefeito, faremos essa obra (O nós dessa frase, equivale a eu), os denominados plurais de modéstia.
Nessas circunstâncias, tanto o verbo como o pronome apresentam um sentido de sobriedade, uma ausência de vaidade, de aparente inferioridade da pessoa que fala com relação à pessoa com quem se fala. Enfim, uma situação de modéstia. E são empregados para evitar o tom impositivo ou ordenatório ou, ainda, a qualidade muito pessoal do que se está dizendo.
Se ao invés de escrever Gostaria que os senhores viessem ainda hoje efetuar o pagamento da dívida, eu usasse a forma imperativa e dominadora de Quero que os senhores venham ainda hoje efetuar o pagamento da dívida, por certo não obteria o mesmo resultado no relacionamento humano. Na primeira frase estou solicitando polidamente; na segunda, ordenando peremptoriamente.
O que ocorre com o verbo gostar, que no futuro do pretérito adquire uma conotação de súplica, também acontece com pedir, solicitar, implorar, apreciar e outros verbos rogativos.
O uso do futuro do pretérito com o sentido de presente do indicativo tem de ser moderado, sob pena de pedantismo. Como pedante também é o emprego exagerado do plural de modéstia. Tudo bem regrado, porque a elegância oca, a afetação retórica, a exuberância léxica, o fraseado bonito mais falseiam a expressão das idéias do que contribuem para a sua fidedignidade, explica o prof. Othon Garcia, em Comunicação em prosa moderna. Aliás, virtus in medius, diziam os romanos no alvorecer da civilização.
E há quase um século, um dos maiores filólogos brasileiro, Said Ali, escrevia que deve ter sido um deus o que inventou a divina arte de escrever. Os gênios por ele inspirados fundam e criam a linguagem literária, o falar culto, aquele que serve de modelo à posteridade, modificado com o progredir dos tempos, com o desenvolvimento intelectual e material de uma nação, mas a mesma linguagem na essência.
Importante lembrar que não é errado quando o sujeito nós for um plural de modéstia, ficar o predicativo no singular, como se o sujeito fosse o pronome eu: Ficamos admirado por sua coragem (Fiquei admirado por sua coragem) Estamos convencido de sua lealdade (Estou convencido de sua lealdade).