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Geral

Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela

Alcides Silva/ O Jornal de Santa Fé do Sul - 26 de janeiro de 2005 - 08:24

Os verbos da modéstia

Tem-se visto, com muita freqüência, o emprego do verbo ‘gostar’ e outros de sentido semelhante, no futuro do pretérito, utilizado em situações que indicam ser do presente do indicativo. E isso ocorre geralmente em frases que expressam um pedido, uma solicitação ou uma súplica: “Gostaria de convidar V.S. para as solenidades....”; “Apreciaria contar com sua presença...”; “Pretenderia fazer umas considerações iniciais...”; “Pediria um minuto de silêncio”; “Solicitaria a atenção de todos os presentes”.
Nas situações acima, o sujeito do verbo está realizando a ação (‘convido V.S.’, ‘conto com sua presença’, ‘faço umas considerações iniciais’, ‘peço um minuto de silêncio’, ‘solicito a atenção’).
O tempo verbal é o presente do indicativo.
Qual a razão, então, do uso do futuro do pretérito?
Com esses verbos ocorre o mesmo fenômeno que se dá com certos pronomes que são empregados no plural. embora enunciem o singular: “Nós, disse o prefeito, faremos essa obra” (O ‘nós’ dessa frase, equivale a ‘eu’), os denominados plurais de modéstia.
Nessas circunstâncias, tanto o verbo como o pronome apresentam um sentido de sobriedade, uma ausência de vaidade, de aparente ‘inferioridade’ da pessoa que fala com relação à pessoa com quem se fala. Enfim, uma situação de modéstia. E são empregados para evitar o tom impositivo ou ordenatório ou, ainda, a qualidade muito pessoal do que se está dizendo.
Se ao invés de escrever ‘Gostaria que os senhores viessem ainda hoje efetuar o pagamento da dívida”, eu usasse a forma imperativa e dominadora de “Quero que os senhores venham ainda hoje efetuar o pagamento da dívida”, por certo não obteria o mesmo resultado no relacionamento humano. Na primeira frase estou solicitando polidamente; na segunda, ordenando peremptoriamente.
O que ocorre com o verbo “gostar”, que no futuro do pretérito adquire uma conotação de súplica, também acontece com “pedir”, “solicitar”, “implorar”, “apreciar” e outros verbos rogativos.
O uso do futuro do pretérito com o sentido de presente do indicativo tem de ser moderado, sob pena de pedantismo. Como pedante também é o emprego exagerado do plural de modéstia. Tudo bem regrado, porque “a elegância oca, a afetação retórica, a exuberância léxica, o fraseado bonito mais falseiam a expressão das idéias do que contribuem para a sua fidedignidade”, explica o prof. Othon Garcia, em “Comunicação em prosa moderna”. Aliás, “virtus in medius”, diziam os romanos no alvorecer da civilização.
E há quase um século, um dos maiores filólogos brasileiro, Said Ali, escrevia que “deve ter sido um deus o que inventou a divina arte de escrever. Os gênios por ele inspirados fundam e criam a linguagem literária, o falar culto, aquele que serve de modelo à posteridade, modificado com o progredir dos tempos, com o desenvolvimento intelectual e material de uma nação, mas a mesma linguagem na essência.”
Importante lembrar que não é errado quando o sujeito nós for um plural de modéstia, ficar o predicativo no singular, como se o sujeito fosse o pronome “eu”: “Ficamos admirado por sua coragem” (“Fiquei admirado por sua coragem”) – “Estamos convencido de sua lealdade” (“Estou convencido de sua lealdade”).

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