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Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 24 de outubro de 2008 - 07:14

O G e o J história da língua portuguesa

O substantivo ‘viagem’, do provençal ‘viatge’, derivado do latim ‘viaticum’, palavra como eram designadas as ‘provisões para o caminho’, é um caso de metonímia (emprego do conteúdo pelo continente). A comida que se levava para uma caminhada, para uma ida, passou a significar a própria jornada.
O provençal, dialeto derivado do latim vulgar, foi falado no Sul da França até a Idade Média e teve grande influência na formação do falar galaico-português, de onde resultaram o castelhano e o português.
A Península Ibérica, da qual Portugal faz parte, começou a ser povoada ao menos uns 900 anos antes de Cristo pelos iberos, celtas, fenícios e gregos, mas isso pouco influiu na história da língua portuguesa, cujo marco inicial pode ser retroagido à romanização da Península, processo iniciado com a fixação das legiões romanas, para lá enviadas a fim de expulsar os cartagineses que, comandados por Aníbal, em 218 a.C., cercaram Sagunto, importante cidadela da Península.
No século IV da era cristã, o latim alterado pelo falar cotidiano, era a língua dominante em toda a Península. Com a invasão dos bárbaros no século V, da qual resultou a queda do Império Romano, começou uma alteração acelerada da língua falada pelo povo, de forma tal que, no século VIII, já se reconhecia um dialeto independente, a que se deu o nome de ‘romanço’(= românico). Todavia, os documentos escritos ainda eram redigidos em latim, no latim dos tabeliães, um latim bárbaro entremeado de palavras portuguesas.
O mais antigo documento que se tem notícia escrito em língua portuguesa é uma canção lírica de Paio Soares de Traveirós, dedicada à amante do rei Sancho I, d. Maria Paes Ribeiro (“A Ribeirinha”), datada de 1189, que falava de um amor impossível,
Em 1290, D. Dinis, o Rei Trovador, tornou obrigatório o uso da língua portuguesa e fundou, em Coimbra, a primeira universidade.
Se seguir contando a evolução do falar arcaico, do processo de enriquecimento e aperfeiçoamento surgido após o Renascimento, da gramaticalização do idioma, estarei fazendo uma viagem, uma jornada, uma peregrinação pela história da língua portuguesa. Se, todavia, meu intuito é fazer com que os leitores procurem se inteirar dessa mesma história, estarei incentivando-os a viajar, a percorrer esse mesmo passado. Que viajem por esse universo.
Viagem, substantivo, escrito com ‘g’, como já se disse na abertura deste comentário, tem origem histórica no provençal viatge.
Viajem, 3ª pessoa do plural do presente do subjuntivo ou 2ª pessoal do plural do imperativo afirmativo do verbo viajar (do latim via> caminho percorrido, trajeto), mantém o j do radical em todos os seus tempos, modos e pessoas. Aliás, os verbos em cujo infinitivo se encontra o j (avantajar, encorajar, enferrujar, engajar, linguajar, trajar, ultrajar, viajar, etc.), são regulares e não necessitam de alteração no radical para conservar o som. Daí: ‘Espero que viajem bem’ – ‘Mantenham a coragem e encorajem seus companheiros’ – ‘Evitem a ferrugem: pinte as cadeiras para que não se enferrujem’.
O ge e o gi portugueses geralmente representam um g latino; gibba> geba (= corcunda, mulher feia); agitare> agitar; gelu>gelo. Suggerere>sugerir.
Já o j português veio ou da consonantização do i semiconsoante latino: maiestate>majestade; iactu>jeito, ou da palatização do s + i, ou do grupo di + vogal: basiu> beijo; caseu>queijo; hodie>hoje (apud Dolores Carvalho e Manoel Nascimento “Gramática Histórica”, 6ª ed., Ática, São Paulo, 1970, p.73).
O mestre Said Ali explica “como certo é que naquelas palavras onde hoje escrevemos e pronunciamos o j, a pronúncia antiga não diversificava da nossa, embora em ditas palavras pusessem ora j ora i, como em peleja e peleia, seja e seia, aja e aia, junto e iunto, jaz e iaz (“Gramática História da Língua Portuguesa”, Livraria Acadêmica, Rio, 1971, p.36).
Quem sabe, numa outra oportunidade,se a tanto não me derrear a angústia camoniana do “engenho e arte”, prosseguiremos esta viagem, que me fascina.

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