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Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 23 de julho de 2009 - 11:15

Vírgula vicária

Na última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, na quarta-feira, 22, os juros caíram meio ponto, o que teria desagradado os grandes industriais. O corte foi de 0,50 ponto percentual, de 9,25% para 8,75% ao ano. Título de manchete noticiando o fato: Indústria reclama juros ainda menores contra crise; Fiesp defende 7%; comércio, não. Para os fins desta coluna não há interesse na matéria jornalística em si. Para estes comentários, porém, o ponto de saliência daquela manchete é o papel da vírgula na terceira oração: ‘comércio, não’. Os estudiosos chamam-na de vírgula vicária, porque exerce a função de representar um outro termo, geralmente um verbo, no caso, ‘reage’.
Vicária é uma palavra que tem a mesma origem do termo vigário (do latim vicarius- a- um: que faz as vezes de..., substituto, padre que responde pela diocese na ausência do bispo). Palavra da família do advérbio latino vice (= em vez de..., à moda de...), com uma conotação ideológica de substituição. Etimologicamente, vice-presidente, vice-governador, vice-prefeito, vice-almirante, vice-cônsul seriam aqueles que agissem à maneira do respectivo titular. Cf. visconde (do latim, vicecomite = substituto do conde).
Hoje, vice é o substituto ou sucessor natural do titular de determinado cargo, aquele que lhe faz as vezes.
A supressão (ou elipse) do verbo pela vírgula vicária é uma figura de sintaxe, denominada de zeugma.
Gramáticos há, como Said Ali (Gramática secundária, 8ª ed;, Melhoramentos, São Paulo, 1969, p. 217), que consideram que só ocorre zeugma quando a palavra subentendida tem forma flexional diferente da do termo mencionado anteriormente: A casa era modesta e as crianças, tímidas (as crianças eram tímidas). Outros, e a maioria, dizem que existe zeugma sempre que “uma palavra já exprimida numa oração se subentende na outra, que lhe é análoga ou ligada: A aurora é o riso do céu, a alegria dos campos, a respiração das flores, a harmonia das aves, a vida e o alento do mundo” (Carneiro Ribeiro, Serões Gramaticais, 5ª ed., Livraria Progresso Editora, Salvador, 1950, p. 763).
Zeugma é um substantivo comum de dois gêneros, embora alguns estudiosos entendam-no exclusivamente masculino (Napoleão Mendes de Almeida: Dicionário de Erros e Correções, Saraiva, São Paulo, 1955, p. 272, por exemplo) e outros, unicamente feminino (Celso Cunha & Lindley Cintra: Nova Gramática do Português Contemporâneo, 3ª ed., Editora Nova Fronteira., Rio, 2001, p. 624).
Pode ocorrer antecipadamente, isto é, a omissão é feita na primeira oração, para ser expressa a palavra na oração seguinte: Não fora este, outros fatos teriam acontecidos.
Nem sempre na zeugma é necessária a vírgula. Vezes há em que esta, se colocada, pode trazer ambigüidade:
Nem ele nos entende, nem nós a ele (entendemos).
Se, no exemplo, houvesse vírgula vicária, a leitura seria de compreensão mais difícil:
Nem ele nos entende, nem nós, a ele.
Por isso, como a virtude está no meio, a vírgula vicária não é panacéia gramatical; deve ser utilizada com muita cautela, levando-se em consideração que o principal é a clareza do que se fala ou se escreve.

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