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Alcides Silva: Língua Portuguesa, Inculta e Bela

Alcides Silva - 21 de outubro de 2010 - 15:30

‘O ‘galo’ de Serra repercutiu’

Na tarde de quarta-feira, 20, quando em campanha no bairro de Campo Grande, Rio, o presidenciável José Serra foi atingido na cabeça com um objeto inicialmente identificado como um rolo de embalar fitas adesivas. A assessoria do candidato informou que ele ficou tonto e, por isso, foi encaminhado ao hospital. Os manifestantes carregavam cartazes, gritavam e atiraram pedras na van onde estava a comitiva de Serra.
Repercutindo, nesse mesmo dia. Dilma Rousseff repudiou a agressão sofrida pelo adversário e fez um apelo para que a militância agisse sem ódio e com fraternidade.
Tucanos qualificaram a atitude como gesto facista, atribuindo-o ao PT; petistas, por seu turno, alegaram que o episódio era jogada de marketing de Serra para ganhar uma eleição que já está perdida.
O xis do problema está no verbo repercutir, tido e havido como transitivo direto desde os tempos imemoriais (repercutir algo, alguma coisa), vir empregado como intransitivo, isto é, a ação verbal se completa no próprio verbo.
Vamos recordar juntos: todo enunciado (frase ou oração) tem uma estrutura dual, isto é, pode ser repartido em dois termos, sujeito e predicado. Na oração, em termos gerais, sujeito é o ser de quem se declara alguma coisa e predicado é aquilo que se diz do sujeito (Serra [sujeito] é candidato a Presidente da República [ predicado]; Os militantes [sujeito] atiraram pedras na van da comitiva de Serra [predicado]). Normalmente, o que não é sujeito ou não está no sujeito, é predicado.
No predicado há sempre um verbo (claro ou oculto) e esse verbo é que vai nos indicar se aquilo que se diz do sujeito é um predicado nominal ou predicado verbal.
Predicado é sinônimo de “atributo”. Daí, predicado é o elemento da oração que atribui algo ao sujeito. O predicado pode ser nominal (a significação do verbo se concentra num nome, isto é, num substantivo ou num adjetivo e representa uma visão estática ou fotográfica do mundo: Serra é teimoso; Serra está machucado), ou verbal (a ação se concentra num verbo e traduz uma visão dinâmica ou cinematográfica do mundo: Serra quis enfrentar os manifestantes no corpo-a-corpo).
Quando aquela ação é representada por um único vocábulo, isto é, pelo próprio verbo, temos um verbo intransitivo (Serra gritou) ou pronominal (Serra machucou-se); quando necessitar de mais palavras para completar o sentido daquela ação, estaremos diante um verbo transitivo, cuja ação transita (passa) do verbo para a expressão (objeto) que completa o seu sentido. Essa transição pode ser direta - verbo transitivo direito = o complemento é ligado ao verbo sem necessidade de preposição (Serra recebeu uma pedrada); ou indireta - verbo transitivo indireto = o complemento se junta ao verbo através de uma preposição (“Serra não compartilha das agruras do magistério”).
O verbo repercutir, de origem latina (repercutere = re [ movimento para trás] + percutere [bater ou tocar fortemente em alguma coisa, produzindo um som], tem atualmente, na linguagem moderna, diversos significados, dentre eles o de ato ou efeito de refletir ou ecoar determinado acontecimento: A crise econômica está repercutindo em todo o país.
O “Aurélio século XXI”, após referir-se à tradicional regência do verbo (“V. t, d. 1. Reproduzir, refletir (o som), “As montanhas repercutem o som das cornetas”. 2 . Fazer, emitir ou ecoar o som de: “Os tambores repercutem as batidas das baquetas”. 3. Desviar a direção de; refletir: “A trave repercutiu a bola”. “O espelho repercute a luz”, margeia: “Int. 4. Repetir-se, refletir-se (som, luz), percutir, repercutir-se: “O estrondo repercutiu em todo o vale”.
Também em Celso Luft (Dicionário Prático de Regência Verbal), encontra-se exemplos da intransitivação desse verbo, com o significado de “transmitir seus efeitos: As medidas do governo talvez demorem a repercutir”.
Nesse sentido de “causar repercussão”, “obter ressonância”, deve ser empregado com verbo intransitivo, sem complemento, embora isso ofenda purismo dos mais afetados.
Nos fatos lingüísticos, o uso costumeiro gera a lei gramatical, como reiteradamente tenho afirmado nesta coluna, onde, aliás, cada vez mais aprendo que transmito. O povo é quem faz a língua, que é substancialmente dinâmica!

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