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Geral

Alcides Silva: Língua Portuguesa, inculta e bela

Alcides Silva - 20 de março de 2009 - 09:37

Está na hora de a onça beber água

Possivelmente você já leu neste jornal frases como estas: “O fato de os consumidores fazerem uso excessivo da energia elétrica, ocasionou o apagão”. Da mesma forma, você já deve ter ouvido essas mesmas frases com o “de eles” ou “de o” fundidos: “O fato dos consumidores fazerem....”
Na linguagem coloquial, na fala do dia-a-dia, a contração da preposição com o artigo é uma variante lingüística que gramáticos, como Adriano da Gama Koury, consideram válida: “Cheguei antes do banco abrir suas portas”. E é dessa maneira que se fala no Brasil.
Sabemos que há uma linguagem popular, oral, coloquial, condescendente com as regras gramaticais e uma outra, formal, escrita, culta, presa a conceitos lingüísticos preestabelecidos. O falar “entra para dentro” é bem diverso do “entre”, embora ambas as expressões estejam a formular um mesmo convite.
Vamos aprender do infinitivo juntos: Votarem e libertar são verbos no infinitivo. Qual o sujeito do infinitivo “votarem”? – “Eles”. E de “liberar”? – “O prefeito”. Note que todos esses sujeitos estão precedidos de uma preposição (de + ele = dele; de + o = do). É regra gramatical: a preposição não se funde com o sujeito do infinitivo. Mudemos os termos das orações tomadas como exemplos: “No caso de votarem eles a favor do projeto...” – “Na eventualidade de liberar o prefeito a verba”. Observe que com essa mudança, o sujeito ficou depois do verbo e a preposição de antes.
Preposição é a palavra invariável que relaciona dois termos da oração, de tal maneira que o sentido do primeiro termo – antecedente – é explicado ou completado pelo segundo – conseqüentemente: (Casa de Pedro). Nos exemplos acima, a preposição de não está relacionando os termos antecedentes (respectivamente eventualidade e caso) aos termos conseqüentes (o prefeito e eles). Resumindo: não se pode fundir tal preposição com o pronome eles, do primeiro exemplo, e nem com o artigo o (de o prefeito), do último, porque estas palavras estão separadas da preposição. Lembre-se, a preposição une dois termos.
Assim, em linguagem formal não podemos contrair a preposição com um artigo ou um pronome que antecedam o termo que funciona como sujeito do infinitivo.
Dito isso, “Está na hora de a onça beber água”, é a linguagem escrita nos padrões gramaticais vigentes. Mas a sonoridade do falar brasileiro, este menos rígido que o lusitano, (note: falar brasileiro) tende a fundir o “de” com “ele”, com o “o” e com o “a”, a ponto de gramáticos de peso consideram válida essa contração.
O professor Pasquale Cipro Neto tem uma passagem que é a chave-de-ouro deste comentário: “Vale lembrar uma velha canção popular: “Eu devia estar feliz pelo Senhor ter me concedido um domingo para ir com a família ao Jardim Zoológico...” Reconheceu? “Ouro de tolo”, interpretada por Raul Seixas. Qual o sujeito do verbo ter? É “o Senhor” é claro. Pela lógica, a preposição “por”, que não faz parte do sujeito, não se funde com o artigo “o”. “Eu devia estar feliz por o Senhor ter me concedido...”. No padrão estritamente formal é assim. Mas que dá uma tremenda vontade de fundir “por” e “o” dá, ou não dá?.
“Cá entre nós, aconselha o professor Pasquale, é muito melhor mudar a ordem: “Eu devia estar feliz por ter o Senhor me concedido um domingo...”. “ Não é para fugir do problema, não. É por clareza e elegância mesmo”.

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