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Geral

Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela

Alcides Silva - 19 de julho de 2012 - 17:46

“Pernas, para que te quero!”
Explica o Aurélio que essa expressão indica a ação de fugir correndo ante um perigo. E fala o respeitado dicionarista que tal exclamação é gramaticalmente incorreta. Se o substantivo “pernas” é plural, o pronome também deveria estar no plural. Daí, respeitados os cânones, dever-se-ia dizer “Pernas, para que vos quero”. Ocorre, porém, que os fatos linguísticos nem sempre estão coerentes com a própria gramática. O povo é que fala gostoso o Português do Brasil, já dizia o poeta Manoel Bandeira. Nem sempre, porém, o povo tem razão absoluta.
Isso tudo veio-me à mente ao ler o recado mandado por Márcio José, que se qualificou como graduando em Letras, de São José do Rio Preto: “Antes de começar, tenho certeza que não serei ouvido, mas ...não concordo quando se fala em \\\"erro\\\", o que existe é um variação e que talvez venha a se tornar a forma padrão, lembrem-se das formas do passado que não existem mais. Se todos começarem a usar \\\"menas\\\", aceitando esta como forma correta, a gramática será obrigada a aceitá-la” (na transcrição conservei, o quanto pude, a forma original do “e-mail”).
Quando eu disse que o \\\"menas\\\", usado por Ana Maria Braga e por muita gente, era palavra que ainda não existia no vernáculo, referia-me aos hábitos linguísticos da comunidade idiomática a que pertencemos, a língua atual que praticamos, na qual mencionada expressão se constitui em vício de linguagem, em barbarismo, em erro. Não posso falar em termos de ‘língua futura’, que desconheço.
Tenho dito com muita frequência que a língua é dinâmica – e isso não é novidade para ninguém. O que hoje é tido como erro ou negligência, amanhã poderá ser acerto, e vice-versa.
As palavras, produto da atividade humana, passam também por um processo de evolução. Todavia, a mudança linguística não é arbitrária ou anárquica, e nem ditadora é a língua do povo, porque preceitos há que se eternizam.
A língua não pode ficar presa à dicotomia de certo-errado e nem no liberalismo doutrinário de que a linguagem se desenvolve melhor no estado natural, sem as peias das épocas pretéritas. Entendo, com Eugenio Coseriu (“La geografia linguística”), que “a linguagem expressa o indivíduo por seu caráter de criação, mas expressa também o ambiente social e nacional, por seu caráter de repetição, de aceitação de uma norma, que é ao mesmo tempo histórica e sincrônica; existe o falar porque existem indivíduos que pensam e sentem, e existem “línguas” como entidades históricas e como sistema e normas ideais, porque a linguagem não é só expressão, finalidade em si mesma, senão também comunicação, finalidade instrumental, expressão para outro, cultura objetivada historicamente e que transcende ao indivíduo”.
No caso do “menas”, que no dizer anticorretista de Márcio José poderá ser aceita nas gramáticas do futuro, no falar de Ana Maria Braga e de muita outras pessoas, contrários aos padrões normais da língua, era a expressão de um limitativo de quantidade (menos farinha). Quer funcione como adjetivo, quer como advérbio, é palavra invariável: sem gênero, número ou grau. “Mais amor e menos confiança”, “A mãe é menos severa que o pai”, “Aquela menina é a menos inteligente da classe”, “A rosa é flor menos duradoura que a orquídea”

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