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Alcides Silva: Língua Portuguesa, Inculta e Bela!

Alcides Silva - 17 de agosto de 2007 - 08:57

‘Você’ é pronome. Da 2ª ou da 3ª pessoa?

Você é pronome de tratamento e, como tal, refere-se ao ouvinte, [à pessoa com quem se fala], sob a perspectiva de uma sua qualidade ou dignidade, o que leva o verbo para a 3ª pessoa gramatical. Embora use formas da segunda pessoa do plural, gramaticalmente é pronome da 3ª pessoa. Lingüisticamente, porém, o é da 2ª pessoa. Vamos relembrar: Aprendemos que os pronomes pessoas indicam na fala ou na escrita: a - quem fala, o falante (1ª pessoa); b - com quem se fala, o ouvinte (2ª pessoa); c- de quem se fala, o que não está tomando parte na conversa (3ª pessoa).
Os pronomes pessoais podem ser do caso reto (quando sujeito da oração) ou do caso oblíquo (se complemento). Esquematizando:
Pronomes retos Pronomes oblíquos
1ª pessoa: eu, nós me, mim, comigo; nos, conosco
2ª pessoa: tu, vós te, ti, contigo, vós, convosco
3ª pessoa: ele, ela, eles, elas o, a, se, si, consigo; os, as, lhes
Os pronomes de tratamento, certas palavras e locuções como você, o senhor, Vossa Senhoria, e outras, que se usa no tratamento cerimonioso, valem como verdadeiros pronomes pessoais.
De passagem, um lembrete: quando o pronome oblíquo da 3ª pessoa (sempre objeto direto) vier antes do verbo, empregamos o, a, os, as: “Não o vejo há três dias”; quando depois do verbo, liga-se a este por hífen e sua forma depende da terminação do verbo:
a - se a forma verbal terminar em r, s, ou z, suprimem-se essas consoantes e emprega-se lo, la, los, las: “Reformou as casas para vendê-las”. “Ama-la-ei para sempre”;
b - se a expressão do verbo terminar em vogal ou ditongo oral (o som sai totalmente pela boca), emprega-se o, a, os, as: “Louvo-os” - “Amo-a com todo o meu fervor”;
c - quando a enunciação verbal terminar foneticamente em ditongo nasal (parte do som
sai pelas narinas), usa-se no, na, nos, nas: “Trouxeram-nos”- “Puseram-na”.
Mas, nesta história toda, caro leitor, onde entra o pronome que deu título a estes comentários?
Vamos conferir: o pronome pessoal você é, na língua padrão, empregado na 3ª pessoa. Todavia, na linguagem coloquial e fluente de quase todo o Brasil, vem sendo utilizado para referir-se à pessoa com quem se fala (e não à pessoa de quem se fala, como seria o normal). Assim, regularmente é pronome da 2ª pessoa: “Amo-te porque você me faz feliz”. São muito comuns, construções como essa.
Em espanhol (o Brasil durante quase um século esteve sob o domínio de Espanha), língua dominante em toda a América Latina, da qual o fazemos parte, ocorre a mesma cambiante: usted, pronome de tratamento respeitoso, embora seja de terceira pessoa na forma, também tem significado e emprego na segunda pessoa. Usted é usado em lugar de vosotros e vosotras (formas de tratamento respeitoso entre pessoas de pouca relação ou confiança), assim como você, na língua que se fala no Brasil, veio a substituir vosmecê ou vossemecê, contração da locução vossa mercê, mutilada pela rapidez da pronúncia, e que no antigamente era tratamento cerimonioso.
Escrevi no passado (e ponha ‘passado’ nisso) que ‘a gramática sistematiza a língua para disciplinar a linguagem. Não que esta seja fruto natural ou instintivo do ser humano, mas, porque vem como corolário da massa de tradições e experiências de um povo, valendo dizer, em síntese, da cultura, em seu significado amplo e antropológico’ (“Pontos de Português para o Curso Normal - 1ª série”, Edições Tilibra, Bauru, 1958, p.29).
“Você” é um exemplo disso: o sistema gramatical - a língua - determinou que os pronomes de tratamento pertençam à 3ª pessoa gramatical (de quem se fala) e assim devem ser empregados. Todavia, a linguagem, atividade psíquica resultante da vida social, estabeleceu, pelo uso do povo, que o pronome você, porque refere-se ao ouvinte (com quem se fala), pode ser usado na 2ª pessoa, embora o verbo que o acompanha seja sempre levado para terceira pessoa gramatical.

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