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Geral

Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela

Alcides Silva - 17 de julho de 2009 - 07:42

Lheísmo
Não estranhe o leitor o título. É que está sendo comum na língua falada do Brasil, principalmente pós-novelas de TV, o emprego do pronome lhe com todos os tipos de verbos. Por exemplo, um canastrão qualquer vê uma patricinha desbrotando em vigor e exalando desejo, e lasca-lhe um agressivo “Amo-lhe com todas as forças de meu coração”. No falar correto, na língua-padrão, está errada a declaração.
O verbo amar tem três regências: 1º - é transitivo, não exigindo qualquer complemento: “Os brutos também amam” (quem ama, ama, e ponto final!); 2º - é transitivo direto, isto é, a ação do verbo passa diretamente para o objeto, sem necessidade de qualquer conectivo (preposição): “... eu te amo tanto que o meu peito me dói como em doença” (Vinícius de Moraes: “Soneto de Contrição”); 3º - é pronominal: “Amavam-se intensamente”.
Nunca, porém, se pode usar o pronome lhe ou o seu plural lhes (e suas variações) como complemento do verbo amar, porque são formas próprias do objeto indireto: substituem a ele, a eles, a você, a vocês.
Amar, na fala do ator da novela, é verbo transitivo direto, exige objeto direto: quem ama, ama alguma coisa, ama alguém, e não, ama a alguma coisa ou ama a alguém: “Amo-a com todas as forças de meu coração!”.
Assim, é errado o uso de lhe quando o verbo pede objeto direito. Não são corretas frases como estas: “Quero lhe beijar” (quero beijá-la) – “Não lhe conheço” (não o conheço, não a conheço)- “Nunca lhe vi” (nunca o vi, nunca a vi) – “A mulher lhe adandonou” (a mulher o abandonou) – Não lhe convidei para a festa ~(não o convidei para a festa) -, porque os verbos “querer”, “conhecer”, “ver” “abandonar” e “convidar”, empregados nos exemplos, são transitivos diretos. Pode ser estranho na língua do dia-a-dia o emprego dos pronomes “o”, “a” e suas variações (os, as, lo, la , los, las), mas é o correto.
É sabido que pronome é palavra que substitui o nome (substantivo, adjetivo ou advérbio). Todavia, o pronome lhe só poderá ser usado para substituir termo introduzido (regido) por preposição: “Perguntei-lhe por que chegara atrasado”. Aqui, neste exemplo, o pronome lhe está substituindo a pessoa a quem se perguntou (perguntar a alguém) ou se pediu (pedir a alguém).
O lhe tanto pode ser empregado para substituir a pessoa com quem se está falando, como nos exemplos acima, ou a pessoa de quem se está falando: “Então pedi-lhe: leve-me, enfermeira, ao quarto do doente”. Mas, repetindo, sempre substituindo expressão introduzida obrigatoriamente pela preposição “a”(lhe = a ela, no exemplo): “Tudo isso lhe diz respeito (diz respeito a ele – pessoa de quem se fala – a você – pessoa com quem se fala). “Agradeço-lhes (a eles, a vocês) terem vindo”.
O uso do lhe no lugar do “o” ou do “a”, na sociolingüística (estudo da linguagem como fato social, a língua como dialeto) recebe o nome de lheísmo, assim definido pelo Dicionário Houaiss: “Fenômeno lingüístico que ocorre em alguns dialetos (sociais ou regionais, ou ambos) do português do Brasil, que consiste em substituir por lhe(s) os pronomes o(s), a(s) (referentes ao tratamento você, vocês), na função de objeto direto (p.ex.: Ele lhe convidou para ir ao cinema?)”.
Houaiss explica que no Norte/Nordeste a substituição geralmente se dá pelo emprego do pronome lhe e no Sul, dos pronomes de tratamento: Ele convidou você para ir ao cinema?
Como acima foi escrito, o verbo "convidar" não precisa de preposição, vez que relaciona-se diretamente com seu complemento (quem convida, convida alguém, e não "a alguém"). Na língua que se fala corretamente: "Ele a (ou o) convidou para ir ao cinema?".
Observação derradeira: nunca inicie um período (simples ou composto) com o pronome “Lhe”. Tal conduta contraria as formas normais da linguagem padrão.

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