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Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 16 de junho de 2011 - 18:34



Do ovo às maçãs


A famosa expressão proverbial latina “ab ovo usque ad mala” (literalmente, “do ovo até as maçãs”), inicialmente era utilizada para referir-se a um jantar romano, que geralmente começava com ovos e terminava com frutas — algo assim como “da entrada à sobremesa”, do começo ao fim,
Ovo é uma palavra de muitos significados. Dentre eles, tem o conceito de origem, causa primeira, começo, início, princípio.
No jargão juridiquês é comum a expressão ‘ab ovo’ (= desde o princípio). No direito existem formalidades que, se não cumpridas, tornam nulo o ato ou até mesmo todo o processo. Como exemplo, num elenco de mais de cem situações, a citação do réu para acompanhar o processo. Não completada, anula o procedimento. Essa nulidade – e outras semelhantes – são conhecidas pelas expressões latinas ex radice (= desde a raiz), ab initio (= de início), in limine (= no início), ou ab ovo, significando que o defeito é absoluto, radical, e atinge todo o processo desde seu nascimento, isto é, desde o ovo.
Por qual razão chama-se de indez, ou endez, o ovo que se deixa no ninho para que a galinha volte àquele lugar em uma nova postura? A etimologia talvez nos explique: o substantivo latino index, em português tem a significação própria de o indicador, o que indica, o indício, o sinal. ‘Index digigtur’, (= o dedo indicador). Já o termo indicium, que tem o mesmo étimo, pode ser vernaculizado com o sentido de indicação, revelação, marca, sinal ou prova. Daí indicii ovum, o \'ovo indicador\' - o indez -, a mostrar que naquele local haverá novos ovos.
A mala que acompanha o ovo no provérbio acima, no latim clássico era o nome comum de todos os frutos dotados de caroços.
Na Eneida, poema da lendária Roma dos tempos primitivos, Virgílio (70-19 a.C), uma das maiores expressões da literatura latina, usou o termo mala para designar as faces, as maçãs do rosto humano: ‘Teu novo gosto, em cujas faces punge’ (Livro X, 324). Ainda hoje designamos os ossos que dão feição ao rosto de malares (ossos da maçã do rosto, da face).
Ainda nos tempos de Virgílio, o botânico Caius Matius Calvena, através de enxertia, conseguiu a produção de maçãs mais precoces e resistentes. Essas frutas foram denominadas de mala matiana (= fruta do Mácio) em homenagem a seu criador. Do nome próprio do botânico ‘Mácio’ nasceu o substantivo comum “maçã”.
Uma plantação de macieiras, pereiras ou marmeleiros, frutas que produziam o pomum (= pomo), originariamente era conhecida como pamarium (= pomar). A evolução da língua trouxe uma denominação mais genérica ainda, pomum, que designava especificamente frutos carnosos como a maçã, a pêra e o marmelo. Daí, pomme, em francês, e pomo, em português.
Conta a lenda que Adão, ao experimentar no Paraíso o ‘fruto da árvore da ciência’, engasgara-se, ficando parado no meio de sua garganta, como prova contundente de sua culpa, um pedaço da maçã proibida. E bem ali, na parte frontal de seu pescoço, formara-se a saliência de seu pecado, a que se deu o nome de pomo-de-adão. Por castigo divino, todo ser humano do sexo masculino haveria de carregar consigo a marca da desobediência e da cupidez.
E ainda: é da mitologia grega a história de que, nas comemorações celestiais de um matrimônio, a deusa Éris, preterida na cerimônia, personificara-se numa maçã, a mais bela, e causara inveja e violenta disputa entre as demais deidades então presentes, resultando disso uma grande desavença, vez que todas pleiteavam a posse divina daquele maçã. Desse desentendimento mulheril teria nascido a Guerra de Tróia. Daí para frente, aquilo que causa acirrado litígio é denominado de pomo da discórdia.
Como se vê, as palavras também têm história!

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