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Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela

Alcides Silva - 16 de abril de 2009 - 15:10

Pronome apassivador
Em um comentário sobre a atualidade nacional, li que determinado banqueiro, pivô de uma crise institucional que envolveu inclusive o Supremo Tribunal Federal, dificilmente escapará de uma pesada condenação, “porque a ele se atribui muitas ações lesivas ao erário”.
Há, na frase final daquele comentário, uma incorreção muito comum na linguagem oral que é a não concordância da pessoa verbal com o pronome apassivador se: “a ele se atribui muitas ações lesivas ao erário”. O verbo atribuir, dessa frase está no singular, como se o seu sujeito fosse “ele” e o complemento, as ‘muitas ações lesivas ao erário’. Deveria estar no plural: a ele se atribuem muitas ações lesivas ao erário, pois as ações lesivas é que lhe são atribuídas.
Para melhor entender o engano, devemos voltar às vozes do verbo.
Verifique: O governo diminuiu a taxa dos juros bancários; A taxa dos juros bancários foi diminuída pelo governo.
Na primeira oração, o sujeito ‘governo’ pratica ação: é o agente; na segunda frase, o sujeito ‘taxa dos juros’ não pratica a ação verbal, mas a recebe: é o paciente.
A voz de um verbo é determinada pelo caráter ativo ou passivo do sujeito:
Sujeito agente (voz ativa): O eleitor só exercerá seu voto no próximo ano;
Sujeito paciente (voz passiva): O voto só será exercido pelo eleitor no próximo ano.
A voz passiva pode apresentar-se de duas formas: 1- Passiva analítica (com locuções verbais, isto é, verbo auxiliar mais particípio): O voto será exercido – As taxa dos juros foram diminuída; 2-Passiva sintética (com o pronome apassivador se): A ele se atribuem muitas ações lesivas ao erário (muitas ações lesivas ao erário são atribuídas a ele).
Emprega-se o pronome apassivador se em duas situações: 1º- quando o sujeito for um ente inanimado e, conseqüentemente, incapaz de praticar a ação verbal; 2º- quando o sentido da oração mostrar que o sujeito é apenas paciente.
Na oração Alugam-se ranchos à beira do Lago, o sujeito ‘ranchos’ é inanimado e incapaz de praticar a ação indicada pelo verbo. Igualmente, dentre outros, em Vendem-se casas e Consertam-se móveis.
É sabido que estando o sujeito no plural, o verbo também irá para o plural. Assim como não é correto dizer-se aluga-se ranchos (pois, ranchos – sujeito plural, exige verbo no plural: são alugados), vende-se casas (casas são vendidas), conserta-se móveis (móveis são consertados), errado também o a ele se atribui muitas ações lesivas ao erário, porque o que o comentarista pretendia dizer, se usasse a passiva analítica, era que ‘muitas ações lesivas ao erário são atribuídas a ele’(pré-candidato). Como o comentarista preferiu a forma sintética, deveria ter escrito a quem se atribuem muitas ações lesivas ao erário.
Além dessa função apassivadora, o pronome se pode exercer na oração outras funções e indicar:
a - reflexibilidade acentuada, aliás, uma das principais funções desse pronome, é indicar que o sujeito é, ao mesmo tempo, agente e paciente da ação verbal: O menino feriu-se soltando pipas;
b- reflexibilidade atenuada, quando acompanha verbos nominais essenciais: Queixou-se de ter lutado em vão. O se perde o valor real de objeto direto, exercendo essa função de modo aparente. No exemplo, o se não indica propriamente a ação verbal sobre o sujeito, mas uma ação que fica no sujeito sem passar para um objeto. Na frase acima, o se indica reflexibilidade por força do próprio verbo e não em virtude do sujeito;
c - reciprocidade, quando o pronome se, numa oração de sujeito composto, indica correspondência de ação: Romeu e Julieta amaram-se ardorosamente – Eles odeiam-se de ódio mortal;
d- impessoalidade, quando, na oração, o verbo não tem sujeito determinado: Perde-se horas a fio nas filas dos postos de saúde.
Uma observação importante: em português, verbos que pedem preposição não admitem voz passiva. Assim, na frase Precisa-se de operários o verbo fica no singular, porque o sujeito do verbo precisar não é operário. Quem precisa, precisa de alguma coisa (objeto indireto). Operários, no exemplo dado, é complemento (objeto indireto) do verbo precisar.

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