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Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 15 de janeiro de 2009 - 15:37

Língua portuguesa, inculta e bela!
Alcides Silva

A vírgula e o ‘e’
Dizia-se no meu tempo de grupo escolar, como verdade revelada, autêntico dogma, que não se usava vírgula antes de ‘e’. Segundo a lição dominante na época, a vírgula funcionava como uma pausa de pequena duração e aquela conjunção exercia a mesmíssima função. Daí, a desnecessidade da vírgula. Antes de “e”, a vírgula era pecado capital, caminho direto para o inferno do lápis vermelho.
Aquilo porém, não era uma verdade absoluta.
Said Ali, o grande filólogo fluminense do século passado, com certeza o mais respeitado de seu tempo (faleceu com 92 anos de idade, em 1953), ensinava, com profunda razão, que “para mostrar que é preciso descansar a voz, põe-se a vírgula antes da conjunção e”.
Embora seja ressabido que a vírgula substitui o “e”, pode a mesma ser empregada para facilitar a passagem de uma idéia a outra, quando repetidas ritmicamente, como no texto de Machado de Assis:
“E a minha terra se chamará a terra de Jafé, e a tua se chamará a terra de Sem; e iremos às tendas um do outro, e partiremos o pão da alegria e da concórdia”
Ou então, como quando, no resumo poético, mostra o trabalho beneditino: “no aconchego do claustro, na paciência, no sossego trabalha, e teima, e lida, e sofre, e sua”.
Em duas orações, quando a coordenada tem sujeito diferente do da coordenante, a prudência aconselha o emprego de vírgula, principalmente se houver uma pausa na leitura, como neste exemplo recolhido em Said Ali: “A tempestade da sua alma asserena-se, e a dor mitiga-se”.
Experimente ler, sem a vírgula, a frase “João namora Maria, e Rita se magoa”. Tem-se a impressão de que João namora as duas concomitantemente. Com a vírgula, a coitada da Rita é a preterida.
“Morreu o pai, e o filho tomou seu destino”.
A vírgula é empregada também se o ‘e’, por ênfase ou enumeração, estiver repetido na frase: “Deus fez o céu, e a terra, e o mar, e tudo quanto há neles”. Quando, porém, seu emprego for facultativo, siga o ritmo ou a sonoridade da frase, haja com cautela e bom senso, evitando a virgulação excessiva. Intercalações exageradas cortam a fluência do texto, dificultando a sua compreensão.
Descrevendo as grandes emoções esperadas para os últimos capítulos de “A Favorita”, novela das 21h da TV Globo encerrada na noite de ontem, quando Flora (Patrícia Pillar) se reencontrou com sua ex-companheira de dupla sertaneja Donatela (Cláudia Raia), assim virgulou um grande jornal do Rio: “Ao ver Donatela, Flora fica emocionada, em saber que ela está viva, quatro meses após sua suposta morte, e chora. "Nem acredito. meu Deus!", diz a vilã. "Você fala, como se estivesse feliz", responde a namorada de Zé Bob”.
Desvirgulando, isto é, podando o demasiado, o conteúdo fica mais nítido: “Ao ver Donatela, Flora fica emocionada em saber que ela está viva quatro meses após sua suposta morte e chora. "Nem acredito! Meu Deus!", diz a vilã. "Você fala como se estivesse feliz", responde a namorada de Zé Bob.
Observação importantíssima: nunca separe por vírgula, nem mesmo no desespero (ou na ignorância), o sujeito do verbo e nem o verbo do complemento. Eles obrigatoriamente estão sempre unidos.

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