Geral
Alcides Silva: Língua Portuguesa, inculta e bela!
Embora... embora
Embora, empregado como advérbio (Vá embora!) e embora, usado como conjunção (Trabalhei, embora cansado). Uma palavra só, com uma única grafia e o mesmo som, e com significados diversos. A pergunta me foi passada, através do correio eletrônico: seriam palavras homógrafas e homófonas?
No sentido literal, sim; no de categoria gramatical, não. São homônimas perfeitas. Explicando homógrafo é o vocábulo que tem a mesma grafia e som, mas significação diferente (canto = esquina canto = do verbo cantar); homófono é o termo que tem o mesmo som, porém com grafia e sentido diferentes (censo = recenseamento senso = juízo). De origens gregas, os vocábulos foram assim compostos: homós = semelhante; graph, raiz de grapho, escrever; homós = semelhante; phonos = voz, som.
A pergunta serviu-me de mote. Lembrei-me de pronto do repetido refrão de certa música de Marisa Monte: Por isso não vá, não vá embora / Por isso não me deixe nunca nunca mais.
Uma palavra e três ou quatro categorias gramaticais.
Vou-me embora para Pasárgada... é o verso-título de uma belíssima poesia de Manoel Bandeira.
Quando hoje acordei ainda fazia escuro (embora a manhã já estivesse avançada), é o dístico de abertura do Poema só para Jaime Ovalle, também de Bandeira.
"Sofra o coração, embora! / Sofra! Mas viva!", cantou Raimundo Correia.
Dignai-vos de receber meus sinceros emboras, escrevia-se antigamente.
No primeiro verso acima citado, assim como no refrão de Marisa Monte, como advérbio que, aliás, nem necessita de explicação - indica uma idéia de retirada, de saída; no segundo exemplo, como conjunção, denota uma oposição (= não obstante conquanto - apesar de), admitindo um fato contrário; e em Raimundo Correia, interjeição, exprimindo o sentimento da dor.
O Aurélio Século XXI oferece um discutido exemplo do vocábulo funcionando como preposição: "Bela, embora o ar triste, a aparência doentia, / Uma prece na boca, uma prece no olhar, / Era pálida e fria, / Como vela de altar." Nesses versos do parnasiano Alberto de Oliveira, como preposição o termo embora está - com o sentido de a despeito de, apesar de - regendo o restritivo o ar triste, a aparência vazia.
Como substantivo, o termo só é usado no plural emboras, tendo o sentido de felicitações, de congratulações: parabéns (Anselmo Sanches recebeu os emboras dos seus numerosos amigos - Camilo Castelo Branco).
O sentido original da palavra aglutinada (embora = em boa hora) se perdeu ao correr dos tempos. Instrumento da fala, os vocábulos, como os homens, também se transformam. Assim falava Vieira: ... vivei embora, ou em má hora, à vossa vontade, largai a rédea a vossos apetites; mas não façais, nem inventeis novas seitas. Hoje já não se vive embora; vive-se no momento oportuno; vive-se o presente.
Embora nasceu na Espanha de en buena hora para dizer, com supersticiosa convicção, que tal fato estaria acontecendo numa ocasião apropriada, exata, em contraposição a em má hora ou em má hora (em vernáculo, com aglutinação e síncope) eramá, fala de uso correntio nas práticas cabalísticas e astrológicas, comuns na Idade Média.
Com o sentido adverbial da origem, há em francês os correspondente à la bonne heure, utilizado mais como sinônimo de heureusement (= felizmente, ainda bem) e de bonne heure (= cedo, cedinho).
Em inglês although ou though são conjunções que podem ser vertidas para ainda que, posto que, não obstante, contudo e, forçando-se, até para o nosso embora conjuncional.