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Alcides Silva: Língua Portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 13 de junho de 2008 - 09:47

Embora... embora
Embora, empregado como advérbio (‘Vá embora!’) e embora, usado como conjunção (‘Trabalhei, embora cansado’). Uma palavra só, com uma única grafia e o mesmo som, e com significados diversos. A pergunta me foi passada, através do correio eletrônico: “seriam palavras homógrafas e homófonas?”
No sentido literal, sim; no de categoria gramatical, não. São homônimas perfeitas. Explicando homógrafo é o vocábulo que tem a mesma grafia e som, mas significação diferente (canto = esquina – canto = do verbo cantar); homófono é o termo que tem o mesmo som, porém com grafia e sentido diferentes (censo = recenseamento – senso = juízo). De origens gregas, os vocábulos foram assim compostos: homós = semelhante; graph, raiz de grapho, escrever; homós = semelhante; phonos = voz, som.
A pergunta serviu-me de mote. Lembrei-me de pronto do repetido refrão de certa música de Marisa Monte: “Por isso não vá, não vá embora / Por isso não me deixe nunca nunca mais”.
Uma palavra e três ou quatro categorias gramaticais.
“Vou-me embora para Pasárgada”... é o verso-título de uma belíssima poesia de Manoel Bandeira.
“Quando hoje acordei ainda fazia escuro (embora a manhã já estivesse avançada)”, é o dístico de abertura do “Poema só para Jaime Ovalle”, também de Bandeira.
"Sofra o coração, embora! / Sofra! Mas viva!", cantou Raimundo Correia.
‘Dignai-vos de receber meus sinceros emboras”, escrevia-se antigamente.
No primeiro verso acima citado, assim como no refrão de Marisa Monte, como advérbio – que, aliás, nem necessita de explicação - indica uma idéia de retirada, de saída; no segundo exemplo, como conjunção, denota uma oposição (= não obstante – conquanto - apesar de), admitindo um fato contrário; e em Raimundo Correia, interjeição, exprimindo o sentimento da dor.
O “Aurélio Século XXI” oferece um discutido exemplo do vocábulo funcionando como preposição: "Bela, embora o ar triste, a aparência doentia, / Uma prece na boca, uma prece no olhar, / Era pálida e fria, / Como vela de altar." Nesses versos do parnasiano Alberto de Oliveira, como preposição o termo embora está - com o sentido de a despeito de, apesar de - regendo o restritivo “o ar triste, a aparência vazia”.
Como substantivo, o termo só é usado no plural emboras, tendo o sentido de felicitações, de congratulações: parabéns (‘Anselmo Sanches recebeu os emboras dos seus numerosos amigos’ - Camilo Castelo Branco).
O sentido original da palavra aglutinada (embora = em boa hora) se perdeu ao correr dos tempos. Instrumento da fala, os vocábulos, como os homens, também se transformam. Assim falava Vieira: “... vivei embora, ou em má hora, à vossa vontade, largai a rédea a vossos apetites; mas não façais, nem inventeis novas seitas”. Hoje já não se vive embora; vive-se no momento oportuno; vive-se o presente.
Embora nasceu na Espanha – de ‘en buena hora’ – para dizer, com supersticiosa convicção, que tal fato estaria acontecendo numa ocasião apropriada, exata, em contraposição a em má hora ou em má hora (em vernáculo, com aglutinação e síncope) eramá, fala de uso correntio nas práticas cabalísticas e astrológicas, comuns na Idade Média.
Com o sentido adverbial da origem, há em francês os correspondente à la bonne heure, utilizado mais como sinônimo de heureusement (= felizmente, ainda bem) e de bonne heure (= cedo, cedinho).
Em inglês although ou though são conjunções que podem ser vertidas para “ainda que”, “posto que”, “não obstante”, “contudo” e, forçando-se, até para o nosso embora conjuncional.

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