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Geral

Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 11 de janeiro de 2008 - 07:30

Mudança de conceito

Se há algo que não suporta é o misoneísmo, isto é, a inalterabilidade de conceito, é a palavra.
Antes, porém, necessito de explicar que misoneísmo, termo não freqüente em nossas leituras, é palavra formada por derivação grega. Seu primeiro elemento é o prefixo mis(o), de misos (= ódio, aversão), seguido do elemento de composição néos (= novo, moderno) e completado pelo sufixo ismós (= peculiaridade, característica). Misoneísmo veio para a língua portuguesa através do francês misonéisme ‘aversão a tudo o que é novo’. Misoneísta é o indivíduo contrário a mudanças, aquele que não admite alteração no estado atual das coisas.
Nem sempre, porém, o prefixo grego miso significa antipatia ou repulsa, como em misantropo (insociável), misogenia (horror ao casamento), misoginia (aversão às mulheres) ou em misologia (desprezo às ciências). Às vezes o prefixo miso nasce de uma outra palavra grega mýsos (= ação ou termo abominável), elemento de composição de termos que têm o sentido de sujeira ou desasseio, como em misofilia (atração pela sujeira) ou misófobia (temor doentio de contaminação).
Mas esse não é o tema de hoje. Existem palavras que mudam de significação ao correr dos tempos, como idiota que na Grécia era o homem de vida privada, que vivia para si, em oposição ao homem público. O elemento de composição idio tinha o sentido de próprio, privativo. Daí idioma, a língua própria de determinado povo, idiolatria, ‘adoração de si mesmo’, idiossincarasia, ‘maneira de reagir, de sentir, de ver, própria de cada pessoa’. Como a pessoa que vive só para si, isolada, é um gênero de vida excêntrico, ao passar para o latim o termo idiota ganhou a conotação pejorativa de pessoa ignorante, estúpida, tola, pateta, imbecil..
A propósito, o vocábulo imbecil tinha na origem o sentido de débil, sem apoio, fraco, sem forças. O termo imbecille é derivado de baculum, cajado (im + bacillu, diminutivo de baculum = sem bastão, isto é, sem sustentação). ‘Imbecillis quasi sine baculo’(‘fraco, como [se estivesse] sem bastão’), poetou Juvenal em uma de suas sátiras. Diferente do tolo, ingênuo, aquele que tem inteligência curta, pusilânime, sentido atual da palavra.
Ingênuo para os romanos era o nascido livre, aquele que tem origem e faz parte de uma gens. Em suma: o filho legítimo. ‘Ingenui sunt qui liberi nati sunt (‘ingênuo são os que nasceram livres’) era o ensinamento do jurisconsulto Gaio em suas ‘Institutas” (G.1,10). Era o nascido de mulher livre no momento do parto e não o bronco, o simplório ou o inocente de agora. A ingenuitas se constituía na mais alta situação social do latini, classe dos romanos possuidora dos mais amplos direitos.
O substantivo latini, porém, teve uma progressão deprimente. Se na Roma antiga latini era o cidadão elegante, bem falante e social, ao mudar de nacionalidade, a consoante d sonora substituiu a surda t e transformou-se em ladino, inicialmente pessoa intelectualmente fina. No Brasil colonial, ladinos eram os escravos que falavam bem a língua portuguesa e se que habituaram aos costumes da terra. De ‘intelectualmente fino’, a palavra passou a designar, no vernáculo de hoje, pessoa finória, sagaz, esperta, astuta, manhosa ou maliciosa.

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