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Alcides Silva: Língua Portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 10 de setembro de 2008 - 16:30

Otário
Numa das estrofes de “Mano a mano”, belíssimo tango de 1919, cantado na época por Carlos Gardel, e, depois, por todos os milongueiros que o sucederam, o desiludido amado clamava: “Nada debo agradecerte / mano a mano hemos quedado, / no me importa lo que has hecho, / lo que hacés ni lo que harás. / Los favores recibidos / creo habértelos pagado / y si alguna deuda, chica, / sim querer se me há olvidado, / em la cuenta del otario / que tenés se la cargás” (ao se despedir da mulher de ‘casa de pensión’, - a quem tudo dera e o trocara por outro -, o apaixonado traído diz nada ter a pagar ou a receber da pérfida; porém se alguma dívida pequena, que ele houvesse esquecido, ainda aparecesse, que ela a levasse ao seu novo ‘coronel’, ao ‘otário’, que a pagaria).
Originariamente, ‘otário’, na gíria do bas-fonds portenho, era o endinheirado que, ‘amigado’ de uma ‘dama’ da zona licenciosa da cidade, considerava-se o ‘único’ o ‘exclusivo’. Virada as costas, a cama ainda quente que ele deixara, abrigava o indefectível e bem apessoado gigolô, quando não, o cafetão. Por extensão, ‘otário’ passou a significar o lerdaço, o vagaroso, o boboca, a vítima do ‘suadouro’, que o ‘Aurélio, Século XXI’ define como ‘modalidade de conto-do-vigário que consiste em uma meretriz levar o cliente a determinado lugar, para ali roubá-lo, sozinha ou com ajuda de sequazes’.
O “Dicionário de Gíria”, de J. B. Serra e Gurgel, informa que otário é uma pessoa tola, palerma; o ‘Houaiss’ emprega o termo para designar o inexperiente, o ingênuo; para o ‘Michaelis’, é o sujeito que facilmente se deixa enganar; Cid Franco, em seu essencialíssimo ‘Dicionário de Expressões Populares Brasileiras’, dá-lhe a sinonímia de “bobo, paspalhão, tonto, pacóvio, ingênuo”.
Bezerra da Silva cantava em “Os direitos do otário”: “Quem fala alto é malandro / e conhece a barra pesada /otário só tem dois direitos / tomar tapa / e não dizer nada...”
Tudo isso, em razão de um tipo de foca – a foca falsa - que possui pavilhões auditivos externos, um animal pesadão, vagaroso e de poucos reflexos: palermão. É muito comum nas costas argentinas e nos mares do sul, onde é conhecido pelo nome ‘otária’, para ser mais preciso, de ‘otaria byronia’, nome científico que lhe deu o cientista François Perón, derivando-o do grego otós (orelha).
Otárion significa orelha pequena, característica que diferencia aquele animal da foca verdadeira, pois esta não tem o tal de ‘pavilhão auditivo’.
No jargão das redações de jornais, foca é o repórter aprendiz, o calouro no trabalho, o jornalista novo que não ainda conhece os macetes da profissão. Na gíria carioca, é a mulher exageradamente gorda. Na linguagem popular, foca significa também o indivíduo avarento, mão-de-vaca.
De otós derivam, dentre outros, os vernáculos otologia (ramo da medicina que se ocupa das doenças dos ouvidos em todos os seus aspectos), otopatia (qualquer doença do ouvido), otalgia (dor de ouvidos), otite (inflamação do ouvido), otologista, médico especialista no tratamento de doenças do ouvido. Geralmente essa especialidade médica vem associada a outras – nariz e garganta – daí o profissional ser conhecido como otorrinolaringologista.
Todavia, apesar do étimo grego, portanto, das orelhas, no conceito atual, o otário é um indivíduo surdo a todas evidências de que está sendo passado para trás, que já era. Mouco, inclusive, à auto-voz de sua própria consciência.

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