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Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 01 de agosto de 2008 - 07:58

Língua portuguesa, inculta e bela
Alcides Silva
Concordância ideológica
Nem sempre, na construção das frases, uma palavra concorda com aquela que deveria fazê-lo gramaticalmente, mas com a idéia que o termo traduz. Quando eu digo “Rio Preto é hospitaleira”, o substantivo próprio do gênero masculino cede ao apelativo, do gênero feminino (cidade). Aqui a concordância é ideológica, semiótica, ocorrendo uma figura de sintaxe: a silepse (pronuncia-se silépice).
Sem pedantismo, sintaxe é a parte da gramática que estuda a palavra em suas relações de dependência e figuras de sintaxe são as construções em que a rigidez do raciocínio lógico (concordância lógico-formal) é substituída (ou atenuada) pela intervenção do fator psicológico.
“Quais as formas corretas: “Um milhão de reais foi gasto (ou foram gastos) para ajardinar o parque onde o grupo de meninas fez (ou fizeram) a festa?
Na primeira das frases em que se desdobra o período acima, tanto posso dizer “um milhão de reais foi gasto”, como “um milhão de reais foram gastos”. Opto sempre por esta última, que é uma silepse de número (a concordância se faz segundo o sentido e não com a forma gramatical), porque a palavra milhão tem implícita uma idéia de quantidade plúrima: mil milhares. Já dizia uma propaganda do tempo de eu menino que “um milhão de lavadeiras afirmam que o sabão Minerva é o que lava mais”.
Na segunda frase, minha opção é pelo verbo no singular “o grupo de meninas fez a festa”. Entendo que aí a concordância terá que ser meramente gramatical: grupo, substantivo singular; verbo no singular, fez, pois aqui o substantivo grupo, embora concebido como idéia plural, conserva sua conotação singular. Se o verbo se encontrasse afastado do sujeito coletivo, ou se este fosse subentendido, aí, sim, poderia haver a silepse de número: “Um grupo mais numeroso descia a ladeira e parava a alguns passos; falavam alto, comentando as peripécias do leilão” (exemplo retirado de Afrânio Peixoto e colhido na “Gramática do Português Contemporâneo”, de Celso Cunha).
A silepse de número pode ocorrer:
1 – quando um adjetivo singular, em função predicativa, referir-se ao sujeito nós ou vós (plural de modéstia, aplicado a uma única pessoa): “Nós somos agradecido pela carta recebida”. “Vós sois inteligente”;
2 – quando o adjetivo no plural referir-se a um coletivo no singular: “O grupo era numeroso e falante: estavam todos vestidos de branco”;
3 – quando o sujeito for coletivo e estiver afastado do verbo: “O grupo era numeroso e falante: estavam todos de branco”;
4 – quando o sujeito for composto por termos sinônimos: “Aquela paz, aquele silêncio fez com que eu refletisse melhor”;
5 – quando o sujeito for uma expressão quantitativa de caráter distributivo: “Cada trinta dias corresponde a um mês” - “Cada mil metros é um quilômetro” - “Cada 15 quilos é uma arroba”.
Etimologicamente, o termo silepse (do grego, ação de tomar juntamente) deveria referir-se exclusivamente à concordância de número, porém, com o tempo passou a ser aplicado também nas concordâncias figuradas de gênero e de pessoa. Isso, porém, será assunto de um próximo comentário.

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