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AGU publica regras sobre demarcação e direito de uso de terras indígenas
Brasília - Três anos depois do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que homologou a demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol em área contínua, a Advocacia-Geral da União (AGU) publicou ontem (17) uma portaria que regulamenta a atuação de advogados e procuradores em processos judiciais que envolvem áreas indígenas em todo o país. Na prática, a portaria coloca em vigor as 19 condicionantes definidas pelo STF para demarcação e direito de uso de terras indígenas na época do julgamento.
Organizações socioambientalistas e de defesa de direitos dos índios criticaram a portaria e temem o acirramento de conflitos agrários e retrocessos para comunidades indígenas. Entre os pontos polêmicos da portaria, estão a proibição da ampliação de terras indígenas já demarcadas e a garantia de participação de estados e municípios em toda as etapas do processo de demarcação.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, disse que a portaria não cria novas regras, apenas regulamenta a orientação para órgãos da AGU atuarem de acordo com o que foi definido pelo STF em 2009. A portaria é necessária para que exista segurança jurídica desses processos. Estou acatando e não criando normas, apenas apropriando uma jurisprudência que o STF entendeu ser geral, para todas as terras indígenas. Não é uma súmula vinculante, mas estabeleceu uma jurisprudência geral, explicou, em entrevista à Agência Brasil.
A Portaria 303/2012 proíbe a comercialização ou arrendamento de qualquer parte de terra indígena que possa restringir o pleno exercício do usufruto e da posse direta pelas comunidades indígenas, veda o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico pelos índios e impede a cobrança, pelos índios, de qualquer taxa ou exigência para utilização de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas.
As regras deverão orientar a atuação da União em todos os processos jurídicos em que há conflitos pelas áreas de terras indígenas. Para o secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Saulo Feitosa, o documento da AGU restringe a autonomia dos índios em seus territórios e cria insegurança jurídica, já que mesmo as áreas já homologadas estarão passíveis de serem questionadas na Justiça.
É uma irresponsabilidade propor algo do tipo. Estamos prevendo uma enxurrada de ações judiciais movida por particulares, estados e municípios, disse Feitosa à Agência Brasil, destacando a incongruência do artigo da portaria que determina que os procedimentos para o reconhecimento e demarcação de terras indígenas terão que ser revisados a fim de se adequarem à portaria. Segundo Adams, as terras indígenas já homologadas não serão prejudicadas.
Para o Instituto Sociambiental (ISA), a impossibilidade de ampliação de áreas já demarcadas é o ponto mais crítico da portaria, porque pode inviabilizar demandas como a da etnia Guarani-Kaiowá, que há anos disputa áreas em Mato Grosso do Sul com produtores rurais. São muitas as TIs demarcadas, sobretudo no Centro-Sul do país, que demandam revisão de limites por não corresponder a toda a área de ocupação tradicional e não ter o tamanho suficiente para garantir a sobrevivência das comunidades indígenas. O caso dos Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul é o mais exemplar e dramático, criticou o ISA, em nota.
Nesses casos, segundo Adams, a União poderá decidir pela desapropriação de novas áreas e destiná-las às comunidades indígenas, sem rever a demarcação original. A decisão do STF é clara, a revisão não pode acontecer. O que não impede que a administração pública desaproprie outras áreas por interesse público e alargue essas terras para as comunidades, adiantou.
A portaria também confirma o entendimento do STF de que os direitos dos índios sobre as terras não se sobrepõem aos interesses da política de defesa nacional, ficando garantida a entrada e instalação de bases, unidades e postos militares no interior das reservas. A expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas e de riquezas de cunho estratégico para o país também não dependerão de consentimento das comunidades que vivem nas TIs afetadas, de acordo com as regras.
Edição: Aécio Amado