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Afinal, a água de Campo Grande é ou não envenenada por agrotóxicos?

Recentemente o Campo Grande News denunciou escassez de laboratórios independentes que realizem análises na água e em alimentos

Campo Grande News - 18 de abril de 2019 - 13:00

Um estudo levando em consideração a base de dados do Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade de Água para Consumo Humano) ligado ao Ministério da Saúde, deixou moradores de diversos municípios do Brasil assustados, inclusive, em Campo Grande. De difícil acesso para a maioria da população, as informações do sistema que reúne os resultados de análises da água brasileira com base em 91 parâmetros foi alvo de investigação que apontou a presença de substâncias perigosas para a população.

Publicada pela Agência Pública nesta semana, a investigação concluiu que foram detectados na água de Campo Grande a presença de 27 tipos agrotóxicos, que a lei obriga as concessionárias a acompanherem de perto para não ultrapassarem a quantidade aceitável.

Recentemente o Campo Grande News denunciou escassez de laboratórios independentes que realizem análises na água e em alimentos, conforme avaliação da pesquisadora e professora doutora da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Alexandra Pinho.

Em relação às análises realizadas na água, a pesquisadora atenta para a falta de informação sobre a concentração dos agroquímicos. De acordo com Alexandra, os dados não são claros, pois os resultados dizem apenas que a quantidade é menor que o valor estabelecido na lei.

Diante desse cenário, a reportagem procurou a Águas Guariroba, concessionária responsável pela captação, tratamento e distribuição de água em Campo Grande, para esclarecimento sobre os dados.

Incógnita - O gerente de tratamento da Águas Guariroba Clayton Bezerra explicou que o Anexo XX da Portaria de Consolidação Nº 5 determina entre várias normas, quais parâmetros, métodos e as quantidades mínimas permitidas de tais parâmetros podem estar presente na água. Em relação aos 27 agrotóxicos analisados, segundo a concessionária, os resultados não apontam concentração superior ao “limite de quantificação” definido na legislação.

“O limite de quantificação é a capacidade que o método analítico tem de quantificar ou não aquele elemento”, explica Clayton. O limite de quantificação é diferente do valor máximo permitido, que em geral é maior. Conforme o relatório mostrado à reportagem, o limite de quantificação do Glifosato é de 60 microgramas por litro de água, já o valor permitido é de 65 microgramas por litro. Segundo Clayton, qualquer concentração abaixo de 60 microgramas de Glifosato por litro de água é impossível detectar pelo método empregado, por isso o resultado é mostrado como menor que 60 microgramas por litro (⩽ 60 µg/L).

“Pela norma, o resultado não pode ser zero, ou dizer que está ausente, porque não tem elementos químicos suficientes para afirmar se a quantidade é zero. Então os laudos dizem que o resultado é menor que o limite de quantificação. Não é possível identificar aquele elemento dentro das amostras”, detalha.

Clayton também enfatiza que o laboratório da própria concessionária realiza análises com frequência horária, diária, quinzenal e mensal para alguns parâmetros, como cor, turbidez e alguns elementos. Entretanto a análise completa, com todos os quesitos da portaria, é realizada semestralmente e as amostras são enviadas para um laboratório terceirizado.

“O processo para análise específico precisa de equipamentos específicos e um grande volume de amostras. A concessionária não faz estas análises e contrata laboratório em Rio Claro, São Paulo, acreditado pelo Inmetro com ISO 17025. Todas as informações rastreáveis e auditáveis”, garante.

Interpretações?

Em relação à reportagem da Agência Pública, tanto Clayton como Vera defendem que houve um erro de interpretação dos dados, valendo-se para diferença entre os termos detecção e quantificação.

“O resultado é expresso no limite de quantificação. Eles disseram que 27 agrotóxicos foram detectados. Não! A análise não calcula limite de detecção, mas de quantificação. Não pode se dizer se foi detectado ou não”, afirma Vera.

“O problema foi a abordagem. Não foi detectado agrotóxico, foi quantificado. Como o resultado é menor que o limite de quantificação. Mas não dá para afirmar a presença do elemento, visto a característica analítica”, adiciona Clayton. Entretanto, também não é possível afirmar a ausência de agrotóxicos.

Embora dentro dos limites permitido pela legislação brasileira, a reportagem da Agência Pública aponta que entre os 27 agrotóxicos que teriam sido detectados na água de Campo Grande, 7 deles têm concentração acima do limite considerado seguro pela União Europeia e 11 são associados a doenças crônicas como câncer, defeitos congênitos e distúrbios endócrinos.

A este respeito, Clayton cita que a legislação brasileira foi baseada na americana, ditada pela FDA - órgão correspondente à Anvisa no Brasil. “Muito vem da legislação americana, pelo órgão que mais regulamentação tem sobre o assunto e parametriza métodos que entende como confiáveis. O Brasil não tem compêndio como esse e recomenda que seja utilizado porque são as melhores tecnologias disponíveis no mercado”.

“O Brasil é signatário da OMS (Organização Mundial de Saúde) e segue as recomendações. Os padrões não foram inventados. Foram calculadas as quantidades que o ser humano pode consumir a longo prazo sem causar efeitos. São três fundações que revisam esses métodos de análises pelo menos a cada cinco anos”, adiciona Vera.

Na avaliação de ambos, os problemas recaem sobre a legislação. “Há uma série de parâmetros a serem vencidos antes de comparar Brasil com Europa. A revisão de parâmetros é lenta, faz parte da construção da cultura que está sendo feita. As leis são muito novas, a lei de saneamento, meio ambiente são novas. Como as coisas começam no Brasil? Vai fora (exterior), pega algo genérico que está regulamentado, faz estudo, analisa pontos de vista, caracteriza como primeira legislação e põe pra rodar”, rebate Clayton.

“Há um direcionamento para maior restrição dos parâmetros”, analisa Clayton. “E inclusão de novos parâmetros”, completa Vera. Eles se referem às mudanças ocorridas com a publicação das sucessivas portarias do Ministério da Saúde. Em comparação com as últimas, a 518/2004, a 2.914/2011 e a atual, Anexo XX da Portaria de Consolidação Nº 5, parâmetros foram incluídos e valores aceitáveis reduzidos, defendem eles. “A turbidez, por exemplo, na década de 70 podia sair com 5 (UNTs), hoje é 0,5. Levou 40 ou 50 anos pra cair 10 vezes”, exemplifica Clayton.

Alimentação das informações - Os dados constantes no Sisagua são os resultantes das análises realizadas nas amostras de água bruta e de água tratada, sejam os realizados pela própria concessionária ou por um laboratório terceirizado. Pela legislação, o caminho da informação passa pelas vigilâncias sanitárias dos municípios, que recebem os relatórios e inserem no sistema. Assim a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), órgão ligado ao Ministério da Saúde, agrupa os dados enviados por municípios de todo o Brasil.

Segundo Vera Sandim, coordenadora de laboratórios da Águas Guariroba, a vigilância sanitária do município designou que a própria concessionária alimente o sistema. “Até 2014 não éramos nós que digitávamos. Até que pediram para nós digitarmos os resultados no sistema. Além de digitar, nós também entregamos o relatório para a vigilância sanitária”, afirma ela.

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