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Abandonada na barriga, filha perdoou quando acidente quase matou pai e madrasta

Paula Maciulevicius, Campo Grande News - 26 de julho de 2016 - 07:19

Família toda: Endrigo (marido de Aline), Pedro Henrique, Aline, Omar, Rosa e Mariana. (Foto: Alcides Neto)
Família toda: Endrigo (marido de Aline), Pedro Henrique, Aline, Omar, Rosa e Mariana. (Foto: Alcides Neto)

Uma história sobre perdão, amor e recomeço. Aline cresceu sem um pai para chamar de seu, sem um nome nos documentos, sem um sobrenome. Foram 13 anos até conhecer Omar, mais de 20 para saber o motivo de sua partida e só em 2010, depois de um acidente que quase acabou com a vida de todo mundo, é que pai, filha e Rosa, a madrasta, se tornaram uma família.

“É uma longa história de amor”, começa a dizer Aline Maruse Monteiro Mariano Zotelli, hoje com 38 anos. Servidora do IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul), é durante o aniversário de 2 anos do filho Pedro Henrique que a família toda se reúne para narrar o que seria enredo de novela. “Ele foi embora. Minha mãe estava grávida, eu nasci e nunca mais o vi”, resume a filha.

Omar era de Amambai e veio a Campo Grande para servir ao Exército. Depois da dispensa, retornou para casa, deixando Aline ainda na barriga da mãe. A mulher nunca foi atrás e também não deixava a filha sentir qualquer raiva dele. “Toda vez que eu falava, minha mãe dizia que eu não podia ter raiva, que o problema dele era com ela e não comigo”, lembra a secretária executiva bilíngue.

Aline cresceu sem nutrir esse sentimento e chegou, por insistência da irmã mais velha, até o pai. A adolescente de 16 anos ouviu no ônibus uma conversa entre moradores de Amambai, se intrometeu e conseguiu saber sobre o pai da caçula. Em casa, contou escondido tudinho para Aline. “Ela me disse que tinha conhecido uma moça que conhecia meu pai e para irmos atrás dele. Minha irmã tinha lembranças dele e fomos procurar”, recorda.

Na lista telefônica, chegaram a casa da tia de Omar pelo sobrenome “Mariano” e no segundo número, as irmãs souberam que ele passava férias com a família em Campo Grande. “Nós ligamos para a minha tia, quando ela chamou ele para atender, eu peguei o telefone e ele já sabia que era eu. Atendeu dizendo ‘é a minha florzinha’?”

Ali eles achavam que já estavam todos “encontrados”. Da ligação, marcaram de se conhecer na Praça dos Imigrantes. Aline com a irmã e a avó, Omar com a esposa e os filhos. “Nós chegamos lá e foi amor à primeira vista. Não teve um dia que não fiquei apaixonada pelo meu pai”, descreve a filha. “Ela era muito parecida comigo, igualzinha, magrela, não tem como contestar”, emenda o pai, Omar Mariano, de 59 anos.

Eles nunca mais se distanciaram, mas pela fase adolescente que Aline passava, o encontro não foi um desfecho de “felizes para sempre”. “Eu não aceitava ele ter ido embora, acreditava que ele tinha me abandonado e por que ele tem uma família? Por que os outros filhos merecem ter uma estrutura familiar certinha e eu não mereço?” questionava Aline.

Rosa, a madrasta, não era bem aceita pela filha e também via que o filho, adolescente, também rejeitava a ideia de ter uma meia-irmã. “É que nós nunca contamos para os meninos, ficávamos esperando a hora certa e quando achamos que era hora de contar, ele não gostou. Eram adolescentes ali”, explica Rosa Maria Serejo Mariano, de 69 anos.

A convivência não envolvia brigas, mas não chegava perto de haver afinidade entre pai e filha. “Era um relacionamento que começou na metade, não teve um começo”, justifica Omar. Aos 20 anos, Aline pôs o pai contra a parede, para saber por que afinal de contas ele havia ido embora?

O pai pode não se lembrar das palavras exatas que disse, mas a filha que ouviu nunca mais as esqueceu. “Eu não fiquei com a sua mãe, porque eu não amava a sua mãe. E olha só as palavras dele: eu não quis ver você, porque se eu visse, não teria coragem de deixar. Ver um bebezinho é diferente de ver a barriga”, repete Aline.

Mais madura, ela analisa a situação dando razão ao pai. “Olhando friamente, a hora que ele falou isso eu fiquei estarrecida. “Eu não quis ver você, porque se eu visse nunca mais sairia e sua vida seria um inferno. Foi a melhor coisa que ele fez”, concluiu à época, Aline.

O sentimento mudou de questionamentos para compreensão. “Aquela imagem de que ele me abandonou, se transformou em proteção. Acho que foi Deus que fez isso na minha cabeça”, acredita Aline. Na cabeça da menina vinham cenas de várias famílias que seguem juntas, porém destruídas. Ela preferiu enxergar que não viveu a infelicidade de um casal, apenas a frustração da mãe, mas que não permitiu, nem mesmo em meio à dor, transferir o sentimento de raiva à filha.

Os anos passaram, Aline se formou e também se casou, até que em 2010, o telefone tocou com a notícia de um acidente. Osmar, Rosa, a sogra do irmão, a irmã e a sobrinha de Aline voltavam de um aniversário em Amambai, quando perderam o controle do veículo e capotaram repetidas vezes. A sogra morreu na hora e todos ficaram muito machucados. “A hora que a minha irmã Débora me ligou e falou: nós sofremos um acidente... Eu fiquei enlouquecida, a única coisa que eu queria era ouvir a voz do meu pai”, relembra.


O casal veio transferido para a Santa Casa de Campo Grande, com graves ferimentos. Rosa com lesão na coluna, sem poder se mover, e Omar com machucados na cabeça toda. “E naquela hora, a Rosa, imobilizada de dor, falou: ‘toma o seu lugar de filha. Assuma o seu lugar de filha agora e aí eu vi que era o momento da gente mudar completamente a nossa história”, pensou Aline.

A irmã estava machucada, a sobrinha também e o irmão tinha de cuidar da família da esposa, que havia perdido a mãe no acidente. Aline precisou abraçar a todos como família e não transferir a responsabilidade para outra pessoa que não fosse ela mesma.

“Aí a Rosa foi fazer exame e eu fui acompanhar. A minha prioridade era cuidar de todo mundo, da Rosa que é quem meu pai ama. Eu tive maturidade de entender isso e a gente mudou completamente”.

A mudança deles como família foi selada quando Mariana nasceu. A filha mais velha de Aline. “A vida da Mariana foi uma nova vida para todos nós. A Rosa não diferencia meus filhos dos filhos dos filhos dela, são todos netos”, exemplifica Aline.

Foi Omar e Rosa quem estiveram ao lado de Aline e do marido, Endrigo, quando Mariana ficou internada, dois anos atrás, por conta de uma pneumonia na UTI. O mesmo aconteceu quando o caçulinha nasceu e à porta da maternidade, estava Rosa esperando para ver o neto.

“É uma história de amor, de perdão e de recomeço que eu acho que poucas vezes a gente vê e isso só aconteceu porque a gente se permitiu”, avalia a filha. Aline diz que fez com que os 13 primeiros anos de sua vida, sem o pai, fossem irrelevantes. Foi um tempo que se perdeu e que, nas palavras dela, não tem peso.
Com a madrasta, ela aprendeu a ver que a aproximação também veio de Rosa.

“Todas as barreiras foram destruídas lá naquele acidente que poderia ter sido uma tragédia na vida de todo mundo e olhando friamente, aquele foi o começo de tudo. E a gente vê que o vale mesmo é o perdão. É a oportunidade que a gente tem de todo dia olhar e ser feliz. Eu não me imagino sem eles. E aqueles minutos que eu vivi no telefone, do acidente, eu nunca mais quero viver. Não quero pensar na minha vida sem eles”, resume Aline.

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